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O Recife que inspira o interior. O interior que inspira o Recife

No Recife, sabemos que o número de voluntários engajados com algum projeto social já supera a média nacional. Enquanto a metodologia de pesquisa do IBGE aponta para um número de apenas 3% da população brasileira atuando como voluntária, na capital pernambucana, esse número já supera os 8%. Mas, percorrendo o interior do estado, vejo que o engajamento cívico pode ser muito maior. No entanto, a carência de incentivo a esses bravos voluntários enfraquece a atuação de importantes iniciativas ou impede o surgimento de outras.

Aqui no Porto Social, em três anos de atuação, recebemos mais de 100 projetos que impactam inúmeras comunidades na Região Metropolitana. São iniciativas que atuam em áreas não tão comuns, mas muito relevantes. Enquanto alguns fortalecem a educação em escolas públicas, outros ensinam música pra surdos e cegos. Enquanto uns cuidam de idosos, outros cuidam de crianças com microcelafia e mielomeningocele. Se uns capacitam jovens através da informática, outros atuam com alfabetização midiática e combatem fake news. Na RMR, o acesso à informação, conhecimento e recursos, apesar de não ser vasto, certamente é mais fácil. No interior, tudo é mais difícil. E até aqueles que querem vir em busca de capacitação na capital também encontram obstáculos. A dificuldade de acesso, o alto custo de deslocamento, a falta de voluntários para auxiliar nas atividades e, principalmente, a falta de recursos, são apenas algumas das pedras no caminho de importantes projetos sociais que estão fora dos grandes centros.

As alternativas aparecem em forma de empreendimentos sociais que atuam no Recife, mas seu público alvo vive ou trabalha no interior. Exemplo disso é um dos nossos projetos incubados na terceira turma: o Agroecoloja. É um negócio social onde são vendidos produtos da agricultura familiar de base agroecológica. Frutas, verduras, pães, bolachas, mel... tudo produzido por agricultores comprometidos com a alimentação de qualidade, natural e sem agrotóxicos. A iniciativa, além de beneficiar os clientes - que podem ter acesso a produtos saudáveis - fortalece a economia e a agricultura familiar nas cidades onde os produtores estão inseridos. Mas, há poucas iniciativas como esta no estado, fazendo a ponte entre quem produz e quem quer comprar. Algumas partem do próprio governo e das prefeituras, mas poucas são geridas com a paixão que o empreendedorismo social pode oferecer. 

Mas, já pensou se, em algum momento da história, houvesse um encontro entre o “prazer” do voluntariado e o “braço forte” do poder público? Daria namoro! De um modo geral, estamos acostumados a ver no poder público que a “obrigação” é que conduz a maior parte das iniciativas existentes e não o “prazer”. Temos poucos gestores vocacionados, dedicados e realmente apaixonados por fazer o bem em larga escala, através dos recursos públicos. Eles existem, mas são muito poucos. Especialmente no interior. Mas se a onda de dedicação e empenho do empreendedorismo social pudesse influenciar o poder público, as iniciativas daqueles que querem fazer “mais do que a sua obrigação” se fortaleceriam, incentivando o nascimento de muitos outros. 

Digo isso a partir do que tenho observado em uma das alternativas que encontramos para capacitar, em menor escala, iniciativas que estão em outras cidades do Brasil e que não tem por perto o apoio de uma instituição como o Porto Social. Criamos um programa que, a cada mês, recebe cerca de trinta iniciativas para uma qualificação intensiva com duração de uma semana. Chamamos de Programa de Imersão no Empreendedorismo Social. Lembro bem dos representantes de dois projetos com sede nos municípios de Pedra e Arcoverde, que fizeram um grande esforço para participar do programa. Pediram dinheiro emprestado, fizeram campanha entre amigos e apoiadores e conseguiram estar conosco. O brilho nos olhos deles nos ensinou muito mais do que nós a eles. Foi uma grande troca. Nós oferecemos nossa tecnologia social, nossa rede, nossas experiências. Eles nos influenciaram com seu empenho e dedicação para fazer o bem, sem medir esforços para atravessar o estado e vir até a capital para aprender e encontrar alternativas para avançar. Eles não valorizaram a dificuldade para estar aqui, mas fizeram dela um combustível para crescer. Fiquei constrangido, confesso. Sabe por que? Por não ter ainda um programa que pudesse ser levado até eles e aos que os auxiliam naquelas cidades. Tem sido assim. Quem tem recursos ou sabe onde adquiri-los, consegue vir até a capital para se capacitar. Mas, os que não têm, precisam da mesma forma. Aliás, até mais, pois suas carências são ainda maiores. Por isso, precisamos unir forças entre empresários, gestores públicos,  executivos e empreendedores sociais para fortalecer e suportar iniciativas que já têm feito a diferença nos lugares mais distantes, mas precisam de ajuda para carregar o tão pesado fardo. 

Sigamos pensando, planejando e articulando cada vez mais alternativas para fazer o bem. A cada dia em que vemos a superação de tantos voluntários e empreendedores sociais, nos inspiramos para (re)construir uma sociedade que tem andado tão ferida e carente de iniciativas “do bem”.
 
*  Fábio Silva é empreendedor social, criador da ONG Novo Jeito, do Porto Social, e das plataformas Transforma Recife e Transforma Brasil 

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