Roberto Magalhães, o não-político

Aldo Paes Barreto
Jornalista

Publicado em: 18/10/2024 03:00 Atualizado em: 18/10/2024 05:30

O ex-governador de Pernambuco entre 1983 e 1986, Roberto Magalhães, que está aí vivo e saudável, merecedor de todas as homenagens que devem ser prestados a um gestor público, culto, probo, que fez da política a arte do bem comum. Embora não fosse “político”, pela incapacidade de cultivar a popularidade ou de atender favores não republicanos, Roberto Magalhães faz parte do pequeno grupo que serviu sem se servir do poder.

Quando governador, costumava viajar pelo interior, observando as obras públicas ou animando correligionários. Certa vez, em Salgueiro, o governador assim que desembarcou da caminhonete Veraneio na qual costumava viajar, foi abordado por um cidadão de aspecto grave, carregando uma gaiola: -  “governador, eu sei que o senhor é apreciador de canários. Este aqui é o melhor, o maior cantador do Sertão. Por isso, eu trouxe para o senhor... Aceite. É a homenagem de um humilde sertanejo!”.

Constrangido e envaidecido ao mesmo tempo, Magalhães relutou em receber o presente: - “Mas, meu amigo, esse canário tem muito valor para o senhor. Não se desfaça dele; eu já me sinto homenageado com seu gesto”.

- “Não, senhor governador! Já decidi. O canário é seu. Tome!”.

Apreciador do canto dos pássaros de sua terra, a Magalhães não restou outra alternativa. Chamou o ajudante e recomendou: - “Capitão, coloque a gaiola no carro e cuide para o canário ir confortável”.

Agradeceu ao matuto e já se encaminhava para outro compromisso, quando foi novamente abordado pelo mesmo cidadão: -  “Governador, é que eu tenho duas sobrinhas que estão desempregadas...”.

- “Capitão! Traga de volta essa gaiola! E devolva a esse senhor!”.

Doutor Roberto podia perder o voto, o eleitor, o amigo, mas só dizia o que pensava e só comia o que gostava. Fez política de forma singular, capaz de cometer as maiores franquezas não importando quando nem onde, muito menos diante de quem. “Palavras não foram feitas para esconder o pensamento”, repetia.

Durante visita que fez a Serra Talhada, na campanha para governo do estado, em 1981, teve o deputado Inocêncio Oliveira como cicerone. O almoço ia ser servido, anunciou o correligionário. Magalhães sentou-se à mesa. Da fumegante panela colocada sobre a mesa, saia o cheiro intenso de gorduroso sarapatel, molho escorrendo pela toalha. Embora de aspecto duvidoso, o sarapatel foi especialmente preparado pelo cozinheiro do Gregório, o mais famoso do Recife.

Quando Magalhães botou o olho na engordurada panela, assustou-se:    

-  “Mas, o que é isso, Inocêncio?”.

- “Sarapatel, doutor Roberto! Especialmente feito para o senhor”.

- “Sarapatel?! Deus me livre... Vocês deviam mandar essa coisa para os  adversários... Mande para dr. Arraes. Ouvi dizer que é o prato preferido dele em Paris...”.  

Em outra cidade da região, a comitiva de Roberto Magalhães foi chegando e o antigo prefeito, gripado, tossindo, espirrando, adiantou-se para saudar o governador. Puxou do bolso um lenço que mais parecia um lençol de casal e assoou o nariz, deixando metade do produto nasal a escorrer pela lapela do paletó. Mesmo assim, apressou-se para abraçar Magalhães, e o faria se não fosse prontamente interrompido:

- “Você não vai me abraçar com o paletó sujo desse jeito, vai, prefeito?”, perguntou Magalhães, apontando a melequeira.

Desconfiado, o chefe político passou a mão na lapela suja, limpou a dita na perna da calça, esboçou um riso amarelo, e sem qualquer desconfiômetro tentou o aperto de mão.

- “Mas com a mão suja, seu Epaminondas?” – recuou Magalhães.  Aí o prefeito ficou zangado. Recolheu a mão e o apoio.

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