A Nova Lei de Improbidade Administrativa e Seus Impactos na Elegibilidade Eleitoral

Orlando Morais Neto
É sócio da Paurá Advocacia, Especialista em Direito Eleitoral, Mestre e Doutorando em Direito pela UNICAP

Publicado em: 19/08/2024 03:00 Atualizado em: 19/08/2024 00:55

A Lei de Improbidade Administrativa (LIA), criada em 1992 através da Lei nº 8.429/92, foi estabelecida com o intuito de garantir a probidade e a moralidade na administração pública. Entre suas principais disposições, a LIA tipificou ações punitivas específicas, como aquelas que resultam em enriquecimento ilícito (artigo 9º), prejuízo ao erário (artigo 10) e violação dos princípios administrativos (artigo 11). O objetivo do constituinte originário era criar um mecanismo normativo eficiente para impedir práticas que violassem esses princípios fundamentais.

Ao longo dos anos, a LIA sofreu diversas modificações, sendo a mais significativa promovida pela Lei nº 14.230/2021, que reformou substancialmente o texto original. Diferentemente das críticas que a apontam como promotora de impunidade, essa nova legislação foi desenhada para fortalecer garantias fundamentais, anteriormente enfraquecidas por um espírito punitivista exacerbado, especialmente durante a operação Lava Jato. Embora a Lava Jato tenha tido um papel crucial no combate à corrupção, também foi marcada por violações ao devido processo legal, resultando na anulação de muitos processos.

O ambiente de desconfiança gerado pela operação Lava Jato criou uma presunção generalizada de corrupção contra todos os agentes públicos, bastando ser gestor de recursos públicos para que surgissem suspeitas de irregularidades. Esse cenário deu origem ao chamado “Apagão das Canetas”, onde muitos servidores preferiram afastar-se da vida pública, temendo que pequenas irregularidades formais pudessem resultar em processos por improbidade administrativa. Em vários casos, a mera presunção de dano ao erário foi suficiente para que os bens dos gestores fossem bloqueados preventivamente, sem que eles tivessem conhecimento da investigação.

O excesso de punição, decorrente de uma interpretação exagerada da LIA, levou a sanções desproporcionais, como a perda do cargo público por erros administrativos menores, como a compra inadequada de uma máquina fotográfica. Essa aplicação desmesurada da lei resultou na destruição patrimonial de muitos gestores, mesmo em situações onde não houve dano real ao erário, como em dispensas indevidas de licitação sem prejuízo financeiro.

Com a reforma promovida pela Lei nº 14.230/2021, a LIA foi praticamente reescrita, estabelecendo um novo sistema normativo. Essas mudanças afetam diretamente o Direito Eleitoral, especialmente no que se refere à Lei Complementar nº 64/1990, conhecida como Lei da Ficha Limpa. De acordo com essa lei, são inelegíveis para qualquer cargo os agentes condenados à suspensão dos direitos políticos por decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que resulte em prejuízo ao patrimônio público ou enriquecimento ilícito.

Qualquer alteração nos tipos punitivos de improbidade administrativa referenciados pela Lei da Ficha Limpa, ou na forma como a LIA aborda a suspensão dos direitos políticos, impacta diretamente a elegibilidade dos agentes públicos. Antes da reforma, a jurisprudência aceitava a condenação por improbidade com base em presunções de prejuízo ao erário, resultando automaticamente na inelegibilidade do agente.

A nova redação dos artigos 10 e 21 da LIA elimina condutas baseadas em prejuízo presumido, exigindo que as ações que causem dano ao erário demonstrem efetiva e comprovada perda patrimonial. Além disso, a reforma estabelece que a configuração dos atos de improbidade administrativa requer dolo específico, ou seja, a intenção clara de causar dano ou obter vantagem indevida. Isso representa uma mudança significativa em relação ao entendimento anterior, que aceitava o dolo genérico como suficiente.

Essa nova definição do elemento subjetivo dos atos de improbidade também afeta a hipótese de inelegibilidade prevista no artigo 1º, inciso g, da Lei da Ficha Limpa, que trata da rejeição de contas públicas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa. Com a reforma, é necessário constatar o dolo específico para que se configure a inelegibilidade.

A reforma legislativa levantou a questão da aplicabilidade retroativa das novas disposições, especialmente em processos em andamento. Em resposta, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu uma tese afirmando que a nova lei se aplica apenas a atos culposos praticados antes de sua vigência, desde que não haja condenação transitada em julgado. O STF também determinou que o novo regime prescricional previsto na Lei nº 14.230/2021 não tem aplicação retroativa.

O artigo 12, inciso III, da LIA, modificado pela Lei nº 14.230/2021, não permite mais a condenação do agente à suspensão dos direitos políticos pela mera infração de princípios administrativos. Nesse contexto, o princípio da legalidade estrita deve ser seguido rigorosamente, garantindo que haja uma correspondência adequada entre o delito e a penalidade.

As mudanças introduzidas pela Lei nº 14.230/2021 abrem inúmeras possibilidades para questionamentos em ações eleitorais. O princípio *in dubio pro sufragio* pode ser aplicado para favorecer a elegibilidade do agente em casos de dúvidas fundadas, promovendo a ampla participação política.

Em resumo, a reforma da Lei de Improbidade Administrativa redefine os critérios de punição e inelegibilidade, com efeitos significativos no cenário eleitoral brasileiro. As decisões do STF, alinhadas às novas disposições legais, moldarão o futuro das eleições, garantindo maior segurança jurídica aos agentes públicos e potencialmente aumentando o número de candidatos elegíveis para os próximos pleitos.

MAIS NOTÍCIAS DO CANAL