Navegar pelo Capibaribe "é preci(o)so"

Marcus Prado
Jornalista

Publicado em: 26/08/2024 03:00 Atualizado em: 26/08/2024 05:06

Como o Tejo que banha Lisboa, o Limmat que divide Zurich em duas partes, o rio Hudson que embeleza Nova York, o rio Tâmisa que dá charme a Londres, o Recife tem o rio Capibaribe. O Cão sem Plumas, na poesia de João Cabral de Mello Neto, para o devaneio dos cronistas e poetas que nasceram ou radicados nesta cidade é o mais belo de todos. Embora sendo o patrimônio intangível menos cuidado da cidade, o Capibaribe não perdeu o seu toque de sedução, continua sendo reiteradamente exaltado. Não se procura conscientizar a população sobre a importância desse rio, perderam a lição das grandes lendas: Os troianos do Canto XXI da Ilíada, de Homero, um dos principais poemas épicos da Grécia Antiga, que fugiram, em busca de abrigo, para o rio Xanto "que Zeus sempiterno gerara", um rio jamais poluído, tornou-se sagrado, parecia feito de espumas do céu.  Na Eneida, de Virgílio, a descrição do escudo de Eneias, no canto VIII, começa com o rio Tibre. (Ainda mais belo quando passa pela Toscana).

Como foi dito, muitos cantaram o Capibaribe, mas somente uma mulher pernambucana do Recife, de descendência italiana, por mais de 15 anos fez dele motivo de resgate de pertencimento e orgulho da cidade: Liliana Falangola.  Foi dela o projeto do Catamarã Mauricio de Nassau que dava ao seu percurso uma trilha de muitos saberes sobre a cidade, sua história, suas tradições, sua arquitetura, sua arte, seus sabores. Dizia, falando em mais de um idioma, sobre a brisa atlântica; fazia sentir o cheiro de biscoitos vindo da fábrica centenária; o aroma que nos remete ao mel de engenho e à rapadura quando o barco passava no Terminal Açucareiro do Porto do Recife.  "Uma cidade como o Recife, com um rio Capibaribe, não pode ficar a invejar outras cidades que fazem turismo fluvial diferenciado". Um roteiro todo ele inspirado no legado de historiadores e cronistas de hoje e do passado. Do seu Diário de Bordo, leio: "Apaixonei-me pelo rio que, com suas águas, vai apagando as minhas mágoas; pela árvore centenária, na cabeceira da Ponte Princesa Isabel; pelo prédio antigo mais estreito da cidade; pelo Sol se pondo na Igrejinha de Sto. Amaro das Salinas, ao mesmo tempo em que a Lua Cheia vem nascendo na Cruz do Patrão. Durante os anos em que morei na Europa, vi como os rios e canais são prestigiados - o rio Meno em Frankfurt, o Reno também na Alemanha, o Tâmisa em Londres, o Sena, em Paris, o Tejo em Lisboa e Veneza na Itália. Naveguei por todos esses, daí o que aprendi para a aventura do meu Catamarã. (...) O que aprendi foi que a cidade pernambucana, conhecida como "Veneza Brasileira" ou "Veneza Americana", não seguia a sugestão do italiano Pompeu Magno (antes de Cristo!): "Navigare necesse est..." (...) Não se fazia passeio turístico no Rio Capibaribe... Então decidi: Vou começar a fazer o que tanto fiz nos outros países e que muito gostei! Coloquei o meu barco "Catamarã" nas águas tranquilas do Capibaribe e logo vi que, aqui, Navegar é preci (o) so!".

Ouço Liliana a falar do seu Catamarã, há muito anos ancorado, e sou levado ao "silêncio molhado" das águas do rio de Virgínia Woolf em A Room of One´s Own (Sala Própria), a Mary Beton, palestrante ficcional, que, para a sua paz e tranquilidade, ia sempre à beira do rio Ouse, que banhava a sua cidade.

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