Para Mada, com amor

Karla Almeida
Jornalista

Publicado em: 11/10/2024 03:00 Atualizado em: 10/10/2024 23:06

O céu do Recife era de um azul pálido naquela quarta-feira, primeiro de abril de 1964.

O golpe se aproximava. Os militares estavam dispostos a tomar o poder.  

No Palácio do Campo das Princesas, residência oficial do governador Miguel Arraes e família, a tensão era ainda maior.

Mesmo assustada com a notícia de que os tanques avançavam em direção ao local, a primeira-dama, Maria Magdalena Fiúza Arraes de Alencar, tentou manter a rotina da casa e dos filhos.

Na sequência dos acontecimentos, o palácio foi cercado pelos militares, o governador destituído do cargo e conduzido para o 14º Regimento de Infantaria, sem contato com a família. No dia seguinte, foi levado preso para Fernando de Noronha, onde ficou por nove meses.

Foi um golpe devastador para os brasileiros e particularmente para Dona Magdalena. A partir de então, ela enfrentou, sozinha, as angústias e os desafios que aqueles fatos marcantes impuseram à sua família.

Pouco tempo depois, em maio de 1965, veio a mudança para a Argélia, já com a notícia da chegada do caçula. Pedro nasceu nos arredores de Paris, na antiga maternidade de Boulogne-sur-Seine, numa fria terça-feira de janeiro de 1966, com o mais lindo par de olhos azuis herdados do pai, e que mais tarde me conquistariam. Aquele bebê era um sopro de esperança e alegria em meio ao turbilhão de emoções que se tornara o exílio.

Eu conheci Dona Magdalena muito depois, após a redemocratização e o retorno de Miguel Arraes ao Brasil. Foi em 1989, no segundo mandato dele como governador do Estado.

Na época, fui convidada para atuar no “Pernambuco Informa”, um informe publicitário que destacava as ações do governo e seu impacto na vida dos pernambucanos. Uma experiência marcante para mim, não só pelas transformações sociais que eu testemunhava, mas também pela oportunidade de acompanhar de perto Dr. Arraes e Dona Magdalena.

Como parte da comitiva que seguia com o governador, muitas vezes registrei momentos cotidianos do casal. Nesses instantes, me chamava a atenção a serenidade daquela mulher, companheira incansável, que tantas incertezas enfrentou pelo amor à família e ao homem que escolheu para compartilhar a vida.

A cumplicidade entre os dois ia além do campo político e encontrava alicerce na parceria de vida, construída em meio a tempos turbulentos, mas regada pela confiança e pelo afeto inabaláveis.

Dr. Arraes, conhecido pelo comportamento reservado, não escondia a satisfação de tê-la ao seu lado nos eventos oficiais. Havia uma quietude na essência de Dona Magdalena que transmitia segurança e apoio.

De longe, eu observava a atmosfera que os unia, me encantava, e já nutria por ela uma admiração enorme, sem nunca imaginar que um dia nossos caminhos se cruzariam de forma tão significativa.

Quis o destino - sempre ele - que, muitos anos depois, eu me tornasse parte dessa história. Quando conheci Pedro, e o coração deu sinais de que o amor por ele era algo especial, passei a conviver com a família, sendo acolhida pela figura doce e marcante da querida Mada.

Aos poucos, fui conhecendo mais intimamente a trajetória que sempre admirei: a infância no Ceará, a juventude no Rio de Janeiro, o namoro com Arraes, a vida à beira do Mediterrâneo, o trabalho como primeira-dama do estado por três ocasiões, e tantas histórias que só reforçavam o quanto ela era forte, sábia e generosa.

Como sogra, Mada se revelou uma mãe cuidadosa e carinhosa, um amparo silencioso na vida a dois que eu levava com seu filho. Sempre presente, pronta para ajudar.

Ela se foi há exatos três meses. Partiu de forma suave, como os passos que marcaram seus 95 anos de vida.

Deixou um vazio enorme entre nós, mas cumpriu seu papel com uma dignidade que ia além das aparências. Era nobre, sem ostentação.

Com ela, aprendi que a verdadeira elegância está na simplicidade e na delicadeza dos gestos silenciosos, cheios de afeto e atenção. Esses são os que têm maior valor.

Meu coração estará sempre cheio de gratidão por ela e de saudade.

Obrigada por tudo, Mada, e pelo melhor presente que você me deixou.

A Pedro, com carinho.

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