Surto
Microcefalia leva pânico ao mundo e dá margem a novas teorias sobre suas causas
Apesar do avanço das pesquisas, comunidade médica segue dividida apontando causas que vão das subnotificações ao aumento da degradação ambiental
Por: Adaíra Sene
Publicado em: 12/02/2016 09:50 Atualizado em: 13/02/2016 15:16
Somente em Pernambuco, mais de 1,4 mil casos foram notificados. Foto: Peu Ricardo/Esp. DP |
O alto índice de crianças com microcefalia levou a Organização Mundial de Saúde (OMS) a decretar estado de emergência sanitária internacional. Entre agosto e janeiro, somente em Pernambuco, foram notificados 1.447 casos. Considerando os parâmetros da OMS - que identifica a malforamção em bebês com perímetro cefálico igual ou menor que 32 centímetros -, são 543 crianças. Apesar dos indícios, as reais causas do surto ainda são um mistério. Enquanto o Ministério da Saúde aponta a relação entre o contágio pelo zika vírus e o desenvolvimento da doença, especialistas ao redor do mundo estudam outras possibilidades que incluem até mesmo a contaminação através do uso de pesticidas utilizados em água potável. A população luta para conter o Aedes aegypti, vetor da dengue, zika e febre chikungunya, mas, em meio ao cenário alarmante, você sabe quais são os mitos e verdades sobre a microcefalia?
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A relação entre zika e microcefalia, contudo, ganhou reforço nesta semana com a publicação de um artigo científico sobre o caso de uma grávida eslovena, contaminada no Rio Grande do Norte. Foi a primeira vez que um estudo europeu também detectou a presença do vírus no cérebro de bebês microcéfalos. Neste caso específico, a comprovação veio através de exames genéticos, de imagem e laboratoriais. Todas as outras infecções que também podem causar microcefalia, como herpes e rubéola, foram descartadas, assim como a predisposição genética dos pais. Devido aos maus prognósticos e aos graves danos no cérebro do feto, a mulher decidiu interromper a gravidez aos oito meses.
Um representante da Organização Mundial de Saúde (OMS) na Eslovênia, Marijan Ivanusa, confirmou que a investigação representa “uma peça excecionalmente importante no quebra-cabeça para provar que o vírus zika realmente pode causar microcefalia”. Contudo, segundo o responsável da OMS, a investigação não representa algo “dramaticamente novo”, pois não existem medicamentos nem vacinas contra o zika e a única coisa que resta é recomendar a proteção contra o mosquito Aedes aegypti.
Com zika, mas sem microcefalia
Engrossando as teorias que surgiram em virtude do alto índice de infestação da doença, nesta semana, o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, informou que 3.177 gestantes foram diagnosticadas com o vírus no país, mas não há evidências de que o zika tenha causado qualquer malformação nas crianças. A notícia trouxe à tona, mais uma vez, a falta de comprovações sobre as causas da microcefalia. "Só podemos falar com segurança sobre a nossa realidade. A informação foi divulgada, mas ele não detalhou, por exemplo, como detectou a infecção nas gestantes. Aqui nós temos muita dificuldade em todo o processo de comprovação e isso varia de exames caros até a própria sorologia. Não é fácil para a gente, imagino que para eles também haja essa dificuldade. Não dá para saber entender assim sem detalhamentos", complementou a médica.
Lindomar Penna, pesquisador do setor de virologia. Foto: Brenda Alcântara/Esp. DP |
O alcance mundial propiciou o surgimento das teorias a respeito da doença. Algumas plausíveis, outras com objeções. Na Argentina, médicos consideram outra causa provável: o uso de um pesticida utilizado no Brasil desde 2014 para impedir o desenvolvimento de larvas de mosquito em tanques de água potável. De acordo com o relatório realizado pelos especialistas argentinos, o Ministério da Saúde do Brasil não conseguiu reconhecer que, na área onde as pessoas mais doentes vivem, um larvicida químico que produz malformações em mosquitos foi introduzido no abastecimento de água. Esse pesticida, o pyriproxyfen, é usado em um programa estatal destinado a erradicar mosquitos portadorede doenças. Ele é um inibidor do crescimento de larvas de mosquitos, o que altera o processo de desenvolvimento da larva gerando, assim, malformações no desenvolvimento de mosquitos que podem matá-los ou desativá-los.
Em entrevista ao The Ecologist, os médicos do Physicians in the Crop-Sprayed Towns (PCST) também observaram que o zika vírus tem sido, tradicionalmente, tido como doença benigna e que nunca havia sido associado a defeitos congênitos, nem mesmo em áreas onde infecta 75% da população. A hipótese encontrou força também entre os médicos da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). A organização, além de salientar o aumento da degradação ambiental e a falta de saneamento, denuncia a utilização continuada de larvicidas químicos na água de beber das famílias há mais de 40 anos sem, contudo, implicar na redução do número de casos de doenças provocadas por arbovírus.
Outra questão levantada em meio ao boom de microcéfalos diz respeito às notificações. Somente em novembro, a notificação de casos de microcefalia se tornou obrigatória no estado. E a estatística não parou de crescer. Antes, a média era de nove casos por ano. Entre agosto e janeiro, já foram mais de 1,4 mil casos.
Muito se fala sobre subnotificações, mas para Ângela Rocha não seria possível um índice elevado da doença passar impune. "É praticamente impossível haver subnotificação de casos de microcefalia. Passar um ou outro, até pode ser, mas nunca seria um volume tão elevado. Mesmo que não seja detectado no nascimento, pacientes com microcefalia precisam de atendimento neurológico. Eles apresentam sintomas ainda nos primeiros meses. Com esse tamanho de cabecinha, muitos convulsionam, se tornam irritadiços, entre outras sequelas. Eles, com certeza, seriam detectados", defendeu a especialista. As dúvidas a respeito da subnotificação de casos de microcefalia nasceram após os Estados Unidos terem divulgado uma média de 19.250 nascimentos de crianças com a malformação no país todos os ano.
A Assessoria de Comunicação Social da Sumitomo Chemical, fabricante do pesticida Pyriproxyfen, esclarece que não há nenhuma base científica em tal afirmação. O fabricante enviou nota esclarecendo que o produto tem aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uso em campanhas de saúde pública, como “inseticida-larvicida, controlando vetores de doenças, dentre os quais mosquitos Aedes aegypti, Culex quinquefasciatus e mosca doméstica”. Desde 2004, é registrado e o Governo brasileiro o vem utilizando como inseticida-larvicida no combate ao Aedes aegypti. Pyriproxyfen também é registrado para o combate do Aedes aegypti em países como Turquia, Arábia Saudita, Dinamarca, França, Grécia, Holanda, Espanha. Na América Latina, República Dominicana e Colômbia vêm utilizando o produto desde 2010.
O fabricante também informa que Pyriproxyfen é aprovado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para combate a mosquitos, dentre eles o Aedes Aegypti. Segundo a OMS, em seu documento Pyriproxyfen in Drinking-water, publicado em 2004 - também publicado pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) em 2001 -, o Pyriproxyfen não é mutagênico, não é genotóxico, não é carcinogênico nem teratogênico. O produto foi submetido a rigorosos testes toxicológicos que não demonstraram efeitos sobre a reprodução, sobre o sistema nervoso central ou periférico.
A assessoria ressaltou ainda que a Sumitomo, ao longo de seus mais de 100 anos de história, tem pautado sua atuação pelo rigor científico e respeito ao meio ambiente e a saúde da população e reafirma a confiança na segurança de seus produtos.
Conheça outros mitos e verdades sobre a microcefalia
Mães não devem deixar de amamentar as crianças. Foto: Peu Ricardo/Esp. DP |
É possível pegar zika através do beijo ou do sexo?
Estudos da Fiocruz detectaram a presença do vírus na saliva, no esperma e até na urina de pacientes. No entanto, não houve qualquer tipo de recomendação para que se evite a troca de fluidos. Segundo Ângela Rocha, para existir a contaminação não basta apenas a presença do vírus. O principal meio de contágio continua sendo através da picada do mosquito.
Mães com zika devem parar de amamentar?
Órgãos de saúde esclareceram que não se deve parar o aleitamento. “À luz dos conhecimentos científicos atuais, não dispomos de evidências para alterar as condutas assistenciais e técnicas no que concerne ao aleitamento materno e aos Bancos de Leite Humano frente ao cenário epidemiológico do vírus zika”, pontuam os médicos Carlos Maurício Maciel, diretor do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz); e João Aprígio Guerra, coordenador da Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano.
O aumento no número de casos está relacionado ao uso de mosquitos com bactéria?
Não é verdadeira a informação de relação entre a incidência do vírus zika com os mosquitos portadores da bactéria Wolbachia. Desde 2014, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com o Ministério da Saúde, desenvolve o projeto “Eliminar a Dengue: Desafio Brasil” que propõe o uso de uma bactéria naturalmente encontrada no meio ambiente, inclusive no pernilongo, chamada Wolbachia. Quando presente no Aedes aegypti, a bactéria é capaz de impedir a transmissão da dengue pelo mosquito. A iniciativa, sem fins lucrativos, é uma abordagem inovadora para reduzir a transmissão do vírus da dengue pelo mosquito Aedes aegypti de forma natural e autossustentável. A pesquisa é inédita no Brasil e na América Latina. O estudo já foi realizado, com sucesso, na Austrália, Vietnã e Indonésia.
Os casos estão relacionados ao uso de vacinas estragadas?
O Ministério da Saúde esclarece que todas as vacinas ofertadas pelo Programa Nacional de Imuização (PNI) são seguras e não há nenhuma evidência na literatura nacional e internacional de que possam causar microcefalia. O PNI é responsável pelo repasse, aos estados, dos imunobiológicos que fazem parte dos calendários de vacinação. Uma das ferramentas essenciais para o sucesso dos programas de imunização é a avaliação da qualidade dos imunobiológicos. O controle de qualidade das vacinas é realizado pelo laboratório produtor obedecendo a critérios padronizados pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Após aprovação em testes de controle do laboratório produtor, cada lote de vacina é submetido à análise no Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS) do Ministério da Saúde. Desde 1983, os lotes por amostragem de imunobiológicos adquiridos pelos programas oficiais de imunização vêm sendo analisados, garantindo sua segurança, potência e estabilidade, antes de serem utilizados na população. Destaca-se que não há relatado nesse sistema de notificação sobre microcefalia relacionada á vacinação, bem como, não existe até o momento na literatura médica nacional e internacional evidências sobre a associação do uso de vacinas com a microcefalia.
O vírus zika também causa Guillain-Barré?
A Síndrome de Guillain-Barré é uma reação a agentes infecciosos, como vírus e bactérias, e tem como sintoma a fraqueza muscular e a paralisia dos músculos. Os sintomas começam pelas pernas, podendo, em seguida, irradiar para o tronco, braços e face. A síndrome pode apresentar diferentes graus de agressividade, provocando leve fraqueza muscular em alguns pacientes ou casos de paralisia total dos quatro membros. O principal risco provocado por esta síndrome é quando ocorre o acometimento dos músculos respiratórios, devido a dificuldade para respirar. Nesse último caso, a síndrome pode levar à morte, caso não sejam adotadas as medidas de suporte respiratório. O vírus zika pode provocar também a Síndrome de Guillain-barré. A Síndrome de Guillain-Barré é uma doença rara. Assim como todas as possíveis consequências do vírus zika, a ocorrência da Guillain-Barré relacionada ao vírus continua sendo investigada.
O Ministério da Saúde vai distribuir repelentes para mulheres grávidas?
O Governo Federal vai distribuir repelentes para todas as grávidas inscritas no programa Bolsa Família. O Governo está em contato com os fabricantes de repelentes para definir exatamente a quantidade que o setor pode fornecer.
O Ministério da Saúde mudou o parâmetro para identificar a microcefalia para esconder o número de casos?
Todos os casos de crianças com microcefalia relacionada ao vírus zika serão investigados. A mudança para o parâmetro do perímetro cefálico igual ou menor de 32 centímetros segue recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e é apoiada pela Sociedade Brasileira de Genética Médica e com o suporte da equipe do SIAT (Sistema Nacional de Informação sobre Agentes Teratogênicos). Cabe esclarecer que o Ministério da Saúde adotou a medida de 33 cm, que é totalmente normal para crianças que nascem após 37 semanas gestacionais, com o objetivo de compreender melhor a situação do aumento de casos de microcefalia. A partir da primeira triagem desses casos suspeitos, muitos dos diagnósticos realizados precocemente e preventivamente já foram descartados. Portanto, a nova medida visa agilizar os procedimentos clínicos, sem descuidar dos bebês que fizeram parte da primeira lista de casos notificados.
Crianças de sete anos e idosos têm sintomas neurológicos decorrentes do zika?
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) esclarece que essa informação não tem fundamentação científica. Até o momento, não há registro de crianças ou idosos apresentando sintomatologias neurológicas relacionadas ao vírus zika. “É importante também esclarecer que, assim como outros vírus, a exemplo de varicela, enterovírus e herpes, o zika poderia causar, em pequeno percentual, complicações clínicas e neurológicas em adultos e crianças, sem distinção de idade”, esclareceu a Fiocruz.
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