SUFOCO

Disciplina e orientação são a chave para vencer as dívidas

Em Pernambuco, 175 mil pessoas estão no time dos inadimplentes. Especialistas apontam que é preciso diferenciar a necessidade da vontade

Publicado em: 08/10/2023 15:42 | Atualizado em: 08/10/2023 16:40

Procon tem atendimento especial para superendividados. Objetivo é sempre a conciliação (Rômulo Chico/DP)
Procon tem atendimento especial para superendividados. Objetivo é sempre a conciliação (Rômulo Chico/DP)

Quem não tem uma dívida sequer, pode se gabar de conseguir dormir mais tranquilo. Em todo o país, o quadro de endividamento tem se aproximado da margem de 80% da população. O recorte pernambucano assinala mais de 430 mil pessoas com compromissos com o cartão de crédito, financiamentos, carnês, empréstimo pessoal, entre outras modalidades. Já o número de quem não conseguiu honrar os pagamentos, ingressando no time dos inadimplentes, chega ao degrau médio de 175 mil cidadãos no estado. A tão sonhada saída do sufoco, alertam especialistas, está associada a muita cautela, prestando sempre atenção em quanto se pode gastar.

Em mais recente pesquisa do Serasa, 15% da população brasileira afirma que não tem o costume de organizar as finanças. Conforme a entidade, o quadro representa 6 em cada 10 brasileiros. O cuidado e orientação também se mostra necessário para não repetir os erros, já que muitos conseguem quitar pendências, mas acabam retornando à malha dos débitos.  "A compra, na maioria das vezes, é uma decisão emocional, não racional. A pessoa internaliza uma ideia de que se esforçou muito, que merece determinado objeto ou recurso como um prêmio. No entanto, isto termina não valendo o impacto que vai trazer à sua vida e no contexto da sua renda. É preciso diferenciar o que é necessidade do que é vontade", explica o economista Werson Kaval.

Segundo ele, a inadimplência de pagamento decorre do comprometimento maior do que a renda, junto a falta de reserva para imprevistos. "Nos deparamos com uma carência de educação financeira, algo que precisa ser inserido em todos os lares. Eu acredito que, inclusive, deveria ser uma disciplina padrão, presente desde o ensino básico. Isto iria contribuir para mudar a nossa cultura. O crédito não é vilão, mas começa a se tornar problema quando passa a ser usado de forma indiscriminada", diz Kaval. Ele alerta que, via de regra, uma pessoa não salta diretamente de uma saúde financeira estável para o superendividamento. O processo é desenvolvido com sinais de alerta no caminho.

Quatro indicadores iniciais são utilizados para avaliar este cenário. São eles: o comprometimento superior a 50% com o pagamento de dívidas; ter uma renda que, após o pagamento, fique abaixo da linha da pobreza (R$ 500 a R$ 600); inadimplência; e a chamada multimodalidade, que ocorre com a concepção de financiamentos em diversos segmentos. Se encaixar em, ao menos, dois desses tópicos, acende o sinal vermelho para um grau de risco. "É uma situação que pode ocorrer com qualquer indivíduo, não precisa ter vergonha, mas sim partir para a solução de maneira objetiva. Para sair deste quadro não existe fórmula mágica. É preciso reconhecer, replanejar, renegociar e mudar o comportamento", explica Werson.
 
Aposentada, Ana Maria Santana, de Jaboatão dos Guararapes, revela que recebe muitas propostas de crédito fácil (Rômulo Chico/DP)
Aposentada, Ana Maria Santana, de Jaboatão dos Guararapes, revela que recebe muitas propostas de crédito fácil (Rômulo Chico/DP)

A dona de casa Késia Cardoso, de 50 anos, traz uma das muitas histórias desta realidade de acumulação de dívidas, algo que envolve tormentos e privações. Moradora do bairro de Rio Doce, em Olinda, ela contraiu empréstimos consignados, no próprio nome e também de familiares, ultrapassando R$ 35 mil. "Cheguei a um patamar que não aguentava mais, a gente fica sem conseguir suprir o básico dentro de casa. A única saída é tentar fazer um acordo, na esperança de diminuir o valor das parcelas", revela. Neste cenário também está a aposentada, Ana Maria Santana, 75, residente em Marcos Freire, em Jaboatão dos Guararapes. Com salário de R$ 1.320, a idosa diz que passou a ficar com menos de R$ 400 para dar conta de tudo. "A tentação é grande. O telefone toca o tempo inteiro, sempre aparece alguém oferecendo dinheiro fácil. Caímos nestas ciladas, sem pensar no amanhã", admite.

O advogado Raimundo Barros, diretor jurídico da Associação de Defesa da Cidadania e do Consumidor (Adeccon), afirma que a população precisa estar ciente das suas limitações. "O cliente não pode tudo. Ele tem direitos, mas precisa entender o montante que pode ou não pagar. Na ânsia de obter o que deseja, vai assinando contratos sem a devida compreensão das cláusulas e isso só vai gerar problemas no futuro", explica. O especialista lembra que, em caso de distorções, a exemplo de juros abusivos, é possível requisitar uma readequação. "As instituições, por sua vez, precisam agir com coerência, dentro do que está na legislação. Mesmo que já tenha sido firmado qualquer tipo de contrato, o cliente ainda pode pedir a ajuda de um profissional e recorrer. O fato consumado não significa dizer que os direitos desaparecem", destaca.

- A hora de buscar ajuda

O Procon Pernambuco conta com um núcleo especial, oferecendo orientação e auxílio para renegociação dos superendividados. O serviço registra mais de 50 atendimentos por dia, apenas na sede localizada no bairro de Santo Antônio, no Centro do Recife. "O consumidor nos procura, elenca quais são as suas dívidas, os credores, e assim realizamos uma audiência de conciliação. A finalidade é sempre de tentar obter um parcelamento, a redução dos juros e chegar a uma situação que não comprometa tanto a sua qualidade de vida", explica o gerente de atendimento, Ewerton Farias. 
 
Ewerton Farias, do Procon-PE, explica que a finalidade é sempre chegar a uma situação que não comprometa a qualidade de vida (Rômulo Chico/DP)
Ewerton Farias, do Procon-PE, explica que a finalidade é sempre chegar a uma situação que não comprometa a qualidade de vida (Rômulo Chico/DP)

Segundo ele, o endividamento é uma questão também psicológica, tendo acompanhado casos que interferiram nas relações interpessoais, como o rendimento profissional e até ameaçando términos de casamentos. "Não adianta conseguir ajustar e depois se endividar novamente, tornando-se uma grande bola de neve. Além de apoio e assistência jurídica, nosso papel é também fazê-lo entender que esse exagero de consumo é um vício, uma forma de distúrbio, estimulando-o a se adequar a um padrão de vida dentro da sua realidade", complementa. 
 
7 passos para fugir do endividamento
  • Mapear as dívidas;
  • Envolver a família no planejamento e no controle das despesas;
  • Não contrair novas pendências;
  • Priorizar o pagamento dos débitos maiores, negociando condições, prazos e juros;
  • Identificar e eliminar gastos com supérfluos e desperdícios;
  • Gerar renda extra;
  • Procurar ajuda.
Fonte: Banco Central

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