Coragem para parar, coragem para voltar

Sidartha Soria
Professor do Departamento de Sociologia da UFPE

Publicado em: 26/06/2024 03:00 Atualizado em: 25/06/2024 22:59

A greve iniciada na UFPE em 22 de abril foi um momento histórico para a categoria. Sim, houve muitos questionamentos e debates acalorados, sobre a pertinência do movimento, seu timing político, as direções a seguir, o tom a ser adotado na mobilização diante do governo federal, os riscos de apropriação da greve por grupos movidos por pautas político-ideológicas estranhas à defesa da educação superior pública etc.

Para além das diferenças, é indiscutível que a greve docente só teve tamanha dimensão por força da categoria. O tamanho da greve teve o tamanho do descontentamento da classe docente, após anos de condições de trabalho piorando e da aguda corrosão salarial, os anos de vandalismo da extrema-direita no poder.

Neste sentido, quem define o surgimento e a pertinência de uma greve não é a imprensa, não é a extrema-direita, não é o governo e não é nem mesmo o sindicato docente. Quem define é a classe docente. Após seis anos sendo demonizados e atacados e tendo nossos direitos vilipendiados a todo instante, decidimos protestar e daí nasceu a greve.

Independentemente das motivações dos indivíduos e grupos presentes na greve, sua existência e dimensão chamaram a atenção do governo, despertando-o novamente para a realidade: que o ensino superior público brasileiro é prioridade para o desenvolvimento nacional, que seu estado arruinado é muito pior do que parece, que o ministro da Educação deve ser qualificado e sensível à gravidade da situação e que a classe docente, longe de ser inimiga, é uma parceira estratégica no longo e árduo caminho de reconstrução nacional, da reconstrução de um país destruído pelo extremismo ideológico, pelo negacionismo científico e por uma modalidade selvagem, mafiosa e francamente predatória de capitalismo.

Temos plena ciência de que o governo que tomou posse em 2023 assumiu uma nação pauperizada, com instituições desmanteladas e uma enorme quantidade de demandas de todas as partes da sociedade. Sabíamos que nem sempre o novo governo conseguiria atender a todas as demandas e prioridades igualmente. Nem por isso, porém, deveríamos renunciar ao papel que nos coube. Que a greve docente sirva como um alerta, uma chamada à necessidade de o governo puxar um freio de arrumação e reexaminar seus passos.

A greve foi grande porque foi justa. Fez o governo rever medidas. É amargo o reajuste salarial zero para este ano, mas houve outros avanços, em reajustes salariais futuros, diretos e embutidos nos steps da carreira. Anunciou-se o PAC das Universidades, revogou-se a Portaria 983/2020, que penalizava colegas dos IFs e colégios de aplicação.

A greve cumpriu sua missão. Mas agora é chegada a hora de voltar à normalidade.

Não é estratégico insistir em uma paralisação que se expõe cada vez mais ao risco de ser cinicamente instrumentalizada pela extrema-direita. Devemos retomar a correção do calendário, desajustado desde a pandemia. Finalmente, o fim da greve é necessário porque grande parte do alunado universitário são cotistas, para quem o tempo é variável crucial.

O compromisso com a universidade pública exige uma postura responsável, o que implica a coragem de iniciar uma greve e de encerrá-la. A greve deve acabar.

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