No mais recente relatório divulgado pela Human Rights Watch, a ONG internacional denuncia que Israel usa ordens de evacuação para realizar a deslocação forçada, deliberada e em massa de civis palestinos na Faixa de Gaza, que constitui crime contra a humanidade.
“A Human Rights Watch descobriu que a deslocação forçada tem sido generalizada e as provas mostram que tem sido sistemática e é parte de uma política de Estado. Tais atos constituem também crimes contra a humanidade”, afirma o documento. A ONG acrescenta ter recolhido provas que sugerem o crime de guerra de transferência forçada da população civil, que é uma grave violação das convenções de Genebra e um crime ao abrigo do estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.
O relatório foi publicado em meio de provas crescentes de que o governo de Tel Aviv acelera os seus esforços para dividir Gaza em duas com uma zona tampão e que já construiu novas infraestruturas para apoiar uma presença militar prolongada. A HRW considera que a deslocação de palestinos está provavelmente planejada para ser permanente nas zonas tampão e nos corredores de segurança, uma ação que equivaleria a uma “limpeza étnica”.
A Human Rights Watch avisa que analisou o sistema de evacuação das forças israelenses, incluindo 184 ordens de retirada, assim como imagens de satélite que confirmam a destruição generalizada, verificando ainda vídeos e fotografias de ataques a zonas seguras e rotas de evacuação designadas. A investigação da ONG garante que é amplamente falsa a argumentação das autoridades de Israel de que há grupos armados palestinos combatendo entre os civis e que os militares evacuaram legalmente os civis para atacar os grupos, contrapondo que as ordens de retirada foram incoerentes, inexatas e, frequentemente, não foram comunicadas aos civis com tempo suficiente para permitir a saída.
“O governo israelense não pode alegar que está mantendo os palestinos em segurança quando os mata ao longo das rotas de fuga, bombardeia as chamadas zonas seguras e corta os alimentos, a água e o saneamento. Israel violou de forma flagrante a obrigação de garantir aos palestinos o regresso a casa, arrasando praticamente tudo em grandes áreas”, afirmou Nadia Hardman, investigadora dos direitos dos refugiados e dos migrantes na Human Rights Watch.
Até o momento, o exército de Israel ou o Ministério das Relações Exteriores não se pronunciaram sobre as acusações, porém as autoridades israelenses já negaram anteriormente tais denúncias e asseguram que as suas forças operam em conformidade com o Direito Internacional.
Por sua vez, os habitantes do norte de Gaza revelaram que as forças israelenses cercam as famílias deslocadas e o restante da população. Além disso, frequentemente é ordenado que milhares de pessoas se dirijam para sul através de um posto de controle que separa duas cidades e um campo de refugiados da cidade de Gaza.
O relatório da Human Rights Watch é o último de uma série de grupos de ajuda e organismos internacionais que alertam para a terrível situação humanitária no enclave sitiado. A organização de defesa e promoção dos Direitos Humanos apela que essa política israelense seja investigada pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), e pede ainda sanções específicas contra Israel, incluindo o fim da venda de armas e a revisão dos acordos bilaterais.
A ONG quer que os governos condenem publicamente a deslocação forçada da população civil de Gaza e pressionem Tel Aviv a cumprir as múltiplas ordens vinculativas do TPI e as obrigações estabelecidas no seu parecer consultivo de julho “Essas transferências forçadas levaram à deslocação de mais de 90 por cento da população de Gaza, cerca de 1,9 milhões de palestinos, e à destruição generalizada de grande parte de Gaza nos últimos 13 meses. “Se, sobretudo os Estados Unidos e a Alemanha continuarem a fornecer armas a Israel, se arriscam a serem cúmplices de crimes de guerra, crimes contra a humanidade e outras graves violações dos direitos humanos”, destaca a HRW.
O relatório da HRW contrasta fortemente com a avaliação efetuada pelo Departamento de Estado dos EUA, que garantiu na semana passada que Israel não violou as leis norte-americanas referentes ao bloqueio do fornecimento de ajuda, após o término do prazo de 30 dias de Washington dado ao governo israelense para aumentar o acesso da ajuda humanitária a Gaza ou se arriscar-se em te suspensa alguma assistência militar.
A quarta convenção de Genebra estipula que, em território ocupado a deslocação de civis só deve ocorrer em circunstâncias excepcionais por razões militares imperativas ou para a segurança da população e exige salvaguardas e alojamento adequado para receber os civis deslocados. Os princípios orientadores das Nações Unidas sobre a deslocação interna também afirmam que, em todas as circunstâncias, as partes em conflito devem prevenir e evitar condições que possam conduzir à deslocação de pessoas.
“Israel afirma que a deslocação de quase toda a população de Gaza foi justificada pela segurança da população e por razões militares imperativas, e que tomou as medidas necessárias para salvaguardar os civis”, acrescenta o relatório. Uma vez que os grupos armados palestinos combatem entre a população civil, Israel considera, segundo o documento, que os militares evacuaram os civis para poderem atacar os combatentes e destruir as infraestruturas dos grupos, como os túneis, limitando ao mesmo tempo os danos causados aos civis, pelo que as deslocações em massa foram legais.
“Mas, ao invés garantir a segurança dos civis, as ordens de evacuação militares causaram graves danos. É evidente que Israel não retirou os civis palestinos em Gaza por razões de segurança, uma vez que estes não estiveram seguros durante as evacuações nem à chegada às zonas de segurança designadas. Israel também não alegou de modo convincente que tinha um imperativo militar para obrigar a maioria dos civis palestinos a abandonar as suas casas e essas ordens só prejudicaram os palestinos. Além de Israel ter tornado inabitáveis vastas áreas de Gaza”, aponta o relatório.
Segundo a HRW, os ataques danificaram e destruíram recursos de que as pessoas necessitam para se manterem vivas, incluindo hospitais, escolas, infraestruturas de água e energia, padarias e terrenos agrícolas, “Há décadas que as vítimas de abusos graves em Israel e na Palestina enfrentam um muro de impunidade. Os palestinos em Gaza vivem sob um bloqueio ilegal há 17 anos, o que constitui parte dos contínuos crimes contra a humanidade de apartheid e perseguição das autoridades israelenses”, considera a ONG.
Nos termos do Direito Internacional, Israel enquanto potência ocupante em Gaza, tem a obrigação legal de facilitar o regresso das pessoas deslocadas às suas casas nas zonas onde as hostilidades cessaram. Durante o último mês, as tropas israelenses deslocaram milhares de pessoas no norte do enclave, na tentativa de destruir as forças do Hamas que, segundo os militares, se têm vindo a reformar em torno das cidades de Jabalia, Beit Lahiya e Beit Hanoun.
Entretanto, os militares negaram que pretendam criar zonas tampão permanentes e o Ministro das Relações Exteriores, Gideon Saar, disse que os palestinos deslocados das suas casas no norte seriam autorizados a regressar no final da guerra.
De acordo com uma publicação do jornal israelense Haaretz, as forças de Israel em Gaza estão limpando grandes localidades com a aparente intenção de permanecer no território pelo menos até ao final de 2025.
A operação militar em Gaza já matou mais de 43.500 pessoas, segundo as autoridades médicas do território, e destruiu grande parte das infraestruturas do enclave, obrigando a maioria dos 2,3 milhões de habitantes a se deslocar por diversas vezes.
Apelo da MSF
A organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) denunciou a decisão de Israel de bloquear a evacuação médica de oito crianças e seus cuidadores de Gaza para a Jordânia no domingo. A instituição de caridade médica global disse que solicitou a evacuação de 32 crianças e dos seus cuidadores de Gaza para a Jordânia nos últimos meses, mas apenas seis foram autorizados a sair.
“É absolutamente chocante e ultrajante que crianças que precisam de tratamento essencial estejam a ser impedidas por Israel de sair de Gaza. A negação de Israel às evacuações médicas urgentes desafia a razão e a humanidade”, disse Moeen Mahmood, diretor nacional da MSF na Jordânia.