Dez anos sem Ariano Suassuna (parte um)

Aurélio Molina
Prof. Dr. Associado e Livre Docente da UPE, Ph.D pela University of Leeds (UK), Membro das Academias Pernambucanas de Medicina, de Ciências e da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores

Publicado em: 14/08/2024 03:00 Atualizado em: 14/08/2024 05:23

Lá se vão dez anos desde seu encantamento. E nesse brevíssimo texto vou compartilhar alguns fatos, visões e interpretações pessoais, possivelmente enviesadas, não do intelectual, escritor, filósofo, dramaturgo, romancista, artista plástico, ensaísta, poeta e idealizador do Movimento Armorial, mas do meu padrinho de casamento e que muito me marcaram. Devido a essa relação tive o privilégio de usufruir de sua amizade, que acredito ter começado em nosso primeiro encontro, enquanto ainda namorava sua querida sobrinha Ana Elizabeth, que ele sempre dizia lembrar fisionomicamente sua mui amada companheira.

Nessa “efeméride”, em 1978, afirmei que ele não imaginava como era querido no Rio de Janeiro. E para embasar tal afirmação relatei que, em 1974, no primeiro ano do fim do histórico, mas inaceitável trote acadêmico da UFRJ, sua peça o Auto da Compadecida tinha sido escolhida para saudar os novos estudantes da antiga Faculdade Nacional de Medicina, tendo sido interpretada pelos alunos veteranos. Bem, a partir daí, foram quase 30 anos de convivência, deleite, admiração, gratidão e muito aprendizado.

O primeiro aspecto que gostaria de compartilhar é que, além de todos os predicados anteriormente citados, Ariano era o maior “contador de causos” que já conheci. Todas as histórias interessantes relatadas para ele, verídicas ou não, se tornavam, quase que imediatamente, muito melhores, as quais, para nosso gozo, eram aperfeiçoadas a cada oportunidade ou a cada aula espetáculo. Algumas, inclusive, eram “transportadas” para sua Taperoá, e, pasmem, ele nem de longe se considerava o melhor contador de histórias. Seus heróis eram seus irmãos mais velhos, três dos quais médicos renomados, que ele afirmava serem imbatíveis nessa arte. Talvez parte de seu brilhantismo venha de uma tentativa inconsciente de se igualar aos seus admirados irmãos. Aliás, certa vez ele me relatou um “trauma” por ter sido impedido por eles, por ser muito jovem, de contar uma história no “sarau literário familiar”, que acontecia corriqueiramente no final da tarde/noite, principalmente no período de férias, e que, segundo relatos, eram mais ricos e vividos do que qualquer “reles realidade” para os ouvidos e mentes dos presentes.

Em relação a sua última obra, o Romance de Dom Pantero no Palco dos Pecadores, tive a oportunidade de acompanhar seu desenvolvimento por anos, talvez décadas, acompanhada do imenso dissabor de saber que, talvez pela procura de uma utópica perfeição, ou outros motivos insondáveis, os originais da obra potencialmente “derradeira” eram/foram, inúmeras vezes, destruídas pelo autor.

A dor fica ainda maior quando, por volta de 2005/6, após uma noitada de carteado a beira mar num condomínio na praia de Candeias, onde éramos vizinhos (sim, Ariano, gostava muito de jogar biriba/canastra, quase sempre em duplas, sendo ele, na maioria das vezes, o vencedor), ele me desvelou uma “última” versão que, até onde sei, também foi destruída. Diante dos meus olhos, estiveram lindas páginas, em folhas A4 (talvez maiores), ricamente ilustradas (todas) e escritas numa caligrafia única. Me faltam palavras para descrevê-la. Um misto, melhorado, de pergaminhos bíblicos e egípcios, com imagens rupestres e armoriais, dedicadas as principais matrizes da raça brasileira (negra, indígena e ibérica).

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