Uma mulher diferente

Vladimir Souza Carvalho
Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras

Publicado em: 17/08/2024 03:00 Atualizado em: 17/08/2024 08:01

A primeira vez em que a vi, do que me lembro, foi no Cemitério. Meu vizinho me apresentou-a, dizendo-lhe que eu era o Juiz de Direito de Campo do Brito, exatamente sua terra.  Foi aí que vi o tamanho da asa que ela deixou cair, com a observação feita, em voz alta, sem ter, inclusive, apertado minha mão: Campo do Brito é a terra do ...... (censurado). Deu meia volta e saiu. O estrondo da bomba ficou, eu, olhos arregalados, a boca aberta, completamente aparvalhado.

Para esquentar a narrativa, a sua condição de carreira, única mulher na profissão, de vara comprida na mão, ponta aguda para espetar os bois, a se locomover pelo cabeçalho, até chegar a frente,  ferrando os bois no momento certo, indo e vindo com desenvoltura, senhora plena do carro de boi, nas estradas e vielas da vida. A condição de carreiro se pregou ao nome: Maria Carreiro.

Dela, histórias múltiplas. Uma delas, levada a Praia de Atalaia, caminhando no meio da jovem mulherada de biquíni, vestido de gola no pescoço, mangas compridas, a saia quase batendo nos pés, cabelo amarrado na forma de cócó, autêntica figura de livros de história de tempos bem remotos, despertou a atenção geral, até das jovens, as de biquíni. Outra liga-se ao pé de moleque que, nos tempos joaninos, trazia para Aracaju, distribuindo com muitas autoridades.

Pois acharam de arrolá-la como testemunha do réu que matou a esposa. Ela e mais dois. Iniciada a cerimônia, foi conduzida à mesa de audiências, indicando-se a cadeira que deveria sentar. A juíza lhe fez a advertência da obrigação de dizer a verdade, de não faltar com a verdade, a ladainha completa, e que caso faltasse com a verdade ou a ocultasse, estaria sujeita a ser presa e processada. Ela, então, abriu a boca, pronunciando a frase que a escrivã não teve coragem de anotar, e assim, escapou dos autos do feito: E mulher rasgada como eu é nada!

Foi o suficiente para ser presa. Dizem que antes de chegar a Delegacia, a polícia recebeu ordem para soltá-la. Apontam a influência de quem recebia pé de moleque nos tempos de São João. O certo é que não perdeu o bom humor. Tanto que, na saída, passando pelas outras duas testemunhas, advertiu-as: Cuidado com o que vão falar. Não abri a boca e estou sendo presa.

Contudo, quando se arrola o nome das grandes mulheres da aldeia, o seu nome não é citado.

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