A questão protestante
Fanuel Melo Paes Barreto
Professor do Ensino Superior
Publicado em: 15/09/2022 05:25 Atualizado em:
Sem pretender um conhecimento especializado sobre o assunto, sinto-me levado a tecer algumas considerações sobre o protestantismo brasileiro, tendo em vista a importância que a questão vem ganhando na mídia nacional e o respeito que nutro por minha origem reformada. Aprendi que a liberdade de consciência e o imperativo ético constituem parte fundamental do ideário protestante; esses valores, contudo, têm sido contraditados por fatos exibidos em nossos noticiários e, como se verá, por momentos da história dessa corrente religiosa no país.
Uma dificuldade básica com que se defronta o interessado em discutir seriamente o tema reside na diversidade institucional, ideológica e social por trás do termo “protestantismo”. Fenômeno que se manifestou nos primeiros instantes da história moderna da Europa, a assim chamada Reforma Protestante, no singular, envolveu, na verdade, uma pluralidade de movimentos caracterizados por crenças, condutas e interesses variados. Esse quadro já multifacetado ganhou ainda mais complexidade à medida que o fenômeno se ampliou territorialmente e se desdobrou no tempo.
No Brasil, apesar da ocasional presença do elemento calvinista durante o Período Colonial (com os franceses no Sudeste e os holandeses no Nordeste), bem como da imigração de luteranos alemães no Sul desde o início do Império, pode-se dizer que o protestantismo somente se estabeleceu em nossa terra com a chegada de missionários estrangeiros, sobretudo americanos, em meados do século 19. Uma vez dado início à propaganda protestante, várias denominações foram se organizando: presbiterianos, congregacionais, batistas, metodistas, sendo os anglicanos representados basicamente pelos ingleses aqui residentes.
Em começos do século 20, formaram-se, no Norte e no Sul, as primeiras comunidades ligadas ao pentecostalismo. Trazido por missionários suecos e italianos, esse movimento veio a provocar “um verdadeiro terremoto”, representando uma forma “proletária” de protestantismo, nas palavras de Émile Léonard. De acordo com o historiador francês, os pentecostais se distinguiam pela valorização de “manifestações exteriores de uma vida cristã ardente (cura, exorcismo, profetismo, glossolalia)” e encontraram na situação brasileira condições favoráveis para a sua expansão. Estabeleceu-se, desse modo, no seio da vida protestante nacional, a tensão entre um estilo de devoção mais formal e intelectualizado, afeito à reflexão teológica, e outro mais centrado na espontaneidade da experiência mística.
O cenário protestante do século passado comportou ainda uma outra tensão, provocada agora pelo sopro de ideias liberais provindas de centros de pensamento teológico europeus e americanos. Esse conflito ganhou relevância adicional no quadro político definido pelo regime militar instalado no país em 1964. A repressão ao ânimo progressista conduzida pelas estruturas administrativas das denominações tradicionais (em especial, da presbiteriana) resultou em cisma institucional e na perseguição a fiéis e pastores. Uma precisa análise das bases ideológicas desse conflito pode ser encontrada no livro do teólogo e educador Rubem Alves, cujo título original, Protestantismo e repressão, apareceu como Religião e repressão, quando da nova edição (Teológica/Edições Loyola, 2005).
Neste início de século, o protestantismo brasileiro se apresenta talvez ainda mais dinâmico e problemático do que o foi em sua história pregressa. O surgimento, nas últimas décadas, de uma infinidade de igrejas e comunidades genericamente identificadas como “evangélicas” vai a par com as transformações demográficas e sociais por que passou a população brasileira nesse mesmo período. Segundo Rubem Alves, tais grupos, que não apresentam qualquer relação com o protestantismo “clássico”, vêm causando “devastações incalculáveis na Igreja católica e denominações protestantes”. Movida por uma inarticulada “teologia da prosperidade”, essa tendência avassaladora chama a atenção pelo personalismo e a avareza de alguns líderes, o recurso ao comércio milagreiro, o negacionismo obscurantista e o oportunismo político. Quando se amplia o foco, porém, percebe-se que algumas dessas características vão se mostrando reconhecíveis também em círculos mais tradicionais do protestantismo nacional. Entretanto, o que desejo sugerir com as minhas considerações é que a natureza diversificada do fenômeno recoberto pelos termos usuais demanda, para uma discussão crítica do assunto, o mesmo discernimento requerido na análise de qualquer tema complexo, sob pena de se incorrer em generalizações simplistas, ou mesmo, preconceituosas.
Uma dificuldade básica com que se defronta o interessado em discutir seriamente o tema reside na diversidade institucional, ideológica e social por trás do termo “protestantismo”. Fenômeno que se manifestou nos primeiros instantes da história moderna da Europa, a assim chamada Reforma Protestante, no singular, envolveu, na verdade, uma pluralidade de movimentos caracterizados por crenças, condutas e interesses variados. Esse quadro já multifacetado ganhou ainda mais complexidade à medida que o fenômeno se ampliou territorialmente e se desdobrou no tempo.
No Brasil, apesar da ocasional presença do elemento calvinista durante o Período Colonial (com os franceses no Sudeste e os holandeses no Nordeste), bem como da imigração de luteranos alemães no Sul desde o início do Império, pode-se dizer que o protestantismo somente se estabeleceu em nossa terra com a chegada de missionários estrangeiros, sobretudo americanos, em meados do século 19. Uma vez dado início à propaganda protestante, várias denominações foram se organizando: presbiterianos, congregacionais, batistas, metodistas, sendo os anglicanos representados basicamente pelos ingleses aqui residentes.
Em começos do século 20, formaram-se, no Norte e no Sul, as primeiras comunidades ligadas ao pentecostalismo. Trazido por missionários suecos e italianos, esse movimento veio a provocar “um verdadeiro terremoto”, representando uma forma “proletária” de protestantismo, nas palavras de Émile Léonard. De acordo com o historiador francês, os pentecostais se distinguiam pela valorização de “manifestações exteriores de uma vida cristã ardente (cura, exorcismo, profetismo, glossolalia)” e encontraram na situação brasileira condições favoráveis para a sua expansão. Estabeleceu-se, desse modo, no seio da vida protestante nacional, a tensão entre um estilo de devoção mais formal e intelectualizado, afeito à reflexão teológica, e outro mais centrado na espontaneidade da experiência mística.
O cenário protestante do século passado comportou ainda uma outra tensão, provocada agora pelo sopro de ideias liberais provindas de centros de pensamento teológico europeus e americanos. Esse conflito ganhou relevância adicional no quadro político definido pelo regime militar instalado no país em 1964. A repressão ao ânimo progressista conduzida pelas estruturas administrativas das denominações tradicionais (em especial, da presbiteriana) resultou em cisma institucional e na perseguição a fiéis e pastores. Uma precisa análise das bases ideológicas desse conflito pode ser encontrada no livro do teólogo e educador Rubem Alves, cujo título original, Protestantismo e repressão, apareceu como Religião e repressão, quando da nova edição (Teológica/Edições Loyola, 2005).
Neste início de século, o protestantismo brasileiro se apresenta talvez ainda mais dinâmico e problemático do que o foi em sua história pregressa. O surgimento, nas últimas décadas, de uma infinidade de igrejas e comunidades genericamente identificadas como “evangélicas” vai a par com as transformações demográficas e sociais por que passou a população brasileira nesse mesmo período. Segundo Rubem Alves, tais grupos, que não apresentam qualquer relação com o protestantismo “clássico”, vêm causando “devastações incalculáveis na Igreja católica e denominações protestantes”. Movida por uma inarticulada “teologia da prosperidade”, essa tendência avassaladora chama a atenção pelo personalismo e a avareza de alguns líderes, o recurso ao comércio milagreiro, o negacionismo obscurantista e o oportunismo político. Quando se amplia o foco, porém, percebe-se que algumas dessas características vão se mostrando reconhecíveis também em círculos mais tradicionais do protestantismo nacional. Entretanto, o que desejo sugerir com as minhas considerações é que a natureza diversificada do fenômeno recoberto pelos termos usuais demanda, para uma discussão crítica do assunto, o mesmo discernimento requerido na análise de qualquer tema complexo, sob pena de se incorrer em generalizações simplistas, ou mesmo, preconceituosas.
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