IA e o restauro de obras de arte: falsificadores podem usar essa tecnologia

Marcus Prado
Jornalista

Publicado em: 07/10/2024 03:00 Atualizado em: 06/10/2024 23:12

Quando estive no Museu de Capodimonte, em Nápoles (1998), fiquei cheio de admiração com os dois painéis intitulados Deus Pai e Virgem Maria, (1501), pintados pelo famoso artista italiano do Renascimento Rafael Sanzio, que eu conhecia com riqueza de detalhes através das edições temáticas da Taschen. (Não conheço nada que supere em livros de arte a qualidade dessa editora alemã). Imperdível também: a Galeria Umberto I, um impressionante exemplo arquitetônico do século XIX que compõe uma das galerias mais importantes do país, junto com a Galeria Vittorio Emanuelle II de Milão. Todas com um quadro de restauradores de forte experiência acadêmica e cientifica. Há cerca de uma semana tive a notícia (Revista Science Advances) de que uma equipe de investigadores italianos conseguiu realizar o restauro desses painéis com a ajuda de raios X e da inteligência artificial (IA). A interação entre IA e público apreciador da arte está revolucionando o mundo.  A sua tecnologia provou que pode mudar radicalmente a análise de obras de arte no que se refere à restauração e ao ajuste de perdas. “É provável que, em breve, os falsificadores usem essa tecnologia para criar obras imitadas com todas as características, qualidades e pinceladas do artista original”.

A arquiteta pernambucana Karla Grimaldi, professora, de formação acadêmica na Europa, especialista em restauro, com larga trajetória profissional dentro e fora de Pernambuco, é de opinião que “desde o lançamento das diversas Cartas patrimoniais redigidas para guiar as ações de restauro como a de Veneza, os autores, acadêmicos e órgãos responsáveis tentam regular as práticas de restauro visando sempre resguardar e respeitar a matéria original e a pátina do tempo das obras e edificações de valor histórico. Porém, as práticas hoje adotadas pelos “restauradores” são cada vez mais contrárias às ditadas nas Cartas, trazendo falsos históricos. Ela cita “altares”, talhas douradas, pinturas e azulejos antigos como novos, desrespeitando, encobrindo e destruindo as memórias da matéria original, e a pior parte: Recebendo os aplausos do público que não tem conhecimento do que se deve preservar no antigo, que elogia as repinturas, demolições de estuques originais e substituições por argamassas retas e lisas que imitam o que era antigo, porque são mais perfeitas, coloridas ou mesmo mais brilhantes com suas micas e purpurinas. A culpa não é do público, e sim dos ditos “restauradores” e da fiscalização que por vaidade, ignorância ou mesmo facilidade, utilizam destes artifícios para iludir e aludir a um trabalho bem feito”. No final, conclui a professora Karla, “teremos nenhum patrimônio resgatado, nenhum resquício da verdadeira história e muita réplica bem feitinha”. Um templo chinês do século XVIII foi “restaurado” por “artistas. Os antigos afrescos, que contavam a história do budismo, ficaram irreconhecíveis. (Fonte: Marina Mattar). Houve indignação até de leigos. “A história imanente armazenada na obra de arte” (Theodor Adorno), é corrompida. Para Karla Grimaldi, a indignação dos leigos sempre vem tarde demais. “O problema maior aqui é a autorização do governo e dos órgãos competentes. A destruição é legalizada e tem até alvará”. Nos últimos anos, imagens de restauração de obras de arte malsucedidas circularam nas mídias do mundo inteiro.

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