Os poderes precisam de um abraço

Luiz Mário Guerra
Procurador do Estado de Pernambuco, advogado criminalista, mestre em Direito Penal e sócio do Urbano Vitalino Advogados

Publicado em: 26/08/2024 03:00 Atualizado em: 26/08/2024 05:07

Poucas coisas agregam tanto à nossa vida quanto a experiência e a observação. Quando me formei, ansioso de tudo, colei as letras do meu nome no muro do meu primeiro escritório, no centro de Maceió. Ficou bonito. Tardes infindáveis. Ninguém pra relatar um direito violado ou pra confessar uma transgressão?

Meus poucos processos recebiam de mim peças quase poéticas que frequentemente atacavam o Estado, “o sistema”, o “Leviatã” que tudo pode e nada faz para distribuir justiça social.

Não era artificial. Era fígado. Fui forjado sob fortes influxos da literatura e da música. Geração Coca-cola, Até Quando Esperar, Polícia, Ideologia e tantas outras que, emergidas da reabertura da democracia, representavam, antes da música, um movimento.

Era, socialmente, sensível e, politicamente, esclarecido demais para minha idade. Identifiquei-me desde recém-formado como um advogado super-herói, que atacava a exploração da iniciativa privada e a opressão estatal.

Alguns anos depois, a guinada para os concursos públicos e, em seguida, a posse na Defensoria do Pará. Nas vestes de Defensor Público, mantive Estado e MP na alça de mira.

De lá, Ministério Público do Rio Grande do Norte. A coisa mudou. Provei o que o Experimento da Prisão de Stanford tentou demonstrar: como as instituições e os grupos sociais afetam o comportamento humano. Passei a questionar garantismos e convicções. Aprendi a acusar.

Não durou. Saí do MP. Pelas mãos do Senhor, tomei posse na Procuradoria do Estado de Pernambuco. Como num passe de mágica, descobri que não é fácil ser Estado.

Um sem-número de expectativas a serem atendidas. Limitações legais e, principalmente, orçamentárias, confrontadas com a dureza da realidade e a inevitabilidade das escolhas trágicas.

Com a parca cabeleira e a barriga protuberante, entendi que a reserva do possível não é mero argumento jurídico, mas uma cláusula limitativa da atividade jurisdicional.

Lembro-me de uma história que meu amigo Ricardo Melro, brilhante Defensor Público de Alagoas, me contou, remetendo-se aos tempos de assessoria do então Juiz Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, hoje Desembargador. Ele me dizia que uma vez ouviu do Magistrado que o juiz deve evitar proferir decisões que sabe, de antemão, que não conseguirá fazê-las cumprir, porque isso desmoraliza o Judiciário.

É verdade. Mais que o Judiciário, isso desmoraliza o Estado e traga a credibilidade do Poder Público.

Testemunho, diariamente, o esforço de servidores públicos probos e abnegados, muitos dos quais recebem decisões judiciais que desafiam a lógica da realidade.

A conclusão a que chego é inevitável: os poderes precisam de empatia mútua. Olhar para o lado a partir das perspectivas do outro. O Estado precisa gastar bem e, nesse ponto, a qualidade da despesa pública talvez seja o mais importante alvo a ser perseguido.

O MP precisa se evadir de cruzadas quixotescas, desencastelar-se, participar do processo de despesa pública, responder por eventuais acusações açodadas e reencontrar o significado da expressão “promotor de justiça”.

O Judiciário, a seu turno, precisa mirar na qualidade da tutela jurisdicional. Processos demoram anos para, ao fim, desaguar em sentenças que, muitas vezes, parecem estranhas aos autos, minutadas, frequentemente, por assessores em início de carreira e sem nenhuma experiência.

Os poderes, enfim, precisam chamar o feito à ordem, olhar sobre os muros que os dividem, permitindo-se sensibilizar pelos limites alheios, num grande pacto de compreensão e harmonia interinstitucional.

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