Do rinoceronte Cacareco à banqueta voadora

Sérgio Ricardo Araújo Rodrigues
Advogado e Professor Universitário

Publicado em: 20/09/2024 03:00 Atualizado em: 20/09/2024 05:25

O fenômeno do rinoceronte Cacareco em 1959 é um dos episódios mais curiosos e emblemáticos da política brasileira. Cacareco, uma rinoceronte fêmea do Zoológico do Rio de Janeiro, foi emprestada ao Zoológico de São Paulo e acabou se tornando um símbolo de protesto nas eleições municipais de São Paulo daquele ano.

Insatisfeitos com os candidatos disponíveis, muitos eleitores decidiram votar em Cacareco, escrevendo seu nome nas cédulas de papel. O resultado foi surpreendente: Cacareco recebeu cerca de 100 mil votos, mais do que qualquer outro candidato. Esse voto de protesto refletia a frustração da população com a corrupção e a ineficácia dos políticos da época.

O caso de Cacareco ganhou notoriedade internacional e até inspirou a criação de um partido político no Canadá, o “Rhinoceros Party”, que existiu até 1993. Esse episódio é frequentemente lembrado como um exemplo do poder do humor e da sátira na política, além de ser um alerta para os políticos sobre a insatisfação pública.

Recentemente temos observado a presença daqueles que se dizem “outsiders” da política, que miram justamente este público que se encontra insatisfeito com o modo de fazer esta política.

Estes candidatos não trazem propostas semelhantes aos políticos ditos tradicionais, mas pregam romper com toda a Institucionalidade política existente, se intitulando como libertadores da sociedade contra toda opressão existente nos Poderes Institucionais.

Em muitos casos esses candidatos, ao se colocarem como salvadores, libertadores, entram em debates prontos para o embate verbal e até físico, mas infelizmente não com debates de ideias.

Em algumas situações com gestos midiaticamente calculados e voltados a atingir “likes” eletrônicos e quem sabe novos seguidores/eleitores.

Esses debates organizados pela Mídia Nacional tem redundado em violência física e verbal, onde, infelizmente, até uma banqueta ficou famosa em São Paulo, pois foi arremessada em direção a um candidato enquanto este esbravejava contra o outro.

No Brasil, um relatório do Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral (IDEA) destacou que o país registrou piora em diversos indicadores democráticos nos últimos anos, como liberdades civis, independência do Judiciário e liberdade de expressão.

Globalmente, a democracia também está em declínio. Um estudo da Universidade de Gotemburgo apontou que mais de 2,5 bilhões de pessoas vivem em países onde a democracia está em retrocesso, incluindo nações como Estados Unidos, Índia e Polônia. Fatores como a pandemia, corrupção, protestos antidemocráticos e ameaças às instituições têm contribuído para essa tendência.

Esses desafios ressaltam a importância de fortalecer as instituições democráticas e promover a participação cidadã para garantir a sustentabilidade das democracias ao redor do mundo

A insatisfação política no Brasil tem sido um tema recorrente nos últimos anos. Diversos fatores contribuem para esse sentimento generalizado de descontentamento:

Corrupção: Escândalos como a Operação Lava Jato revelaram esquemas de corrupção envolvendo políticos de alto escalão e grandes empresas, minando a confiança da população nas instituições.

Crise Econômica: A recessão econômica que o Brasil enfrentou a partir de 2014 resultou em altos níveis de desemprego, inflação e desigualdade social, exacerbando a insatisfação.

Desigualdade Social: A disparidade de renda e a falta de acesso a serviços públicos de qualidade continuam a ser grandes desafios, gerando frustração entre os cidadãos.

Polarização Política: A polarização extrema dificulta o diálogo e a cooperação entre diferentes grupos políticos, levando a um ambiente de constante conflito e impasse.

Uma pesquisa do Pew Research Center revelou que 83% dos brasileiros estão insatisfeitos com o funcionamento da democracia no país. Esse descontentamento reflete a percepção de que os políticos não estão resolvendo os problemas da população e que a corrupção é endêmica.

Para enfrentar esses desafios, é essencial fortalecer as instituições democráticas, promover a transparência e combater a corrupção de forma eficaz. Além disso, incentivar o diálogo e a inclusão de todas as vozes na tomada de decisões políticas em um verdadeiro debate pode ajudar a restaurar a confiança da população no sistema democrático, sob pena de que o candidato mais lembrado seja uma “banqueta voadora”.

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