Aqueles engatilhados sorrisos (políticos)

Marcus Prado
Jornalista

Publicado em: 16/09/2024 03:00 Atualizado em: 16/09/2024 05:47

Num percurso iniciado na cidade histórica de Laranjeiras (SE) até à cidade baiana de Lençóis, ao longo de 800 km. (Chapada Diamantina, tão sugestiva para trilhas fotográficas), era época de propaganda eleitoral, eu via grandes cartazes, adesivos plásticos em janelas residenciais, automóveis enfeitados com a esfinge de candidatos, quase todos esbugalhando um sorriso além do corpo.

Deram-me a impressão de que dentro dos engatilhados sorrisos havia um compromisso de aliança incondicional com a população, suas aspirações; que aqueles tantos sorrisos à beira da estrada poderiam influenciar eleitores, impactar a campanha.

Percebi, no entanto, que os olhos dos retratados não tinham brilho, sem fulgores, frios como lâmina de punhal, dissimulados. Faziam lembrar as páginas folhetinescas de “O Homem que Rí”, de Victor Hugo, a movimentar a engrenagem dos jogos de interesse. Olhavam-nos na impotência de comunicar o que não tinham nada para dizer. A dissimulação é uma característica central na vida, segundo Mikhail Naumovich Epstein, um estudioso literário e ensaísta russo-americano que é o professor de teoria cultural e literatura russa na Universidade Emory, Atlanta, Estados Unidos. Para ele, as pessoas costumam dissimular em cerca de 25% das suas interações diárias. Hamlet, o Príncipe da Dinamarca, obra dramática shakespereana mais adaptada e encenada nos palcos de todo o mundo, talvez seja o personagem que mais ojeriza o mundo dos fingimentos, das aparências e dos sorrisos duvidosos.

Essas sensações se combinam numa experiência complexa que passa a ser articulada e a ser específica, mesmo sem palavras. O luxuoso seriado “Sorriso Real” (também conhecido por “King The Land”), uma aposta de comédia romântica sul-coreana, melosa, mas cativante, produzida pela Netflix, narra a história de um homem rico, elegante, jovem e sua persistência em odiar o sorriso de qualquer pessoa por perto. A “Cantora Careca”, considerada a obra mais conhecida do dramaturgo Ionesco, escrita em 1948, é uma crítica ácida aos fingimentos. Não esqueço os versos da poetisa e heroína russa sobre a qual já escrevi neste Jornal: Anna Akhmátova: “(...) e a ti também eu bebo/aos sorrisos que me mentiram”.

O psicólogo britânico Richard Wiseman, Professor de Entendimento Público de Psicologia na Universidade de Hertfordshire (Reino Unido), graduando-se em Psicologia na University College London, teve a iniciativa de realizar uma pesquisa entre eleitores, que pudesse diferenciar o sorriso verdadeiro e o falso dos candidatos. Charles Darwin escreveu, no seu livro “A Expressão das Emoções no Homem”, um texto antológico sobre o riso do ser humano. Como foi belo o sorriso de Beatriz, do divino Dante, a dona do mais enigmático sorriso no mundo da Poesia! Quando vi o quadro da Mona Lisa, de interpretação dúbia, (Freud interpretou o sorriso de Mona Lisa como uma atração erótica), tive vontade de ficar na sala do Louvre, até sair o último visitante. Só para ver a sua gargalhada, que já não aguentava mais, mangando de todos, diante de tantos olhares dirigidos a ela.

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