O futebol, trajetória

Vladimir Souza Carvalho
Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras

Publicado em: 12/10/2024 03:00 Atualizado em: 11/10/2024 23:32

O lápis de cor era pequeno. O estojo só continha seis: vermelho, preto, verde, amarelo, azul e branco. Este último, ao mesmo tempo, dúvida e desafio. Eu escrevia no caderno e nada aparecia, único lápis que não diminuía de tamanho. Contudo, o ponto de atração recaia no desenho do estojo: um lance de jogo de futebol, uma trave, o goleiro pulando, algum jogador também no ar e qualquer outra coisa que se perdeu na memória. Eu não cansava de fita-lo. Embora nunca tivesse assistido a uma partida, alguma energia oculta me atava e atraia ao desenho.

Depois, entra em cena a biblioteca do padre, como conhecida. Os lances de gols na última página, a sequência da bola em traços exibidores de um lance, a pelota indo de jogador a jogador, o chute, o goleiro com as mãos abertas e a bola passando. Nome da revista: Esporte ilustrado. A biblioteca tinha um bocado. Eu olhava os lances dos jogos, Flamengo, Fluminense, Vasco, Botafogo, América, etc., um por um, de partidas com uns quinze anos de atraso. E novamente, a mesma curiosidade para os bonecos que representavam os atletas.

É quando começo a ir ao cinema. No jornal, uma vez por semana, lances de partida no Maracanã. O Brasil, em termos futebolísticos, se resumia ao Rio. Os lances e uma música tradicional – o som que ainda escuto, embora não saiba traduzi-la em letras, os atletas focalizados bem em cima, a meninada gritando como se estivesse ocorrendo naquele exato momento, a vibração quando o gol ocorria, a tristeza quando o Flamengo perdia – ora, já tinha perdido antes -, a espera, no outro domingo, de mais uma partida. Uma dádiva chegava as mãos de quando em quando: pedaço da fita cortada na hora da transmissão, o operador nos presenteava, a gente olhava, em confronto com o sol, se deliciando com o que via, até que perdia o interesse e a película ia parar no lixo.

Nos dias atuais, a televisão com imagem mais do que nítida, canais de esporte, jogos de inúmeros campeonatos europeus transmitidos, os daqui também, copa do mundo e tudo mais direto, a partida sendo vista sem ninguém sair de casa, apegados todos a uma verdade que não mais existe, de só o brasileiro saber jogar futebol. O que não vem à tona é o que está atrás das convocações, contratações, arbitragens, segredos que nem o Diabo descobre, e não descobre porque está metido nas armações até o pescoço.  O bobo da corte é sempre o torcedor.

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