Batendo bola

Aldo Paes Barreto
Jornalista

Publicado em: 30/08/2024 03:00 Atualizado em: 29/08/2024 23:38

Diretor Regional da Rede Globo de Televisão no Nordeste, por mais de 20 anos e falecido este ano, Cléo Nicéas, líder por vocação, solidário por natureza, cidadão de bem, seria capaz de faltar a eventos de qualquer natureza, por mais importante que fossem, caso coincidisse com a pelada com os amigos às quartas-feiras.  

O respeitado clínico médico e professor universitário Oscar Coutinho Neto não chegaria a tanto. Ser médico é diferente. A exigência profissional é absoluta. Mas sempre reservou as tardes dos sábados ou as noites das quintas-feiras para participar da pelada com amigos e familiares. O bate-bola já está na terceira geração reunindo filhos, netos, sobrinhos e continua formando craques na arte de viver e de servir como paradigma na construção de um mundo saudável.

Neste agosto, esses médicos atingiram marca inigualável: 60 anos jogando juntos, mais de meio século de peladas, transformando a diversão em ensinamentos, cuidando do corpo, da saúde e da torcida presente. Vitoriosos profissionais, exemplares chefes de família, não esqueciam os momentos para o lazer. Infância vivida em casas com amplo quintal ou terrenos livres de chão batido sedimentava a união. Nos quintais arborizados, craques com os irmãos Victor - Edson, Edgard, Edmar -; Oscar Coutinho, Sílvio Cavalcanti, Jairo Prazeres,  Ciro Andrade Lima, Rostand Paraíso, Zildo e Gílson Paes Barreto tinham que driblar mangueiras, sapotizeiros e ultrapassar os problemas do dia a dia. Sempre conseguiram.

A maioria concluiu o curso médico em meados dos anos 1960, quando alunos - Ney Cavalcanti, Chicão Trindade, Victorino Spinelli, Fred Wanderley, depois destacados médicos, professores de amplos méritos, formadores de novas gerações,  descobriram que a dedicação ao futebol vinha logo após aos compromissos com a Medicina.  

No início dos anos 1970, Oscar Coutinho e Victorino Spinelli criaram a residência e a clínica médica no Hospital Barão de Lucena. Viviam por lá. Como o antigo hospital tem vasto terreno, convenceram a direção a ceder parte da área para o campinho de futebol. Limparam o terreno, conseguiram iluminar o campo e a pelada passou para as noites das quintas-feiras. Eram oito contra oito, escolhidos no par ou ímpar. Primeiro no Barão, depois em sítios ou granjas, o bate-bola foi se eternizando. Mais da metade dos que começaram já morreram e dos que iniciaram, restam três com idades entre 84 e 85 anos. Todos em plena forma física e técnica.

No tempo do Barão de Lucena, aquela forma de lazer, de socializar, era o alívio no dia a dia. A paz de espírito chegava depois de extenuante jornada, envolvidos com doenças e doentes. Nas noites das peladas, para além do campo, os pacientes e familiares postados nas janelas dos quartos, nos corredores do hospital, acompanhavam os médicos deles. Servia como poderoso paliativo ajudando a combater doenças ameaçadoras da vida. Quase sempre em fase terminal. Em campo, as equipes se uniam para  rechaçar aquele sofrimento mental e físico dos que precisavam de conforto. Com o futebol, ensinavam lições de vida para entender e aceitar o final que é de todos.

Em campo ou fora dele, combatiam as doenças, aliviavam os doentes, prolongavam a vida. Titulares do time da esperança, sabiam que a pelada acaba quando soa o apito final, mas o jogo só termina quando os refletores são apagados e  a luz vai se extinguindo.  É a hora de ir embora e de dizer adeus à vida e a tudo e a todos que amamos.

PS.: Ney Cavalcanti, craque consagrado, amigo fraterno, médico destacado, não vai participar. Está entregue ao departamento médico recuperando-se de uma contusão.

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