Nosso Teatro

Aldo Paes Barreto
Jornalista

Publicado em: 26/07/2024 03:00 Atualizado em: 25/07/2024 22:02

No início dos anos 1970, convidado para chefiar o gabinete do então secretário do Governo, Édson Neves, mantive permanente contato com o governador Nilo Coelho. Sertanejo afável médico e político sem mácula, mantinha agenda de atendimento a pessoas com demandas que ele ou o Estado resolveriam sem dificuldades. Coisas simples para o governante, mas instransponíveis para o cidadão comum.

Naquela semana, o governador estava na sua Petrolina, onde ia com frequência, informou a secretária dele, dona Ondina, apontando uma senhora que há dias tentava falar com o governador.

A senhora, sentada na minha frente, tentava solucionar problema da filha. A jovem havia passado no vestibular de Medicina, Ciências Médicas. A família não tinha como custear o curso. Nem mesmo pagar a matrícula.  Detentor de uma bolsa de estudo na faculdade, a doação dependia , porém, de autorização do governador, acrescentou a secretária.

O prazo para a matrícula na faculdade terminaria dali a dois dias. Dona Ondina também disse que o diretor da escola, o professor Valdemar de Oliveira, estava ciente.

Rosto, sombrinha e sapatos envelhecidos, a senhora torcia um lenço e aguardava. Há dias não fazia outra coisa na tentativa de realizar o sonho antigo de pessoas modestas: Ter um médico na família.

Entrei em contato com o professor Valdemar. Já o conhecia e tinha por ele estima e admiração. Valdemar de Oliveira, médico, escritor, jornalista, teatrólogo, ator, diretor era um cidadão invulgar, obstinado, apaixonado por tudo o que fazia, tinha longo currículo de serviços prestados à gente pernambucana, ao teatro e ao ensino. Um exemplo de vida, legado que deixou para o filho Rinaldo, também falecido, medico, escritor, homem de teatro feito em casa.

A bolsa existia, confirmou o professor. O prazo para a matrícula terminaria em dois dias. Convenci a senhora que iria tentar resolver a questão e que ela voltasse no dia seguinte. Voltou. A burocracia era onipotente.  A intervenção do professor Valdemar, decidiria a questão.

Se até amanhã o governo não se manifestar, diga a moça que traga a documentação dela que vou matricula-la, prometeu Valdemar de Oliveira. E assim fez. A jovem foi matriculada. A senhora não voltou. Certamente estava muito feliz com o problema resolvido.

Na semana seguinte, relatei o fato ao governador. Não sabia como ele reagiria. Nilo Coelho era sertanejo e médico, compreenderia.

Seis ou sete anos depois, eu estava de volta ao Jornal do Commercio, ali na Rua do Imperador. Na recepção, um casal esperando com dois envelopes nas mãos: um para a formatura dos dois em Medicina e o outro para o casamento deles. Ela era a jovem beneficiada pela bolsa da Faculdade de Ciências Médicas. Ele, o noivo, também médico, iriam para o Hospital dos Servidores do Estado o Rio do Janeiro trabalhar e continuar os estudos.

O agradecimento deveria ser ao professor Valdemar de Oliveira, que havia falecido pouco dias antes. Agradeçam a ele – sugeri ao casal – e façam da Medicina o exercício de servir à humanidade, como fez o professor e fazem tantos outros na esperança de aliviar as dores do mundo.

A tarefa está cada dia mais difícil. O médico trabalha espremidos entre a exploração de donos de hospitais, de casas de saúde, da acelerada privatização de uma área estratégica ao País. No Brasil, o capital estrangeiro encontrou uma maneira fácil de melhorar a saúde financeira.  Todos incapazes de vencer a doença da ambição.  Exploram o doente e não a doença.

Nunca mais vi os jovens médicos, nem sequer lembro como eram. Mas, como esquecer o professor Valdemar de Oliveira?

O também homem de teatro, José Mário Austregésilo, tem protestado com razão e veemência contra o descaso diante do desmoronamento do Nosso Teatro, erguido com determinação e amor pela família Oliveira. O teatro está desabando, requer vários atos de solidariedade. Mas o sonho dos Oliveira e da nossa gente de teatro continua. O palco está lá, o amor pelo teatro se encontra em toda parte.

Mas, cadê a plateia que costumava estar aqui? A televisão comeu?

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