COLUNA RELAÇÕES INTERNACIONAIS
O muro
Por: Thales Castro
Publicado em: 16/01/2019 12:53 | Atualizado em: 16/01/2019 13:11
A Guerra Fria (1945-1991) foi um período de erguimento de diversos muros: o Muro de Berlim foi talvez sua maior representação das linhas divisórias daqueles tempos da lógica de soma zero (teoria dos jogos). O Muro de Berlim separava, provocava e machucava. Era manifesto político cujo silêncio frio tinha ruídos que ecoavam, fortemente, em todo o mundo bipolar. O choque murado tornou-se inevitável diante da disputa acirrada daqueles longos anos, terminados com a queda deste mesmo muro, em 1989, e com a completa implosão da União Soviética em dezembro de 1991.
A Guerra da Coreia (1950-1953) trouxe à tona não propriamente um único muro, mas uma larga fronteira armada ao longo do paralelo 38, fortemente vigiada, com arames farpados e grandes rivalidades. Eram ecos daquela mesma Guerra Fria que, no concerto asiático, teve outra experiência de dor e de divisão que foi a Guerra do Vietnam (1955-1975) %u2013 embora a participação americana terá início somente em 1962 com Kennedy.
Os anos noventa trouxeram a força globalista da pax americana, idealizada na integração econômico-comercial e na derrubada dos muros ainda remanescentes. Eram anos do triunfalismo de Francis Fukuyama com seu livro clássico (e ufanista) O Fim da História e o Último Homem. A derrubada dos muros, na visão de Fukuyama, viria através daquele momento histórico ímpar com o resgate do thymos de Platão e com a inspiração de uma ampla e reformadora democracia cosmopolita sem fronteiras. Os muros, desta forma, entrariam em desuso e seriam relíquias arqueológicas de um passado sombrio %u2013 ledo engado.
O contraponto à Fukuyama veio, primeiramente, num artigo (posteriormente na forma de um livro) provocador de Samuel Huntington, O Choque das Civilizações, que, de maneira realista e crítica, apresenta as falhas no pensamento idílico de Fukuyama sem fronteiras. Podemos pontuar que Fukuyama teve sua influência de derrubada dos muros visíveis e invisíveis na vaga temporal de 1991-2001. Neste sentido, Huntington foi, efetivamente, o porta voz realista do futuro a partir do início do século XXI. Com os ataques às torres gêmeas em 11 de setembro de 2001 e a sucessão de atentados do chamado %u201Cnovo terrorismo%u201D anticivilizatório (contrário ao Ocidente e à formação judaico-cristã), Huntington mostra que novos muros devem ser erguidos e que o idealismo kantiano e de Fukuyama deveria ser repensado.
Estamos, atualmente, em momento de inflexão internacional. Este é tempo de erguimento de muros %u2013 novos e velhos. Nem tudo é crítica com relação aos muros, porém. O muro construído por Israel na Cisjordânia, mesmo sem aprovação da Corte Internacional de Justiça, em Haia, em 2004, reduziu, significativamente, os ataques contra este país - uma das poucas democracias no Oriente Médio. Apesar de controverso, este muro trouxe maior segurança para as populações do entorno, fortalecendo sua posição.
Um novo muro está sendo proposto para ser construído pela gestão Trump na longa fronteira (3.200 km de extensão) com o México %u2013 razão, inclusive, do mais longo impasse (shut down) sem aprovação do orçamento público nos EUA. O muro tem triplo propósito: barrar o imenso fluxo de drogas nos EUA; reduzir a imigração ilegal; e, por fim, assegurar as fronteiras no campo geoestratégico bilateral. Erguer muros é parte da soberania estatal. Este muro está orçado 6 bilhões de dólares e os Democratas que, atualmente, estão dominando a Câmara dos Deputados resistem não o financiar no intuito de enfraquecer Trump nas próximas eleições de 2020. Será que este audacioso projeto será exitoso? Ou será que precisamos mais de pontes? Eis a questão... que não quer calar.
Thales Castro é doutor em Ciência Política. Coordenador do Curso de Ciência Política da UNICAP. Cônsul de Malta e Presidente da Sociedade Consular de Pernambuco.