Enquanto o planeta esquenta com o aumento da poluição, a arte e a diversidade cultural esfriam, com retrocessos nas políticas culturais, extinção do Ministério da Cultura e diminuição do financiamento artístico no Brasil.
Debates que poderiam construir caminhos equilibrados - tanto para reduzir o aquecimento planetário, quanto para promover a diversidade cultural do Brasil para o mundo – estão superaquecidos pelo empoderamento de ignorâncias, intolerâncias e radicalismos.
Rótulos confusos e paradoxais como “escola sem partido”, “marxismo cultural”, “ideologia de gênero”, “sem viés ideológico”, “azul e rosa”, entre outros, ao lado do perigoso e anticientífico “negacionismo climático”, são motivos para embates agressivos, improdutivos e fratricidas.
Mas o que tem a ver aquecimento global com choques culturais?
Tudo! São duas questões de imenso impacto para a humanidade, que dependem de percepção sistêmica e soluções colaborativas.
A diversidade cultural humana é tão importante quanto a biodiversidade da Terra. E só conseguimos enxergar a relevância e a interdependência dessas duas riquezas, se estivermos com as mentes abertas. É a nossa forma de viver e de interagir com a natureza (cultura) que define a possibilidade de conservar ecossistemas (sustentabilidade).
Arte é comunicação holística. Sintetiza sentimentos, conhecimentos, inventividade, visão crítica, e desperta impulsos transformadores que movem o mundo. Superar a mediocridade e evoluir com sustentabilidade, requer mais poesia, imaginação e liberdade para ousar no dia a dia. Em mãos múltiplas. Com ideias livres, indo e vindo em todas as direções.
É a ousadia criativa que possibilita invenções, disrupções e reinvenções. Uma nação forte e avançada resulta da fusão democrática de múltiplas ideias e pontos de vista, respeitando liberdades individuais e tirando proveitos enriquecedores das diferenças. Uma civilização global evoluída depende dessa mesma relação entre as nações.
O acesso a novas expressões artísticas e culturais amplia o universo mental e faz evoluir indivíduos e civilizações. A imposição de uma cultura sobre outras é algo autoritário e empobrecedor. Portanto, respeito multilateral é atitude inteligente. E isso é urgente para comunidades indígenas e quilombolas, que sofrem pressões (culturais e ambientais) cada dia mais intensas.
Em 2006, apresentei esta visão numa palestra em Nova York, na 49a Conferência da Association of Performing Arts Presenters, no painel International Support Systems for the Arts. Eu era secretário nacional de Fomento à Cultura do Brasil e representava o ministro da Cultura, Gilberto Gil.
A plateia, com gente de todos os continentes, foi muito receptiva. Naquele ano, com a inventividade tropicalista de Gil e a reconhecida atuação sócioecológica de Marina Silva (ministra do Meio Ambiente), o Brasil chamava a atenção do mundo para cultura, ecologia e paz. Gil chegou a tocar junto com o secretário geral Kofi Annan, no plenário da ONU, em evento memorável transmitido para o mundo.
Hoje, numa situação inversa, com a nossa imagem internacional literalmente atolada na lama e um clima nacional de “pátria armada”, precisamos atenuar conflitos e resgatar os melhores atributos brasileiros. Um deles é a nossa capacidade de miscigenação, de lidar positivamente com a mistura: de raças, de ideias, de religiosidade, de estilos de vida e de capacidades criativas.
A nossa evolução social, política e econômica depende diretamente de um ambiente que estimule a inovação, sem censuras, como garante a Constituição. Portanto, promover a criatividade e incentivar debate propositivo, tolerante e agregador faz muito bem ao povo.
Assim, nasceu, no Recife Antigo, o futurista Hub SinsPire. Instigado pela ousadia empreendedora de Luciana Nunes, está multiconectando diversidade cultural, inovação, economia criativa, sustentabilidade, arte, diversão e movimentos. Somando inspirações, estamos juntos e misturados, garimpando e trocando diferenças.
Precisamos aprender a gerenciar contradições.Fortalecer identidades é fundamental para garantir a diversidade. Necessitamos, ao mesmo tempo, de tradição e invenção; autenticidade e mestiçagem. De um Ariano Suassuna, defensor da genuína cultura brasileira; e do Brasil tropicalista, aberto ao mundo, captando, mesclando, reinventando e gerando novas expressões. Para desenvolver políticas de coexistência do lado Chico e do lado Science da nossa cultura, o MinC, na gestão Gil, criou a Secretaria da Identidade e Diversidade, dirigida por Sérgio Mamberti. Foi um diferencial do Brasil no cenário mundial. Agora, com o fim do Ministério da Cultura, retrocesso.
Na natureza, os processos são espontâneos. Na cultura, precisam ser criados. E tolerância é essencial, para que arte e ideias arrojadas tenham espaço nas relações humanas, inspirando novos caminhos para a felicidade. É hora de reduzir o aquecimento e aumentar o artecimento global. Arte pode ser um cimento para alicerces humanos locais e pontes para conectar mundos diversos.
Canais de interação sobre o tema: @sinspire.hub (Instagram) www.iteia.org.br (Rede Cultural - Instituto InterCidadania)
* Sérgio Xavier é jornalista, com formação em Comunicação Social, Telecomunicações e Eletrônica. É empreendedor de inovação tecnológica (InovSi - Porto Digital) e desenvolvedor de projetos de Economia Circular e Gestão da Sustentabilidade. É ativista ambiental e foi Secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco.
Leia a notícia no Diario de Pernambuco
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