Ultimamente tem sido frequente aparecer uma quantidade de políticos preocupados com o futuro da previdência brasileira. A pauta ficou apartidária. Todos passaram a se preocupar sobre temas como sistema de capitalização, idade mínima, integralidade ou a sustentabilidade atuária-financeira. Nossos políticos são versáteis, quase especialistas no assunto. No noticiário, há a repetição do mantra de que a reforma deve sair a todo custo. O Governo Temer até pegou uma ajudinha das agências de publicidade gastando R$ 99 milhões (Lei nº 13.528/17) para convencer você de que ele estava certo em precisar reformar a Previdência. Eles, nossos políticos, são como guardiões que buscam exterminar o inimigo das despesas previdenciárias que só fazem atrasar a economia do país, além da preocupação despretensiosa com o futuro de milhões de brasileiros. Será mesmo?
Como dizia o escritor inglês Philip Stanhope, “os políticos não conhecem nem o ódio, nem o amor. São conduzidos pelo interesse e não pelo sentimento”. Afinal, o que move os políticos brasileiros é o genuíno interesse público com o bem-estar coletivo, mesmo sabendo que a grande maioria deles não depende do INSS para nada? Será que não é apenas cisma nossa em sermos impiedosos com eles e desconfiar de suas boas intenções com o futuro do sistema previdenciário?
Nos últimos 24 anos, enfrentou-se várias reformas previdenciárias de grandes envergaduras, burilando regras e estreitando o acesso a direitos. Mas curiosamente todas acompanhadas de perdão de dívidas previdenciárias significativas de empresários e bancos.
No governo FHC, o aperto foi com a Emenda Constitucional 20/1998. Por outra banda, o sociólogo aliviou para empresas, bancos e clube de futebol. Foi o criador do Refis, programa que parcela dívidas em 15 anos e dá descontos generosos. Com Lula, veio a EC 41/2003 que também restringiu direitos, mas em compensação perdoou R$ 64 bilhões com o Refis da Crise 1 e 2. O acocho nas regras com Dilma Rousseff continuou com a EC 47/2005, embora ela tenha dado R$ 458 bilhões em desoneração de impostos, inclusive as contribuições previdenciárias em aberto.
Temer tentou emplacar a PEC 287, mas, mesmo não conseguido, não farrapou com os devedores. Criou a Medida Provisória 783 instituindo o Novo RE- FIS, que previa descontos de 90% para os inadimplentes do INSS, deixando de arrecadar R$ 543 bilhões. Também viabilizou a PEC 31/2016, que autoriza o desconto até o ano de 2023 do percentual de 30% do dinheiro que bancaria as contas da seguridade social. Somente em 2016 esse saque foi de R$ 110 bilhões de contribuição previdenciária para o governo gastar como lhe aprouver.
O ano de 2019 é inaugurado com o projeto de dar uma reviravolta nas regras previdenciárias. Como Bolsonaro já se pronunciou, o déficit do INSS, calculado em R$ 180 bilhões, “realmente é uma realidade. Cresce ano após ano, e não podemos deixar o Brasil chegar a uma situação como a da Grécia para tomar providência”. Hospitalizado, o presidente da República assinou o Decreto 9699/2019 que autoriza a transferência de R$ 600 bilhões para sair do cofre da Seguridade Social e ser repassado para Estados e Municípios gastarem como bem entenderem. Cifra que corresponde a mais de três vezes o suposto déficit da Previdência.
Como visto, nossos governantes mantêm uma linha de coerência entre eles, independente do carimbo partidário. Sempre vai ser necessário criar medidas – “em prol do crescimento do país e do futuro previdente” – para perdoar dívidas de natureza previdenciária ou mesmo usar essa grana para outros fins. E, para que isso se perpetue, as reformas previdenciárias são indispensáveis. Haveria desequilíbrio financeiro se de repente o governo perdoasse dívidas bilionárias, mas não acontecesse nenhuma reforma previdenciária que gerasse alívio econômico. A conta precisa ser paga. Como destaca Stanhope, os políticos são movidos por interesses. Só precisamos refletir quais são os dos nossos guardiões da Previdência.
* É jornalista e advogado especialista em Previdência pela Esmatra VI e Esmafe/RS, escritor, professor universitário, blogueiro, consultor jurídico, colunista e mestrando em Direito Previdenciário pela PUC/SP
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