Está faltando um zero
Luzilá Gonçalves Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras
Publicado em: 21/08/2018 03:00 Atualizado em:
Ultimamente, em três ocasiões e por autores diferentes, artigos sobre o exercício da profissão de professor do primeiro grau levaram ao grande público a situação em que se encontra o ensino primário no Brasil. Confiado em estatísticas, alguém escrevia, ninguém quer mais ser professor. Outro confirmava a tristeza vergonhosa dos ínfimos salários oferecidos aos profissionais da carreira. A terceira matéria era uma espécie de relatório-chamada a técnicos diversos: os salários correspondentes, eram, pelo menos, cinco vezes mais do que recebe o professor do ensino primário, na maioria das cidades do Brasil. Que não ganha o bastante pra, nem digo em comprar livros, ir a um bom teatro, mas pra garantir à família o mínimo necessário pra viver, e que ninguém diga que cerca de dois mil reais mensais bastam pra gerenciar, de modo decente, os gastos com a vida. No século 19, ser “marido de professora” garantia respeito e mais: quando o salário da mulher era recebido pelo homem. No século 20 um poeta cantava: “Antigamente a escola era risonha e franca.” Para a menina observadora que eu era, e mesmo descontando a imaginação infantil, minhas professoras no Grupo Escolar Clovis Bevilacqua eram, o leitor vai rir, lindas, elegantes, perfumadas. E de fato o eram. Naquele tempo havia a moda de saia plissada, blusas de labirinto, saltos altos, como os trazia dona Ana, dona Ester. E pasmem, havia um cheiro de perfume francês no ar, não estou mentindo. Lembro essas coisas, finalmente desimportantes, aceitando que os tempos mudaram, que uma calça jeans é tão válida vestimenta como outra qualquer, etc, etc. Nesses últimos anos tenho sido convidada e conversar sobre literatura, sobre poesia e romance, a muitos grupos de professores sobretudo da Rede. E é uma alegria verificar o interesse, o esforço, a seriedade com que assumem a profissão, o ótimo desempenho em aula, que aliás nossos governantes vez em quando reconhecem. Há alguns anos, em colóquio sobre ensino e situação dos mestres, que ganhavam um salário mínimo por 40 horas semanais, discutiu-se a situação. Salário que antes e hoje, pra qualquer trabalhador, é uma tristeza, e por que não o dizer, uma vergonha para o país rico que somos. Pois bem. Uma amiga lembrou um antigo samba que dizia: “Tá faltando um zero no meu ordenado / tá faltando sola no meu sapato.” Essa amiga acrescentou, dirigindo-se a um... digamos político, que cantava os bons resultados do ensino primário em nosso estado: “Senhor... fulano (omito nome e cargo, evidentemente), quando os professores receberem oito mil reais em vez dos oitocentos que recebem atualmente, a gente conversa.” Claro que houve um silêncio geral e no coquetel que acompanhou a reunião, o tal comentou com minha amiga: “A senhora exagerou”.