Um país entristecido
Angelo Castelo Branco
Jornalista, membro da Academia Pernambucana de Letras
Publicado em: 29/08/2024 03:00 Atualizado em: 29/08/2024 05:54
Há um quê de melancolia e muita frustração quando a gente liga o retrovisor para os últimos 50 anos da história em nosso país. Sobretudo quando clicamos na alternativa de acesso ao sonho pela democracia, aos direitos humanos e ao nivelamento da nação com a ética.
É provável que esse sentimento possua, inclusive, uma dimensão endêmica no coração dos que dedicaram seus verdes anos em batentes de jornais lutando contra a foça bruta de um sistema alheio aos fundamentos do estado de direito. Estávamos fartos e assustados com repressões, prisões, sequestros, perseguições, sumiços, exílios, agressões pessoais e toda sorte de violência praticada em nome do estado.
O bom senso apontava na direção das nações onde suas civilizações avançavam obstinadamente ao encontro de uma convivência de respeitos recíprocos entre o povo e o estado. Precisávamos abrir caminhos irreversíveis nesse mesmo sentido. Parecia-nos uma utopia distante quando tínhamos o privilégio de acesso aos jornais de Paris ou de Londres, ou mesmo caminhar e conversar com colegas jornalistas do lado de cá na parte livre da Alemanha separada pelo muro de Berlim. Ficávamos surpresos com a naturalidade das críticas, apoios e contestações racionalmente formulados a autoridades e instituições, numa dialética absolutamente civilizada e escassamente ofensiva em tons pessoais. Era tudo o que faltava no Brasil.
Naquele momento brasileiro muitos aspirantes à vida pública construíram sua trajetória política e eleitoral com base na luta contra as ditaduras e a violência. Fizeram dessa causa uma bandeira ideológica, utilizando-a para ganhar votos ao se posicionarem fortemente contra os regimes autoritários e as práticas de tortura e repressão. Opção, portanto, digna de respeito e legítima em sua amplitude humanista independentemente de suas gerências ideológicas. Esquerda e direita estariam irredutivelmente comprometidas com esses pétreos princípios. Especialmente por perseguirem valores democráticos sólidos que nunca nos foram estáveis.
Desligando o retrovisor para focar o Brasil de 2024, vimos que muitos dos ideais afastaram-se ainda mais daquela sonhada utopia. Dá-nos a impressão de que os propósitos humanitários e civilizatórios que tanto nos mobilizaram foram utilizados apenas como uma ferramenta eleitoral sem um compromisso genuíno. Elegemos alternativas que nos pareciam adequadas a conduzir a nação segundo os fundamentos democráticos transparentes e equilibrados, mas o que estamos assistindo é a reedição revista e atualizada da infelicidade e perplexidade coletiva.
Prisões, perseguições, insultos a grosso e a varejo, exílios, obstruções e má condução no trabalho do poder legislativo, decisões judiciais monocráticas de graves repercussões no âmbito da vida privada e de famílias, gastos públicos fora de controle, falências de estatais, política externa polêmica, e muitas outras mazelas.
Há meio século muitos demos a mão para promover e eleger pessoas que nos livrariam de todos esses males. Mas, paradoxalmente, têm se mostrado apenas apegados ao poder e indiferentes aos compromissos basilares que aparentavam agregar. Até parece que o tempo não andou no contexto das nossas relações com um estado cujos governos seguem decretando até mesmo sigilos impensáveis de seus atos, sabe-se lá porquê. O espírito de corpo de instituições fere muitas vezes os interesses republicanos sem que a sociedade tenha voz assegurada para conter os excessos.
Em sua obra O Contrato Social, o filósofo Jean-Jacques Rousseau adverte que “o mais forte nunca é suficientemente forte para ser sempre o senhor se não transformar a força em direito e a obediência em dever.” Essa frase critica a manipulação da força ou do poder para justificar a dominação, que muitas vezes é mascarada por falsas concepções ou justificativas para enganar o povo e manter o controle. Ou seja, a força bruta não pode servir como fundamento legítimo para a autoridade política. E medir forças parece ter sido o esporte mais amplamente praticado no sistema político brasileiro, em detrimento da busca pela felicidade do povo e da economia nacional.
É provável que esse sentimento possua, inclusive, uma dimensão endêmica no coração dos que dedicaram seus verdes anos em batentes de jornais lutando contra a foça bruta de um sistema alheio aos fundamentos do estado de direito. Estávamos fartos e assustados com repressões, prisões, sequestros, perseguições, sumiços, exílios, agressões pessoais e toda sorte de violência praticada em nome do estado.
O bom senso apontava na direção das nações onde suas civilizações avançavam obstinadamente ao encontro de uma convivência de respeitos recíprocos entre o povo e o estado. Precisávamos abrir caminhos irreversíveis nesse mesmo sentido. Parecia-nos uma utopia distante quando tínhamos o privilégio de acesso aos jornais de Paris ou de Londres, ou mesmo caminhar e conversar com colegas jornalistas do lado de cá na parte livre da Alemanha separada pelo muro de Berlim. Ficávamos surpresos com a naturalidade das críticas, apoios e contestações racionalmente formulados a autoridades e instituições, numa dialética absolutamente civilizada e escassamente ofensiva em tons pessoais. Era tudo o que faltava no Brasil.
Naquele momento brasileiro muitos aspirantes à vida pública construíram sua trajetória política e eleitoral com base na luta contra as ditaduras e a violência. Fizeram dessa causa uma bandeira ideológica, utilizando-a para ganhar votos ao se posicionarem fortemente contra os regimes autoritários e as práticas de tortura e repressão. Opção, portanto, digna de respeito e legítima em sua amplitude humanista independentemente de suas gerências ideológicas. Esquerda e direita estariam irredutivelmente comprometidas com esses pétreos princípios. Especialmente por perseguirem valores democráticos sólidos que nunca nos foram estáveis.
Desligando o retrovisor para focar o Brasil de 2024, vimos que muitos dos ideais afastaram-se ainda mais daquela sonhada utopia. Dá-nos a impressão de que os propósitos humanitários e civilizatórios que tanto nos mobilizaram foram utilizados apenas como uma ferramenta eleitoral sem um compromisso genuíno. Elegemos alternativas que nos pareciam adequadas a conduzir a nação segundo os fundamentos democráticos transparentes e equilibrados, mas o que estamos assistindo é a reedição revista e atualizada da infelicidade e perplexidade coletiva.
Prisões, perseguições, insultos a grosso e a varejo, exílios, obstruções e má condução no trabalho do poder legislativo, decisões judiciais monocráticas de graves repercussões no âmbito da vida privada e de famílias, gastos públicos fora de controle, falências de estatais, política externa polêmica, e muitas outras mazelas.
Há meio século muitos demos a mão para promover e eleger pessoas que nos livrariam de todos esses males. Mas, paradoxalmente, têm se mostrado apenas apegados ao poder e indiferentes aos compromissos basilares que aparentavam agregar. Até parece que o tempo não andou no contexto das nossas relações com um estado cujos governos seguem decretando até mesmo sigilos impensáveis de seus atos, sabe-se lá porquê. O espírito de corpo de instituições fere muitas vezes os interesses republicanos sem que a sociedade tenha voz assegurada para conter os excessos.
Em sua obra O Contrato Social, o filósofo Jean-Jacques Rousseau adverte que “o mais forte nunca é suficientemente forte para ser sempre o senhor se não transformar a força em direito e a obediência em dever.” Essa frase critica a manipulação da força ou do poder para justificar a dominação, que muitas vezes é mascarada por falsas concepções ou justificativas para enganar o povo e manter o controle. Ou seja, a força bruta não pode servir como fundamento legítimo para a autoridade política. E medir forças parece ter sido o esporte mais amplamente praticado no sistema político brasileiro, em detrimento da busca pela felicidade do povo e da economia nacional.
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