À sombra do serrote ( I )

Samuel Albuquerque
Historiador, Professor da Universidade Federal de Sergipe e sócio do IAHGPE

Publicado em: 09/10/2024 03:00 Atualizado em: 09/10/2024 05:16

Em julho de 2017, a Universidade de Brasília (UNB) sediou a 29ª edição do Simpósio Nacional de História, importante evento bianual, realizado pela Associação Nacional de História, a ANPUH. Na ocasião, apresentei o trabalho intitulado “Uma caçada medonha”, em simpósio temático coordenado por colegas que atuam da Sociedade Brasileira de Estudos do Oitocentos, a SEO.

Debruçava-me sobre a perseguição ao bandoleiro José Caetano de Morais, capitaneada por Apolinário Florentino de Albuquerque Maranhão, coronel da Legião das Guardas Nacionais de Garanhuns, uma peleja que avançou pelos sertões de Pernambuco, Alagoas, Bahia e Sergipe, em 1851.

Em apertada síntese, explico que a mencionada perseguição pode ser lida no contexto das lutas entre lisos e cabeludos (conservadores e liberais) das Alagoas, entre os anos 40 e 50 do século XIX, conflitos que se espraiaram pelos sertões da capitania vizinha, Pernambuco.

O dito bandoleiro, o “último dos Morais”, era filho homônimo do padre José Caetano de Morais, vigário e líder conservador de Palmeira dos Índios, assassinado em 1844, no auge das lutas entre lisos e cabeludos. O coronel Apolinário era irmão do Barão de Atalaia, Lourenço Cavalcanti de Albuquerque Maranhão, prócere do Partido Liberal nas Alagoas e considerado um dos responsáveis pela morte do religioso.

Os irmãos Lourenço, Apolinário e toda sua parentela, estabelecida nos sertões da Comarca de Garanhuns, foram jurados de morte pelos filhos do padre Morais. Eis a origem da perseguição, que ganhou fôlego após atentado conduzido pelo bandoleiro José de Morais em agosto de 1850, na Fazenda Saloubre, em cuja casa-grande residiam os pais, familiares e agregados do Barão de Atalaia.

Entre as questões que ficaram sem resposta à altura da apresentação do trabalho, em 2017, estava a da identificação do local do desfecho daquela perseguição. Os jornais que noticiaram seus episódios, bem como a parca bibliografia que a menciona, não foram precisos e apontavam para a região sertaneja entre Bahia e Sergipe, próxima ao Rio São Francisco.

Inicialmente, a notícia mais substancial que dispunha apanhara em Moreno Brandão. Em sua clássica “História de Alagoas”, de 1909, ele me dizia que o local da captura e do assassinato do bandoleiro seria “às faldas de uma serra, a Serra da Vacca”, em “um lugar solitario denominado Cipò de Leite” (Brandão, Moreno. “Historia de Alagôas”. Penedo: J. Amorim, 1909. p. 85).

Antes mesmo do evento em Brasília, tratei de procurar, em mapas antigos e recentes, lugar na vasta zona sertaneja à margem direita do São Francisco denominado Cipó de Leite. Ele existia e é, hoje, um acanhadíssimo povoado do município de Pedro Alexandre, no Nordeste da Bahia. Viajei para lá em 15 de abril de 2017, um Sábado de Aleluia, dando com muitos Judas dependurados em mastros cravados no entorno de rústicas vivendas, às margens da estrada que, bordejando a Serra Negra, liga os municípios de Poço Redondo, em Sergipe, e Pedro Alexandre, na Bahia. Dos (in)sucessos dessa viagem, trataremos em um próximo artigo.

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