O Leopardo e a OAB

Pedro Henrique Reynaldo Alves
Ex-presidente da OAB/PE

Publicado em: 25/09/2024 03:00 Atualizado em: 24/09/2024 22:32

Andei relendo o clássico de Tomasi di Lampedusa, O Leopardo (Il Gatopardo). Inspirado na trajetória de um nobre antepassado do próprio autor, Don Fabrizio, o livro traz grandes reflexões políticas de uma era marcada pelo declínio da aristocracia siciliana. Numa de suas célebres citações o Príncipe de Salina acentua: “Nós fomos os Leopardos, os Leões; quem nos substituirá serão os pequenos chacais, as hienas; e todos — Leopardos, chacais e ovelhas — continuaremos a acreditar que somos o sal da terra.”  Logo me veio um inevitável paralelo com a Ordem dos Advogados do Brasil, uma instituição de tantos feitos e glórias passadas, cujo declínio parece ter se iniciado.

Há 18 anos reunimos um grupo de colegas, imbuídos de firme propósito de mudança e, sob a liderança de Jayme Asfora, inauguramos um novo ciclo na Ordem, destronando o que acreditávamos estar em declínio, seja na esfera estadual como na nacional. Se sucederam gestões exitosas, compromissadas com o papel de “sal da terra” de nossa instituição, num compromisso, com a advocacia e a sociedade, de velar pelos valores mais puros de nossa Constituição, com independência, coragem e altivez.

Acreditando que o ativo mais valioso da OAB não é material mas sim moral, mesmo não nos descuidando das obras de “pedra e cal”, a principal preocupação de nosso grupo era sobretudo cumprir com destemor o papel de representantes dos advogados, sempre “combatendo o bom combate”, mesmo a custas de desgastes com as autoridades constituídas, em prol do fortalecimento de nossa classe.

Olhando os tempos atuais, sinto que a OAB parece ter se perdido de seu virtuoso caminho, ocupando-se em demasia com assistencialismo, como se fosse um mero Clube de Serviços, sem conseguir disfarçar sua inação diante de tantos descalabros cometidos contra o Direito e o próprio exercício da advocacia. Essa omissão complacente, infelizmente,  veio acompanhada de outros vícios, como a falta de transparência, hipocrisia e indevida interferência política no processo eletivo de advogados(as) para vaga de Desembargador(a) no TJPE.

O crescente distanciamento dos advogados dos órgãos jurisdicionais, a postura tirânica do STF, dentre outros abusos cometidos, sob a inércia da Ordem, vêm contribuindo para uma falsa normalização do inaceitável, agravando o desprestígio de nossa classe. Nossos mandatários parecem não compreender que suas omissões, motivadas por receios pessoais de represálias, trazem enorme custo para a advocacia e toda sociedade.

Os atuais “Leopardos” da OAB possuem grande vocação para o garbo e se mostram sempre fotogênicos nos salões e eventos sociais. Já no cumprimento de seus deveres de defesa das prerrogativas dos advogados, eles rugem como leões para Cabos e Soldados, enquanto miam como gatinhos para Juízes e Desembargadores. Tal como as hienas, animais necrófagos, adoram “cachorros mortos”, mas temem qualquer animal poderoso, que possa ameaçar suas carreiras profissionais.

Percebo que o prestígio da advocacia vem involuindo e que nunca experimentamos tamanho distanciamento dos órgãos e serventias jurisdicionais, o que evidencia uma fadiga de material humano e político na OAB/PE que reclama urgente renovação.

A luta do momento é para preservar a nossa dignidade profissional, seriamente ameaçada, pelo que conclamamos cada advogado(a) a atuar com coragem e independência, virtudes ausentes em nossos(as) atuais líderes da classe. Como acentuado na célebre citação do referido livro, “se quisermos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude”.

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