A Constituição e a defesa do regime democrático
Geraldo Brindeiro
Doutor em Direito por Yale, Professor da UnB, foi Procurador-Geral da República (1995-2003)
Publicado em: 20/07/2020 03:00 Atualizado em: 18/07/2020 07:13
A Constituição estabelece que todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido, por meio de representantes eleitos ou diretamente.A soberania popular é norma constitucional.E o voto direto, secreto, universal e periódico é cláusula pétrea.Na democracia representativa, contudo, as maiorias são eventuais. Daí a importância da preservação das liberdades e dos direitos fundamentais – não apenas no período eleitoral – mas durante todo o mandato dos eleitos.O eleitorado – sobretudo as novas gerações de eleitores – precisa ter garantida a plenitude das liberdades e do acesso às informações dos governantes para avaliar o seu desempenho e votar livremente nas próximas eleições.
No regime presidencialista – adotado no Brasil desde o início da república, nos moldes do presidencialismo originário dos Estados Unidos da América – a maioria elege o Presidente da República e os membros do Congresso Nacional para exercer o poder durante os respectivos mandatos. Na república e na democracia, portanto, por definição, o poder político é temporário e limitado. Deve ser exercido, durante o mandato eletivo, com o devido respeito à Constituição e às leis do País e observado o princípio da separação dos poderes – que é também cláusula pétrea, assim como a federação e os direitos e garantias individuais.
Na célebre obra De l’Esprit des Lois, em 1748, Montesquieu criou a doutrina da separação dos poderes exatamente para evitar a concentração de poder e preservar as liberdades e os direitos fundamentais. E, nos The Federalist Papers, escritos durante o período de realização da convenção de Filadélfia que deu origem ao presidencialismo e à Constituição Americana de 1787, James Madison foi além e preconizou a adoção do sistema de freios e contrapesos (checks and balances) para realizar o controle recíproco dos poderes no exercício de suas funções constitucionais, evitando abusos e excessos do que denominou majority tyranny(Federalist nº 51). Finalmente, Alexander Hamilton observou ainda que a garantia da supremacia da Constituição é responsabilidade do Poder Judiciário em razão da natureza de suas funções : “...the judiciary, from the nature of its functions, will always be the least dangerous to the political rights of the Constitution”(Federalist nº 78).
O Poder Executivo dirige a administração pública (holds the sword); o Poder Legislativo controla as finanças do Estado (commands the purse) e prescreve as normas legais (prescribe the rules...); e o Poder Judiciário julga de acordo com a Constituição e as leis (The interpretation of the laws is the proper and peculiar province of the courts). Os Ministros do Supremo Tribunal Federal – tal como os Justices da Suprema Corte Americana – não são eleitos pelo voto popular. São, todavia, os guardiães da vontade do povo expressa na assembleia constituinte e formalizada na Constituição. E sua nomeação transcende o mandato do Presidente que os nomeou após prévia aprovação do Senado. A vitaliciedade garante sua independência para realizar os julgamentos. A vedação de atividade político-partidária lhes confere isenção e imparcialidade ao interpretar a Constituição e as leis do País, sem estar adstritos às contingências de mandato eletivo, o que assegura a estabilidade jurídica e a promoção do bem comum e não de interesses de facções políticas.
No livro A Preface to Democratic Theory, Robert Dahl observa que James Madison, ao referir-se ao princípio republicano, preconiza a necessidade de instituição “that will blend stability and liberty” de maneira a assegurar os interesses comuns e permanentes da comunidade (Federalist nº 63). Alexander Bickel, professor de Yale, na obra The Least Dangerous Branch – The Supreme Court at the Bar of Politics, argumenta que, desde Marbury v. Madison em 1803, quando a Suprema Corte criou o “judicial review”, a Corte tem a última palavra sobre a interpretação da Constituição. E observa que a Suprema Corte tem mantido contínuo colóquio com as instituições políticas para alcançar acomodação e compromisso sem abandono de princípio,destacando o caráter contramajoritário do seu papel. E Laurence Tribe, professor de Harvard, no livro On Reading the Constitution, argumenta que interpretar a Constituição não é reescrevê-la. E, a despeito de teorias de interpretação e hermenêutica com alto grau de abstração dos princípios e normas constitucionais,é preciso estabelecer linha divisória entre o que a Constituição diz e o que o intérprete deseja que ela diga, sob pena de violação da vontade do povo manifestada na assembleia constituinte. Alexander Hamilton já observara que não se deve supor que o Judiciário é superior ao Legislativo, mas sim que o poder do povo expresso na Constituição é superior a ambos.
O governo democrático deve respeitar a liberdade de expressão e de imprensa, admitir críticas e garantir o acesso de todos às informações governamentais. Não há democracia sem liberdade, pluralidade de ideias e de partidos políticos e tolerância recíproca na convivência e na diversidade. E a Constituição estabelece que compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição. E ao ministério público, a defesa da ordem jurídica e do regime democrático.
No regime presidencialista – adotado no Brasil desde o início da república, nos moldes do presidencialismo originário dos Estados Unidos da América – a maioria elege o Presidente da República e os membros do Congresso Nacional para exercer o poder durante os respectivos mandatos. Na república e na democracia, portanto, por definição, o poder político é temporário e limitado. Deve ser exercido, durante o mandato eletivo, com o devido respeito à Constituição e às leis do País e observado o princípio da separação dos poderes – que é também cláusula pétrea, assim como a federação e os direitos e garantias individuais.
Na célebre obra De l’Esprit des Lois, em 1748, Montesquieu criou a doutrina da separação dos poderes exatamente para evitar a concentração de poder e preservar as liberdades e os direitos fundamentais. E, nos The Federalist Papers, escritos durante o período de realização da convenção de Filadélfia que deu origem ao presidencialismo e à Constituição Americana de 1787, James Madison foi além e preconizou a adoção do sistema de freios e contrapesos (checks and balances) para realizar o controle recíproco dos poderes no exercício de suas funções constitucionais, evitando abusos e excessos do que denominou majority tyranny(Federalist nº 51). Finalmente, Alexander Hamilton observou ainda que a garantia da supremacia da Constituição é responsabilidade do Poder Judiciário em razão da natureza de suas funções : “...the judiciary, from the nature of its functions, will always be the least dangerous to the political rights of the Constitution”(Federalist nº 78).
O Poder Executivo dirige a administração pública (holds the sword); o Poder Legislativo controla as finanças do Estado (commands the purse) e prescreve as normas legais (prescribe the rules...); e o Poder Judiciário julga de acordo com a Constituição e as leis (The interpretation of the laws is the proper and peculiar province of the courts). Os Ministros do Supremo Tribunal Federal – tal como os Justices da Suprema Corte Americana – não são eleitos pelo voto popular. São, todavia, os guardiães da vontade do povo expressa na assembleia constituinte e formalizada na Constituição. E sua nomeação transcende o mandato do Presidente que os nomeou após prévia aprovação do Senado. A vitaliciedade garante sua independência para realizar os julgamentos. A vedação de atividade político-partidária lhes confere isenção e imparcialidade ao interpretar a Constituição e as leis do País, sem estar adstritos às contingências de mandato eletivo, o que assegura a estabilidade jurídica e a promoção do bem comum e não de interesses de facções políticas.
No livro A Preface to Democratic Theory, Robert Dahl observa que James Madison, ao referir-se ao princípio republicano, preconiza a necessidade de instituição “that will blend stability and liberty” de maneira a assegurar os interesses comuns e permanentes da comunidade (Federalist nº 63). Alexander Bickel, professor de Yale, na obra The Least Dangerous Branch – The Supreme Court at the Bar of Politics, argumenta que, desde Marbury v. Madison em 1803, quando a Suprema Corte criou o “judicial review”, a Corte tem a última palavra sobre a interpretação da Constituição. E observa que a Suprema Corte tem mantido contínuo colóquio com as instituições políticas para alcançar acomodação e compromisso sem abandono de princípio,destacando o caráter contramajoritário do seu papel. E Laurence Tribe, professor de Harvard, no livro On Reading the Constitution, argumenta que interpretar a Constituição não é reescrevê-la. E, a despeito de teorias de interpretação e hermenêutica com alto grau de abstração dos princípios e normas constitucionais,é preciso estabelecer linha divisória entre o que a Constituição diz e o que o intérprete deseja que ela diga, sob pena de violação da vontade do povo manifestada na assembleia constituinte. Alexander Hamilton já observara que não se deve supor que o Judiciário é superior ao Legislativo, mas sim que o poder do povo expresso na Constituição é superior a ambos.
O governo democrático deve respeitar a liberdade de expressão e de imprensa, admitir críticas e garantir o acesso de todos às informações governamentais. Não há democracia sem liberdade, pluralidade de ideias e de partidos políticos e tolerância recíproca na convivência e na diversidade. E a Constituição estabelece que compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição. E ao ministério público, a defesa da ordem jurídica e do regime democrático.
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