RELAÇÕES INTERNACIONAIS
O fim do mundo
Por: Thales Castro
Publicado em: 06/02/2019 07:42
Na esfera internacional, o tema em tela é bastante provocante e revela profundas ansiedades e fobias no interior dos seres humanos. As várias contemplações sobre o fim do mundo, inevitavelmente, podem nos levar a prenúncios de ordem escatológica com o pano de fundo religioso. Não iremos, porém, abordar tal visão pela expressão da fé, pois ultrapassaria a breve análise de cunho político-diplomático desta coluna. Iremos decifrar alguns de seus prenúncios pela ótica das Relações Internacionais, como já é de praxe aqui.
Voltemos ao fim: além de ser tema antiquíssimo com presença, inclusive, em várias profecias futuristas, o mero conceito existencial de término revela nossa pequenez e transitoriedade como animais políticos. Humildade é lanterna que ilumina o caminho. Pensar na existência do fim – próximo ou não – leva-nos a olhar com atenção para os potenciais antídotos no sentido de atenuar ou mesmo evitar a chegada inexorável do fecho definitivo das coisas e dos seres.
Alguns desses antídotos são, por exemplo, o uso da diplomacia preventiva nos assuntos internacionais. Primeiramente, introduzido pelo Secretário Geral da ONU, o egípcio Boutros Boutros-Ghali com sua “A Agenda para a Paz” (1992), a diplomacia preventiva é ferramenta poderosa para detectar, de forma antecipatória, fraturas e ameaças à paz e à segurança internacionais que poderiam gerar verdadeira hecatombe mundial. As guerras nunca surgem por um único fator; como tampouco são causadas, exclusivamente, pela vontade soberana de um único líder. As guerras são polimorfas e multicausais. Assim, poderíamos usar a imagem tenebrosa das guerras representada pelos cavaleiros do apocalipse na forma da discórdia, da fome, das pragas e do êxodo humano decorrente.
Outro antídoto viável é a utilização de mudanças atitudinais coletivas dos atores internacionais pela aplicação do conjunto de CBMs (Confidence-building Measures), primeiramente, lançadas na Conferência Sobre Segurança e Cooperação na Europa (CSCE) em Helsinque, Finlândia, em 1975. Na CSCE, em meio aos temores da Guerra Fria, foi introduzido o conceito de medidas construtoras da confiança entre os Estados e sociedade civil. Ora, a lógica era simples e eficaz: se a descrença política, a apatia diplomática, o antagonismo social e o isolamento são forças em prol da rivalidade que, se alimentada, poderá gerar guerras, então é necessário agir de forma contrária, investindo na transparência das ações internacionais com respaldo na confiança mútua. Bons exemplos ilustrativos são: exercícios militares conjuntos, troca constante de informações políticas, intercâmbio cultural (Programa Erasmus se destaca neste item) e o aumento do intercâmbio econômico-comercial entre as nações. E isso tudo dá resultado concreto.
Mesmo com esses antídotos anteriores, será que o fim do mundo poderá vir na forma de guerra (fator causal primário)? Poderia ainda mais ser acelerado pelos efeitos colaterais mais conhecidos da guerra: discórdia, a fome, as pragas, o êxodo humano e a destruição física e moral de um povo (fator causal secundário)? Poderia o armamentismo nuclear e o terrorismo causarem o extermínio da razão e da raça humana? Poderia chegar o apocalipse na forma de fatores naturais ou ainda de fatores externos a essa nossa aldeia global? Essas são perguntas sem respostas – e continuarão ainda assim por décadas. Temos apenas especulações – e são muitas. Não podemos usar a futurologia para tal fim; deveremos, em contrapartida, usar os mecanismos disponíveis mencionados como forma racional de vida gregária estável, respeitosa e integrada a valores. Neste aspecto, em alinhamento com os antídotos citados, tanto o direito internacional, quanto a prática diplomática sob forma democrática cosmopolita têm relevante papel a desempenhar.
Precisamos, portanto, reinventar o humano como epicentro das mudanças em prol da paz, da segurança e da estabilidade mundiais – como assim menciona, em vários trechos, a Carta da ONU (1945). Resgatar o humanismo real é imperativo, ressaltando as diferenças pontuais do amplo mosaico social dos povos. Precisamos, de fato, de um novo iluminismo libertário, onde novos valores ocuparão protagonismo na agenda de cobiças e de ódio belicoso. Na verdade, o mundo acaba, quando acaba nossa fé nas transformações coletivas; nosso mundo acaba quando morremos na aridez do niilismo agressivo sem sentido e sem destino pelas veredas do mundo. Vivamos o mundo – ei-lo aqui e agora.
*Doutor em Ciência Política. Coordenador do Curso de Ciência Política da UNICAP. Cônsul de Malta e Presidente da Sociedade Consular de Pernambuco.