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Relações internacionais

Democracia: onde estás e a quem serves?

Publicado em: 27/03/2019 07:51

Um dos mais intensos e instigantes debates da ciência política contemporânea é sobre o estado da arte da democracia no mundo hoje. Por onde começar? Naturalmente, no berço da tradição do Ocidente: a Grécia Clássica. Aliás, vale mencionar, a priori, que o Ocidente bebeu de três grandes fontes que formatam e dão baliza ao seu ethos: a razão e a estética greco-romana; a moral judaico-cristã; e o individualismo libertário. Originária da era de ouro de Atenas (439 AC), a democracia grega era baseada em três grandes pilares: a isagoria (liberdade de expressão e de voz nas assembleias); a isonomia (igualdade de representação na polis) e a isocracia (liberdade ampla para ter acesso a cargos públicos). Esses três princípios vão sendo amadurecidos, gradativamente, por meio de lento processo histórico e, como consequência, sofreram a influência do humanismo; do contratualismo; do iluminismo; e do liberalismo. Cada momento histórico específico delegou à democracia o formato atual de suas engrenagens. Assim, olhar para o passado nos serve como bússola para o futuro deste regime essencial aos povos. Foi com o filósofo político do século XVIII, Jean Jacques Rousseau, que o sentido de democracia deveria se basear no contratualismo civil, pactuado de maneira clara entre os cidadãos e os governantes (Estado), estruturando-se na forma deliberativa e com legitimidade da população. E como atingir esse primado? Rousseau endereçou a importância da volonté general (vontade geral) como o fiel da balança do sistema de maiorias da democracia eleitoral. A tão conhecida fórmula da maioria simples traria a maneira de reger, factualmente, a vontade geral para a gestão pública e seus cargos. Vale ressaltar que democracia não deve e não pode ser reduzida a eleições. Ter eleições regulares e limpas são etapas cruciais, mas não as únicas da vitalidade democrática. Ao longo dos tempos, foram necessárias, desta forma, revoluções (Revolução Gloriosa, 1688; Revolução Americana, 1776; Revolução Francesa, 1789; Revoluções Liberais de 1848) que, lentamente, amoldaram e deram vida aos institutos da democracia contemporânea a partir dos pressupostos de empoderamento da sociedade civil contra o governo centralizador e despótico. Ou seja, a maiúscula transformação para a democracia ocorreu a partir da percepção coletiva, por meio de muito sangue derramado, de que o titular legítimo do poder era o povo; e não o Estado despótico e absolutista. Tal mudança estrutural representou ponto de inflexão para o governo e a gestão pública das nações. Durante muito tempo, os regimes políticos se dividiam apenas em democracias e autocracias (com suas subdivisões: ditaduras militares; regimes totalitários; governos de partido único e afins...). Hoje, admite-se uma terceira formatação classificatória: os regimes híbridos ou também chamados de semidemocracias (J. Zaverucha) – ou também assim chamados de democracias iliberais (F. Zakaria). Quais são as principais características de um regime democrático? Como aferir se o Estado goza, plenamente, dos princípios da democracia representativa liberal (DRL)? Poderíamos elencar os seguintes dez pressupostos que são aceitos como necessários para podermos asseverar que ali existe governo democrático. São eles: 1. Competitividade eleitoral com pluralismo político; 2. Regime multipartidário eficaz e operativo; 3. Sufrágio secreto, universal e periódico; 4. Existência de fiscalização e mecanismos de controle (accountability); 5. Prevalência dos direitos humanos e das liberdades civis; 6. Tripartição dos poderes (judiciário independente); 7. Liberdade de imprensa, de manifestação e de pensamento; 8. Rule of Law (não Rule by law); 9. Pacto social (contrato social) efetivo; 10. Participação cidadã com cultura cívica. Não nos enganemos, contudo: a deusa da democracia, como criação humana antiga, também é imperfeita e, como tal, possui vieses, assimetrias e distorções. A grande arte da democracia, esta sábia senhora milenar, é a otimização das escolhas dentro de uma moral pública – ou seja: redução das imperfeições, dentro do possível, a maximização dos atributos positivos de representação social e das liberdades soberanas. O ponto de equilíbrio é a chave, mesmo diante de tanto pecado das instituições democráticas. Por isso mesmo, portanto, não nos esqueçamos que o governo “do povo, para o povo e pelo povo” (Lincoln), requer vigilância por parte da sociedade civil e, mais que isso: requer a lembrança que a mesma democracia é a “pior forma de governo, com exceção de todas as outras”, como dizia Churchill. Sábias palavras! Coloquemos em prática, exercendo a tolerância, a divergência de opinião e o republicanismo sadio das trocas políticas, cujo objetivo é a vitalidade do Estado de Direito em cada um de nós.  
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