O terceiro mundo na reunião do BRICS

Rodrigo de Abreu Pinto
Advogado, filósofo e Diretor da Câmara de Comércio Brasil-Portugal

Publicado em: 31/10/2024 03:00 Atualizado em: 30/10/2024 22:07

Os chefes de Estado do chamado “Sul Global” estiveram em Kazan, na Rússia, para a reunião de cúpula do BRICS.

Foi a primeira vez que participaram não apenas os líderes dos países que nomeiam o BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Também estavam os chefes dos países que ingressaram na reunião de Johanesburgo no ano passado: Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Irã.

Às vésperas do encontro em Kazan, dizia-se que quarenta países eram candidatos para a adesão ao bloco naquela reunião. O crescente interesse em integrar o BRICS reflete uma busca por alternativas fora do eixo tradicional liderado pelos Estados Unidos e a Europa.

O BRICS nasceu em 2019 para promover uma maior cooperação entre países emergentes, além de fomentar uma governança internacional mais aberta e menos dominada pelos países ocidentais.

Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul atuariam conjuntamente para reequilibrar as desigualdades da ordem global – o que, afinal, não significava a promoção de uma ordem internacional anti ou pós ocidental, mas uma ordem internacional mais representativa.

O BRICS resultaria em ganhos aos seus membros. Veja o caso do Brasil: de um lado, fortaleceu os laços comerciais com os membros do bloco (as exportações brasileiras para os países do BRICS cresceram doze vezes entre 2003 e 2023); de outro lado, manteve intacta as suas relações com o Ocidente.

Mais recentemente, as disputas comerciais entre os Estados Unidos e a China, somado a guerra na Ucrânia entre os países da OTAN e a Rússia, suscitariam uma guinada na orientação do BRICS.

Em lugar de impor limites à política externa euroamericana, China e Rússia elevariam o BRICS a pilar de sustentação de uma nova ordem internacional. Ao menos é assim que se leu o convite para o ingresso do Irã, a despeito do pleito de África do Sul, Brasil e Índia contra a inclusão de países explicitamente antiocidentais.

Isso tão logo resultaria em “uma visão negativa do Brics”, nas palavras do chanceler brasileiro, Mauro Vieira. Ilustra isso que os outros dois países convidados a ingressar na reunião de Johanesburgo - Arábia Saudita e Argentina – não aceitaram o convite justamente por esta razão.

África do Sul, Índia e Brasil participariam da reunião de Kazan decididos a frear a transformação do BRICS. O presidente Lula não esteve presente por causa do acidente na cabeça, mas enviou uma mensagem de vídeo em que destacou a atuação dos países no G20 e na COP30, dois fóruns internacionais de cooperação entre o Ocidente e o Sul Global.

A pressão resultaria em limites à expansão do BRICS prevista às vésperas do encontro de Kazan.

Em primeiro lugar, não foram aceitos novos membros, mas apenas “parceiros” sem poder de voto e veto. Ao lado disso, apenas 13 parceiros foram aprovados, dentre os quais não estão países vetados por algum dos membros, como Nicarágua e Venezuela que enfrentaram resistência do Brasil.

Por fim, a declaração final priorizou as críticas às estruturas de governança da ONU, OMC e FMI, em linha com o espírito original e reformista do BRICS.

Em artigo recente, o mais novo vencedor do Prêmio Nobel, o economista Daren Acemoglu, defendeu que “o mundo não precisa de mais países caindo sob a influência da China e da Rússia, ou alinhando-se contra os Estados Unidos; pelo contrário, necessita de um terceiro grupo genuinamente independente para oferecer um contrapeso tanto ao eixo China-Rússia quanto ao poder dos EUA”.

A reação de África do Sul, Brasil e Índia no BRICS reflete a consciência de que os seus interesses não serão bem atendidos pelo agravamento das relações sino-americanas.

Questões globais não serão resolvidas sem os Estados Unidos e a Europa, assim como o Ocidente não tem como resolvê-las sem a China e a Rússia. É isso que a reunião de Kazan deixou de lição.

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