Lei Maria da Penha - 18 anos de desafios e conquistas

Daisy Maria de Andrade Costa Pereira
Desembargadora integrante da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Pernambuco e da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar

Publicado em: 21/09/2024 03:00 Atualizado em: 21/09/2024 00:05

O enfrentamento da violência contra a mulher é um desafio para a justiça, remetendo-nos a dois Tratados Internacionais, ratificados pelo Brasil: a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher (ONU, 1979) e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Belém do Pará, 1994). A partir de então, nasce a necessidade de implementar políticas de proteção às mulheres, gerando transformação cultural em uma sociedade que, historicamente, naturalizou o desprezo e a desvalorização da mulher, reservando a ela um papel secundário ou mesmo invisível.
A Constituição Federal de 1988, denominada Constituição Cidadã, avançou na proteção das relações familiares ao dispor, no art. 226, §8º a obrigação do Estado em assegurar assistência à família na pessoa de cada um dos integrantes, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
Em 2006 é publicada, no dia 07 de agosto, a Lei Nº 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, que regulamentou o §8º do art. 226 da Constituição e reforçou a importância dos tratados internacionais, criando mecanismos para combater e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, com instalação de unidades judiciais especializadas e adoção de medidas de assistência e proteção. Entrando em vigor em 21 de setembro de 2006, hoje ela completa 18 anos de vigência sendo considerada um marco na construção de políticas de proteção às mulheres. Entretanto, ainda surgem algumas indagações: a Lei Maria da Penha tem cumprido seu papel? O número de violações dos direitos humanos das mulheres está aumentando ou mais mulheres decidiram quebrar o silêncio? Os homens autores de violência estão reconhecendo a necessidade de mudança ou estão reagindo e intensificando as agressões?
Essas e outras questões exigem uma avaliação mais profunda. Não pretendo em poucas linhas trazer respostas, entretanto lançarei um olhar acerca do relevante papel do Poder Judiciário diante de tantos desafios. Além da prestação jurisdicional com a punição dos autores da violência, o Poder Judiciário, através da Coordenadoria da Mulher desenvolve ações e projetos voltados à prevenção da violência. Certa vez, indagada sobre o aumento da violência contra mulher e o que faltava fazer para sua redução, respondi: “Precisamos atuar na causa da violência pois, até então, estamos atuando apenas no seu efeito”. Sabemos que a causa da violência contra a mulher é a masculinidade tóxica a ser trabalhada para Reconstruir na mente do homem uma nova forma de exercê-la dissociada da força física e do domínio patriarcal imposto ao longo do tempo. Atuar com os autores de violência não significa negligenciar a proteção das mulheres, menos ainda representa uma não responsabilização do homem autor da violência.
Foi pensando nessa direção que a Lei Nº 13.984/20 acrescentou os incisos VI e VII ao art. 22 da Lei Maria da Penha, permitindo ao juízo determinar o comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação e acompanhamento psicossocial. No mesmo ano, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), através da Recomendação Nº 124, passou a orientar a criação e manutenção de grupos voltados à reflexão e responsabilização de agressores. Com a criação dos Grupos Reflexivos de Autores de Violência Doméstica, se inaugura no Judiciário uma nova estratégia de proteção da mulher com o foco na causa da violência.
Os desafios são crescentes, por isso precisamos manter vivo o pensamento do ex-secretário-geral da ONU, Kofi Annan: “A violência contra as mulheres é talvez a mais vergonhosa violação dos direitos humanos. Não conhece fronteiras geográficas, culturais ou de riqueza. Enquanto se mantiver, não poderemos afirmar que fizemos verdadeiros progressos em direção à igualdade, ao desenvolvimento e à paz”.


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