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COLUNAS

Reinvenções sustentáveis

Olhos nos olhos d'água

Publicado em: 25/03/2019 08:45

Foto: Paulo Paiva/DP
“...No seio-limo da mata ciliar/ Corre arregalada a matéria-prima essencial/ O vero olho da terra é o cristal d'água.../ Pupila, íris, pálpebra, retina/ Ah! se esse olho d'água filtrasse/ A sentina do mundo e da minha alma/ E o nojo e a lama lavasse/ E o eco pagão aos meus ouvidos recordasse/ Que o olho por onde eu vejo Deus/ É o mesmo olho por onde Ele me vê” – Canta Maria Bethânia, em ‘Olho D'Agua’  - composição de Caetano Veloso e Waly Salomão. 

Água é essência da vida. Precisa ser assim olhada, valorizada e cuidada. 22 de março é o dia mundial da água. Hoje também. E amanhã, depois de amanhã... e sempre. Sem água, viramos desertos. Voltamos literalmente ao pó. Talvez a nossa alma já esteja quase assim, com a seca de percepção e sensibilidade para cuidar do meio ambiente e nos ajudar uns aos outros. 

O aquecimento global (por excessiva poluição na atmosfera, que cria uma estufa planetária) começa a desequilibrar tudo. Derretimento de geleiras; elevação do nível do mar; impactos letais na biodiversidade; chuvas extremas, com inundações inesperadas; estiagens mais severas e mais  quentes; furacões e ciclones mais devastadores (como o que matou centenas e afetou milhões de pessoas semana passada na África) indicam a urgência de reverter o motor da degradação, que está acelerado na direção do caos. Pra bilhões entenderem e para a elite política e econômica agir, é preciso martelar isso todo dia. 

 “Vou falar através desse martelo/ O que penso da tal ecologia/ Um assunto que rola todo dia/ Como sendo o vetor de um flagelo/ Não importa se é feio ou se é belo/ Já que causa tamanha reação/ Impossível é parar a progressão/ Das indústrias que vão aparecendo/ Cada dia que passa vão crescendo/ Mais motores e mais devastação” (‘Martelo rap-ecológico’ – Zé Ramalho). 

Àgua é o elemento central de todos esses processos. A estabilidade climática depende dos ciclos equilibrados das águas (florestas conservadas para absorver chuvas, nascentes limpas, rios com matas ciliares e sem poluição). Mas também depende dos ciclos do Carbono. A fumaça da queima de combustíveis fósseis e os gases gerados por lixos e desmatamentos precisam ser reduzidos urgentemente - com uso de energia renovável (solar, eólica, biocombustíveis) e recapturados da atmosfera - com o plantio de bilhões de árvores em todo lugar. 

“Agora o clima muda tão depressa/ Que cada ação é tardia/ ... A grana a qualquer preço, petro-gaso/ Carbo-combustível fóssil/ O esgoto de carbono a céu aberto/ Na atmosfera, no alto/ O rio enterrado e encoberto/ Por cimento e por asfalto/ ...Agora é encararmos o destino/ E salvarmos o que resta/... A vida, coisa maior/ Que não existe onde não existe água/ E que há onde há arte/ Que nos alaga e nos alegra quando a mágoa/ A alma nos parte/ Para criarmos alegria pra viver...” (‘Quede Água’ – Lenine, no álbum Carbono). 
Tudo está intensamente interligado. A lama da tragédia de Brumadinho já chegou ao Rio São Francisco (atesta a Fundação SOS Mata Atlântica), degradando ainda mais o agredido Velho Chico, que, mesmo agonizante, é esperança de vida para o nosso Sertão. 

“Riacho do Navio/ Corre pro Pajeú/ O rio Pajeú vai despejar/ No São Francisco/ O rio São Francisco/ Vai bater no mei do mar” (‘Riacho do Navio’ – Luiz Gonzaga e Zé Dantas).
As bacias hidrográficas são as veias da vida do maravilhoso organismo Terra. Deveriam ser as referências reais de planejamento e gestão pública. Rio deveria ser eco-avenida de beleza e vitalidade. Mas virou desfile de imundícies e tristezas.

“Tô sentado na beira do rio/ Esperando a sujeira passar/ Saco plástico de todas as cores/ Garrafas boiam junto da espuma/ (...) Como tem lixo como tem doença, como tem lixo como tem doença” (‘Sentado na beira do rio’ – Banda Eddie). 

Água é tudo. De oceano poderoso a lágrima frágil. De chuvas de esperança a tempestades fatais. De românticos orvalhos a rios que nos inundam ou nos secam. E água também é justiça e democracia. Mais de 35 milhões de brasileiros não têm água tratada.

“Pensei que seguindo o rio eu jamais me perderia: ele é o caminho mais certo, de todos o melhor guia. Mas como segui-lo agora que interrompeu a descida? Vejo que o Capibaribe, como os rios lá de cima, é tão pobre que nem sempre pode cumprir sua sina e no verão também corta, com pernas que não caminham” (Retirante Severino em ‘Morte e Vida Severina’ - João Cabral de Melo Neto).

Pra consertar tantos estragos ambientais é preciso mudar práticas, ecologizar a economia e implantar formas sustentáveis de usufruir da natureza.  Mas, antes de tudo, é fundamental sentir de verdade, no fundo da alma, a importância da água. Assim, teremos o que beber no presente e o que brindar com as gerações futuras.

“Quem dera eu achasse água/ No leito da minha alma/ Pra te colocar pra beber” (‘Amargosa’ - Otto).    

Todo dia é dia de olhar nos olhos da vida e cuidar da água. Pra ficar de mente calma e alma lavada. 

Interação:  @sergio_xavier (Instagram) Todas as músicas estão nas plataformas digitais 

*Sérgio Xavier é jornalista, empreendedor de inovação tecnológica (InovSi - Porto Digital), consultor e desenvolvedor de projetos de Economia Circular e Gestão da Sustentabilidade. É ativista ambiental e foi Secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco.
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