“Declaro promulgado o documento da liberdade, da democracia e da justiça social do Brasil”, disse o então presidente da Assembleia Nacional Constituinte, o finado Ulysses Guimarães. Depois disso, todos os constituintes juraram “manter, defender, cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil”. Nessa solenidade, nascia no dia 5 de outubro de 1988 a Constituição Federal brasileira, que desde a origem era marcada pela transição da ditadura e a democracia, bem como pela preservação da justiça social e do bem geral do povo. Passados 31 anos, hoje essa garantia – principalmente no tocante aos direitos sociais – pode mudar completamente de feição.
A Proposta de Emenda Constitucional n.º 06/2019, conhecida como Reforma da Previdência, não se trata apenas de uma reforma que remenda o “todo”. Ela pode criar um novo “todo”. Não apenas por meio da redação apresentada ao público da “Nova Previdência”, mas promovendo o encolhimento do Estado quando precisar interferir nos conflitos sociais. A Proposta dá o pontapé da transição do Estado de bem-estar social (welfare state) para o Estado liberal; este, numa perspectiva previdenciária, seria exemplificado na situação de os conflitos não terem tanta participação e proteção mínima da Lei Maior do país.
Hoje, vários direitos têm a pecha de terem a proteção constitucional, inclusive os previdenciários como a garantia de renda mínima ou a cobertura dos eventos de doença, invalidez, desemprego involuntário, salário-família, auxílio-reclusão, morte e idade avançada, proteção à maternidade, especialmente à gestante. Se alguma lei ou ato normativo se atrever a mexer nesse elenco, os mecanismos jurídicos atuais tratam de o defender; são direitos travestidos de uma carapuça e proteção constitucional.
PEC facilita que novas mudanças aconteçam por Lei Complementar
A desconstitucionalização seria o contrário disso. Abre espaço para que tais direitos sejam alterados sem tanta cerimônia. E, nesse tocante, a PEC 06/2019 caprichou. Cerca de 52 vezes há referência de que Lei Complementar possa fazê-lo. Aliás, essa é uma das características da PEC: ela viabiliza que as mudanças sejam feitas em doses homeopáticas, conforme os desígnios dos futuros governantes. E, como na área previdenciária as mudanças normalmente não são positivas, daí a preocupação. É uma espécie de janela aberta para o futuro, que autoriza mudanças drásticas sem tanta burocracia.
Essa desconstitucionalização pode, portanto, alterar as alíquotas de contribuição para o INSS, as regras de cálculo da aposentadoria, ampliar os limites de idade para aposentadoria, o aumento dos tetos sempre que ocorrer aumento na perspectiva de vida, entre outros dispositivos. Enfim, a sociedade precisa ponderar se essa confiança depositada no bom-senso e na capacidade dos políticos em mexerem a qualquer momento é o melhor para o desejo de o brasileiro alcançar a tão sonhada aposentadoria. Até a próxima.
* É advogado especialista em Previdência pela Esmatra VI e Esmafe/RS, escritor, professor universitário, blogueiro, consultor jurídico, colunista e mestrando em Direito Previdenciário pela PUC/SP
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