Celebração dos 60 anos do Canto ao Meio, de Mauro Mota

Marcus Prado
Jornalista

Publicado em: 01/07/2024 03:00 Atualizado em: 01/07/2024 07:16

Neste mês de Julho deveria ser lembrada nos meios literários não só do Recife a passagem dos 60 anos da publicação do livro Canto ao Meio, (Editora Civilização Brasileira/1964) do poeta e imortal da ABL, Mauro Mota (1911-1984). Mostra poemas recolhidos em livros anteriores e inéditos (Elegias - 1952; Os epitáfios – 1959; o Galo e o Catavento - 1962), redistribuídos de acordo com os temas e com apresentação do escritor Álvaro Lins, da ABL, um dos críticos literários mais influentes do seu tempo no Rio de Janeiro.

Passados 60 anos, continua sendo lido pela sua linguagem poética inventiva, pela ludicidade que ganha formas, cores, compreensão e intertextualiza quando volta para novas leituras.

A memória, as lembranças (Mauro tinha o desejo quase irresistível de cultivar lembranças), são alguns dos temas favoritos desse livro, numa experiência que transforma a própria evocação da memória em um exercício poético. A destacar as suas “Elegias” (1952), reconhecidas como das mais belas em nosso idioma. No Canto ao Meio o leitor fará um percurso poético pelo Recife urbano e suburbano do passado, pelo lúdico, por paisagens (fotografias que não foram batidas), rememorações da cidadezinha natal, a descontinuidade dolorosa das coisas que construíram afetos, a transfiguração de um passado para um outro momento. Efeitos da perda da tradição, tal qual compreendida pela hermenêutica gadameriana (Hans-Georg-Gadamer - Verdade e Método II), museu de momentos memorialísticos, memória do que não foi esquecido. (Santo Tomás de Aquino definia a memória dizendo ser ela uma potência para o inesquecível). Ecos, digo eu, sobre o livro de Mota, de um cotidiano existenciado, labirinto de ações e reações que só se definem com a poesia, o cotidiano que inspira o fazer poético. (Mauro “mestre do cotidiano”, como disse outro mestre e poeta José Rodrigues de Paiva no seu livro “As palavras e os dias”, pág. 242).

Nada impede que o chamem de regionalista (de adepto do regionalismo tradicionalista de Gilberto Freyre), mas prefiro o que foi dito pelo professor e crítico literário Christiano Aguiar: “Mauro Mota foi um poeta dos inventários. Em seus melhores poemas, não teve medo das coisas miúdas que seu olhar poético observava; cantou os objetos da casa, as ervas daninhas, as ruínas, as ruas, os ventos, as paixões de subúrbio, as mães, os cajus, os meninos, os fantasmas”. Memória, poderíamos chamar de desesquecimento, esse tecido que fica, é fundamentalmente necessária na poesia desse poeta. Além disso, nos diz Bachelard: “não se pode reviver o passado sem o encadear num tema afetivo necessariamente presente”. É o que nos mostra Deleuze, em “Proust e os Sígnos”.

Celebrar uma obra desse porte e o seu autor, na passagem dos 60 anos de um dos seus mais belos livros, é oportunidade para os novos leitores, por seu inegável valor literário. Há livros que não são fáceis de virar as páginas, Canto ao Meio é um deles.

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