As bets e as famílias brasileiras

Alexandre Rands Barros
Economista

Publicado em: 28/09/2024 03:00 Atualizado em: 28/09/2024 06:38

Relatório do Banco Central, liberado essa semana, mostrou alguns números importantes sobre os gastos das famílias com apostas. Estimativas conservadoras (só incluíram apostas por pix) são de que as famílias apostaram R$ 20,8 bilhões em agosto de 2024, o que representou cerca de 6,4% da renda mensal total do trabalho. 17% das famílias que receberam Bolsa Família gastaram, em média, R$ 100,00 no mês em apostas. As pessoas da faixa etária entre 20 e 40 anos são as que mais apostam, proporcionalmente. Os apostadores mais velhos (mais de 60 anos), apesar de serem um percentual menor na população dessa faixa etária, apostam em média R$ 3.000,00 ao mês.

As primeiras estimativas indicam que no Brasil as pessoas estão reduzindo os gastos com comida e transporte para jogar. Essas conclusões são obtidas em pesquisas de opinião e em formato jornalístico. Não têm rigor e podem estar apontando um problema que atinge apenas um percentual pequeno da população. Provavelmente, as pessoas estão reduzindo apostas em outros jogos de azar, como loterias e sorteios, para direcionar os recursos para apostas nas bets. Estudos estatísticos rigorosos nos EUA indicam que as pessoas não reduziram consumo de forma estatisticamente significativa para apostar nas bets, mas apenas a poupança dirigida a aplicações financeiras. Adicionalmente, elevaram seus endividamentos nos cartões de crédito, o que também é uma redução da poupança.

Comparando o que se pensa hoje no Brasil (impacto no consumo) e o que os textos acadêmicos identificam nos EUA, vê-se que há algumas discrepâncias. Como explicação para elas vale destacar, primeiramente, o maior amadurecimento da indústria das bets e de seus usuários nos EUA. Uma segunda possível explicação é que, sendo a renda maior lá, as famílias não teriam necessidade de reduzir consumo. Esse argumento traz alguns preconceitos, mas é possível que tenha algum significado real. Em ambos os países, estudos mostram que as pessoas mais pobres apostam mais nas bets. Isso, provavelmente, decorre do fato de que transações bancárias possuem custos que reduzem proporcionalmente de acordo com os seus valores. Daí, quanto mais pobre for uma pessoa, menor o retorno das aplicações financeiras. Por isso, os mais pobres recorrem mais a “aplicações” de retorno médio negativo (como é o caso das apostas), mas que podem gerar altos rendimentos, quando obtêm sucesso. Os mais ricos, por sua vez, possuem retorno maior nas suas aplicações financeiras. Por isso, optam por essas que têm retorno médio esperado positivo. Essas diferenças nas preferências por nível de renda poderiam explicar por que no Brasil as pessoas poderiam até mesmo sacrificar consumo para apostar, enquanto nos EUA esse fenômeno é menos observado.

Essa abordagem econômica, em que se sugere que o comportamento diante das bets pode ter uma racionalidade nas preferências dos consumidores, indica que não há ainda evidência de que as apostas estão criando comportamento irracional em larga escala. Como consequência, restringir as apostas seria uma forma de reduzir o bem-estar da população. Entretanto, sempre tivemos classes média e alta que acham que devem mandar nas classes mais pobres e definir o que elas deveriam fazer. Por isso, estamos sob ameaça de proibição. Contudo, se os filhos são prejudicados por essa atitude diante dos riscos incorridos pelos pais, talvez realmente caiba ao Estado uma regulamentação para protegê-los. Ou seja, temos que ter mais informações e aprofundar as reflexões. Mas, que isso não seja feito de forma arrogante pelas classes mais abastadas.

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