MEIO AMBIENTE

ONGs lançam a campanha Rio Capital do Caô Climático

Ação denuncia que lei que instituiu a Política Municipal do Clima criou uma zona de exclusão climática que tem prejudicado a saúde da população e do planeta

Publicado em: 05/09/2024 14:04

 (Foto: Freepik)
Foto: Freepik
Nesta quinta-feira (5), organizações e movimentos sociais lançam a campanha “Rio Capital do Caô Climático”, com uma ação pública no Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, e ações nas redes sociais. A campanha denuncia que a Lei Municipal nº 5.248/2011, que instituiu a Política Municipal do Clima, criou uma zona de exclusão climática que está prejudicando a saúde da população e do planeta, por isso pede a revogação de seu Artigo 6º. 
 
O Rio vai sediar o encontro da cúpula do G20 em novembro, quando as lideranças das maiores economias do mundo vão debater, dentre outros temas, a crise climática e as medidas necessárias para enfrentar esse problema, que é ao mesmo tempo local e global. Em nota divulgada à imprensa, a prefeitura do Rio afirmou que a prioridade é construir “um mundo justo e um planeta sustentável”. No entanto, na campanha “Rio Capital do Caô Climático”, os movimentos sociais denunciam que, na prática, a prefeitura está agindo na contramão deste ideal e beneficiando as maiores poluidoras da cidade, ao criar uma zona de exclusão climática da Zona Oeste do Rio de Janeiro, por meio do Artigo 6º da Lei nº 5.248/2011.
 
A população pode se juntar à campanha e pressionar o poder público a revogar o texto através do site www.riocaoclimatico.com.br. 
 
No início do ano, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) já havia recomendado a revogação deste artigo, no relatório da Missão sobre violações de direitos humanos e emergência climática no estado do Rio de Janeiro, realizada entre fevereiro e março deste ano.
 
A Lei nº 5.248/2011 criou metas para a redução da emissão de gases de efeito estufa (GEE) no município, mas estabeleceu, em seu Artigo 6º, que as emissões provenientes das empresas do Distrito Industrial de Santa Cruz, localizado na Zona Oeste, serão contabilizadas em separado, observando metas diferenciadas.  Há 14 empresas atuando   na   área.   Dentre  elas,   está  a   maior siderúrgica da América Latina, a Ternium Brasil (antiga TKCSA). 
 
O relatório “Mudanças climáticas e siderurgia – Impactos locais e globais da Ternium Brasil”, publicado no ano passado pelo Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs), revelou que, sozinha, a siderúrgica é responsável por mais de metade das emissões de GEE de todo o município, que tem mais de seis milhões de habitantes.
 
Os prejuízos socioambientais ficam para a população e o planeta, que estão adoecendo. Em um relatório recém-lançado, o Centre for Research on Energy and Clean (CREA) estimou que a poluição da siderúrgica causou até 1.750 mortes em Santa Cruz, incluindo de crianças pequenas, menores de 5 anos, em função de condições como infecções respiratórias inferiores, doença pulmonar obstrutiva crônica, derrame, câncer de pulmão e diabetes.
 
De acordo com o relatório “Air quality impacts of the Ternium Brasil Santa Cruz steel plant”, o custo de toda a poluição causada pela Ternium pode chegar a até US,7 bilhões (R,2 bilhões). Este valor é maior que o orçamento anual do Rio de Janeiro para a educação, cultura e esportes juntos.  Os  impactos   da   Ternium   Brasil   afetam   mais   diretamente   a   população   de   Santa  Cruz,   que   é majoritariamente negra e empobrecida, mas não se restringem a ela. O relatório do CREA ainda revela que as emissões de GEE e de partículas provenientes da produção de aço da Ternium, que invadem as casas dos moradores e poluem o ar, estão avançando sobre outras regiões da cidade e ultrapassando até as fronteiras estaduais, chegando ao litoral norte de São Paulo.
 
Desde o início de sua construção, em 2006, a siderúrgica produz sistematicamente um conjunto de passivos ambientais e humanos. Diversas ações judiciais foram movidas contra a siderúrgica, por associações de pesca, moradores atingidos, Defensoria e Ministério Público. Dentre elas, há um conjunto de mais de 200 ações individuais, movidas por moradores, que pedem reparação por danos causados por  episódios   conhecidos   como  “chuva   de   prata” ,   quando   há   emissão   severa   de particulados na atmosfera, enchentes provocadas pelo desvio do Canal São Fernando à época da construção da siderúrgica e rachaduras nas casas. As ações estão tramitando na Justiça há mais de 11 anos.
 
Sem medidas de reparação e prevenção a novos danos, a empresa mantém seu padrão produtivo poluidor. Os moradores continuam denunciando o adoecimento da população, a poluição atmosférica e a poluição sonora causada pela operação de trens de carga, buzinas e outros ruídos constantes, inclusive na madrugada. Além da histórica limitação do espaço destinado à pesca e a perda da qualidade do solo e da água, que afeta a oferta de pescado em uma região cujos moradores tradicionalmente sobrevivem da pesca.
 
Em audiência pública realizada em agosto para discutir a crise climática e a saúde na Zona Oeste do Rio de Janeiro, diversos moradores compartilharam seus relatos. “Em duas ou três horas de pesca a gente trazia quatro caixas de peixe. Agora não tem mais aquele peixe, que era um peixe saudável, porque não tinha a química da TKCSA (atual Ternium Brasil) caindo na água”, contou o pescador Jaci do Nascimento. “Então eu, um chefe de família, pescador, fiquei sem ter de onde tirar o sustento”, finalizou.
 
Na ocasião, o representante da Defensoria Pública do Estado do Rio, Mauricio de Andrade Travassos, reconheceu que “é duro ver que mais de uma década se passou e os problemas são os mesmos”. Em relação às ações que tramitam na Justiça, Travassos afirmou que “é uma morosidade que não se justifica”.  
 
Já o professor e pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Alexandre Pessoa Dias, na audiência pública realizada em agosto, avaliou que essa lei é vexatória. Dias também é coordenador do grupo de trabalho (GT) Águas e Saneamento, da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz (VPAAPS/Fiocruz) e membro do GT Saúde e Ambiente, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). “Os governos precisam assumir a sua responsabilidade. Esse parágrafo injustificável precisa ser imediatamente revisado e retirado, por uma questão muito simples: o direito à saúde, que é um preceito e está prescrito na Constituição Federal”, completou Dias.
 
Diversos movimentos e organizações sociais compõem a campanha, dentre eles o Instituto Pacs, Coletivo Martha Trindade, Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental, Fórum Popular da Natureza, Coalização pelo Clima, Teia de Solidariedade da Zona Oeste e Pacto Ecossocial e Intercultural do Sul.
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