A bala de Trump, a navalha de Van Gogh e a espada de Bergerac

Marcus Prado
Jornalista

Publicado em: 22/07/2024 03:00 Atualizado em: 22/07/2024 05:42

Quando vi na TV a orelha do senhor Donald John Trump furada num atentado a bala, fato noticiado de imediato no mundo inteiro lembrei-me por instantes da orelha de Vincent Van Gogh, cortada não por bala certeira, nem por navalha alheia: foi amputada por ele próprio, no clímax da sua loucura, um gesto de automutilação (sofria de convulsões emocionais e de epilepsia), com um equipamento doméstico de barbear amolado a fio de cabelo, depois do surto que o levou a brigar com o amigo e pintor famoso Paul Gauguin. Foi o impacto determinante. A orelha arrancada ele embrulhou em um lenço e a levou para a prostituta de Arles, Rachel, - com um bilhete que dizia: “Guarde com cuidado”. Era 20 h. na véspera de Natal de 1888.

Entre ambos, Gauguin e ele, embora amigos, havia disputa pela conquista da mulher de Arles. Era envolvida sexualmente com um e, amorosamente, com o outro. Em julho de 1889, pintou o famoso “Autorretrato com a Orelha Cortada”, obra feita a partir da técnica de óleo sobre tela. Como gesto de (dolorosa) paixão, Van Gogh deu à sua amada um pedaço de si próprio.

Foi em Arles, uma cidade pequena que fica no sul da França, na região de Provence, dizem seus biógrafos, que se deu o gesto traumático do pintor, famoso por suas excentricidades. A sua vontade pode ter sido inspirada no final sangrento das touradas bem-sucedidas da cidade, frequentadas por ele: as orelhas do touro eram cortadas e entregues para alguém do público ou a uma pessoa muito especial.

Como o dito popular, “uma historia puxa outra”, lembrei-me do filme “Guerra é Guerra!”, com Tom Hardy, Reese Witherspoon, Chris Póriaine: Tuck e Frank são melhores amigos que trabalham juntos como agentes da CIA. Quando descobrem que estão saindo com a mesma mulher, entram em uma disputa que coloca em risco a amizade e a vida dos dois.

Mesmo sem estar, para sempre, no seu lugar primordial, tornou-se a orelha mais famosa na história da arte. Como o nariz do Cyrano de Bergerac. Ele quase perdeu o nariz e a orelha ao envolver-se num duelo. Supõe-se que Cyrano tenha duelado incontáveis vezes, sendo deserdado por seu pai por causa disso.  A navalha do Van Gogh, quando ilustre pintor desconhecido e sem sucesso (em vida vendeu apenas um quadro, “O Vinhedo vermelho”), ficou perdida no tempo. Não houve quem a guardasse num Museu. Van Gogh morreu em 25 de julho de 1890, como consequência de uma infecção que contraíra dias antes, após tentar se matar com um revólver. Além dos  biógrafos, para conhecer a sua obra, recomenda-se a leitura das cartas a Theo. Outra pista é uma leitura atenta da arbitrariedade cromática do pintor, o seu alucinante expressionismo gráfico.

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