A Cúpula do G20 começa hoje na capital fluminense sob a tensão de que os países participantes falhem na tarefa de fechar um documento que represente a posição de todos. A preocupação ficou clara com a declaração do secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, de que se não houver um texto de consenso, o grupo das 20 maiores economias do planeta perde relevância.
"Apelo a todos os países para que tenham um espírito de consenso, para que tenham bom-senso e encontrem as possibilidades de transformar esta reunião do G20 em êxito, com decisões que sejam relevantes para a ordem internacional. Se o G20 se dividir, ele perde a relevância em nível global", exortou.
As preocupações sobre a falta de consenso para o documento final da cúpula esbarram em dois temas: as guerras na Ucrânia e no Oriente Médio e as questões ambientais. Os ataques russo à Ucrânia, ontem, e de Israel a Damasco (no sábado) e a Beirute (também ontem) obrigaram a uma rediscussão do trecho da declaração que trata de questões geopolíticas.
Na parte relacionada aos assuntos climáticos, a barreira tem sido a posição de Argentina, que se contrapõe à brasileira. Desde que o presidente Javier Milei determinou o retorno da comitiva que tinha ido à COP29 — a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, que ocorre em Baku, no Azerbaijão —, os representantes do país vizinho têm indicado que não pretendem facilitar as coisas para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Falhar não é opção
As negociações sobre o documento final do G20 têm sido intensas e a rodada que começou no sábado terminou às 5h de ontem. Guterres cobrou que os líderes mundiais se comprometessem com medidas ambiciosas e eficazes contra a crise climática global, além de ajudar os países emergentes nos esforços de mitigar e enfrentar seus efeitos.
"Um acordo é essencial. Se não houver acordo, se falharmos na COP29, isso deixará inevitavelmente consequências negativas na proteção das populações, e terá também um impacto muito negativo na COP30, no Brasil. O fracasso não é uma opção. O G20 deve liderar com planos nacionais alinhados ao objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5°C. Brasil e Reino Unido já mostraram o caminho, mas todos os países do G20 precisam fazer um esforço adicional", advertiu.
Segundo Guterres, os Estados Unidos têm papel importante na questão climática. "Todos os sinais do mercado atualmente mostram que a energia renovável não é apenas a mais verde, mas, também, a mais barata forma de produzir energia. Então, estamos confiantes de que o dinamismo da economia americana e da sociedade americana vai se mover em direção da ação climática. Reconheço que a influência do governo é muito mais limitada do que já foi no passado", frisou.
Indagado sobre como líderes mundiais podem impedir que o futuro governo do presidente eleito Donald Trump possa atrapalhar acordos de cooperação internacional, Guterres defendeu que o fortalecimento do multilateralismo é a melhor resposta a qualquer eventual recuo dos EUA. "O mais importante é reconhecer a importância do multilateralismo e sustentar instituições multilaterais. Se você faz isso no nível da Organização das Nações Unidas, se você faz isso no nível da arquitetura financeira internacional. Se você adota um diálogo significativo no nível da governança da inteligência artificial (IA), se você está apto a fazer uma aposta firme no multilateralismo, essa é a melhor resposta possível", observou.
Discurso repleto de recados
O primeiro dia de debates do G20 terá como foco o lançamento da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza e a reforma das instituições de governança global. Lula discursará na abertura de cada sessão da cúpula, quando deve reforçar a importância de diminuir as desigualdades entre os países e aumentar o financiamento das nações menos desenvolvidas — como fez nas agendas do G20 Social, que antecedeu a reunião de líderes.
"Infelizmente, os governos esbarram em uma enorme lacuna de financiamento no Sul Global. Apenas uma parcela dos recursos necessários chega aos países em desenvolvimento e uma parte ainda menor alcança nossas metrópoles. Existe um deficit no financiamento urbano, que não consegue acompanhar o ritmo da urbanização desordenada em muitas partes do mundo, como a África, a Ásia e a América Latina. Por isso, a terceira prioridade da presidência brasileira do G20 é a reforma da governança global, inclusive de sua arquitetura financeira e dos bancos multilaterais de Desenvolvimento", disse Lula, ontem, no Urban 20, encontro de prefeitos que ocorreu simultaneamente ao G20 Social.
Reestruturação
Tema da reunião que ocorre à tarde, Lula questionará a estrutura do Conselho de Segurança das Nações Unidas. O colegiado tem 15 membros (China, França Rússia, Reino Unido e Estados Unidos são os permanentes). As nações do chamado Sul Global participam apenas como integrantes rotativos e alterar essa composição é uma das principais agendas internacionais de Lula.
Em reuniões bilaterais, o presidente recebeu o apoio para a proposta de países convidados, como a Malásia e o Vietnã. O primeiro-ministro malaio, Dato'Seri Anwar Ibrahim, defendeu uma governança global "mais representativa, democrática, eficaz, transparente e responsável", que leve em conta "as aspirações dos países emergentes". Ele também defendeu o cessar-fogo imediato no Oriente Médio, algo cobrado por Lula.
"Falar em reforma da governança também implica em repudiar a destruição das guerras. A Faixa de Gaza, um dos mais antigos assentamentos urbanos da humanidade, teve dois terços de seu território destruídos por bombardeios indiscriminados. Sob seus escombros, jazem mais de 40 mil vidas ceifadas", lamentou Lula.
O primeiro-ministro vietnamita, Pham Minh Chinh, apoia a pretensão brasileira de que o Conselho da ONU aumente os assentos permanentes e não-permanentes para ter mais representatividade. Para ele, o Brasil deveria ocupar uma das cadeiras permanentes.
Embora Lula tenha recebido alguns membros de organizações que estão no G20 — como a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni —, somente o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, e o da França, Emmanuel Macron, apoiaram a pretensão brasileira.
As informações são do Correio Braziliense.
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