Amarela

Aldo Paes Barreto
Jornalista

Publicado em: 01/11/2024 03:00 Atualizado em: 01/11/2024 05:29

Cronista do Recife, Arthur Carvalho abre gavetas da memória e traz achados preciosos de um tempo passado, que ele viveu intensamente. Aqueles anos dourados da nossa juventude, quando a cidade se reinventava em modernizações urbanas, ascensão política, lideranças nos esportes, nas artes; intimidade com os hábitos burgueses e noites alegres, plenas de poesia e de encantamento. Quando o Recife chegou à maioridade noturna e aconchegantes bares ocuparam os melhores pedaços da cidade, o Recife já não dormia tão cedo.

Naquele clima de festa de fim de ano, o empresário Manoel Correa, Zinho, abriu o Canavial. Ele e a Heloísa Helena, a atriz de fama nacional e de variados talentos. Sucesso imediato. O Recife estava com sede.

Pouco temo depois, o casal arquitetou e abriu a mais exuberante boate que a noite brasileira conhecera: a Rosa Amarela, funcionava no último andar no então edifício Jornal do Commercio.  O nome era da  canção de Carlos Pena musicada por Capiba: A mesma Rosa Amarela. Heloísa Helena sempre a cantava e exaltava a beleza da composição. Mostrava com entusiasmo a várias colegas. Maysa então, no auge, foi uma delas.

Maysa ainda Matarazzo gravaria Rosa Amarela, em 1962, iniciando o sucesso musical que seria gravado por centena de artistas ou grupos dos mais distantes países e diversificadas culturas. O poeta Carlos Penna não viveu para ouvir seu soneto em forma de canção, preâmbulo da bossa nova, garantem os entendidos.

O poeta do azul, o poeta do Recife era carnavalesco. Conhecia os passos acrobáticos, admirava o mestre Levino Ferreira, - poeta do frevo sem versos - cantava e pulava sob o ritmo frenético, certidão musical da gente pernambucana. Embora tenha passado boa parte da existência em Portugal, Carlos Pena entendia o Recife como poucos e descreveu a alma da cidade, revelando a identidade da outrora heroica e independente capital pernambucana, em preciso retrato do Recife que ficou:

“Recife, cruel cidade
águia sangrenta, leão.
Ingrata para os da terra,
boa para os que não são.
Amiga dos que a maltratam,
inimiga dos que não,
este é o teu retrato feito
com tintas do teu verão
e desmaiadas lembranças
do tempo em que também eras
noiva da revolução.”


Pouco antes de morrer, Carlos Penna viveu seu último carnaval. Estava noivo de uma jovem muito bonita, futura e talentosa artista plástica: Tania. A noiva convalescia de gripe e não poderia ir, mas concedeu—lhe licença especial: uma amiga comum o acompanharia naquela festa, o carnaval do Internacional. E assim foi feito. O transitório casal divertiu-se sob os acordes da orquestra de Nélson Ferreira.

Dias depois, Carlos Penna procurou o amigo Capiba e mostrou-lhe o soneto que fizera sobre aquele carnaval e a breve parceira. Queria que Capiba musicasse os versos, como já fizera com outras criações dele. Carlinhos era autor de alguns dos mais belos poemas da língua portuguesa, íntimo conhecedor de nossa Cidade, partiu cedo. Com Capiba, ficaram os versos e a história de amor, da fidelidade, e do jeito escolhido para contar como fora a breve companhia:

Você tem quase tudo dela
O mesmo perfume
A mesma cor
A mesma rosa amarela
Só não tem o meu amor
Mas nesses dias de carnaval
Para mim, você vai ser ela
O mesmo perfume
A mesma cor
A mesma rosa amarela
Mas não sei o que será
Quando chegar a lembrança dela
E de você apenas restar
A mesma rosa amarela.


O poeta morreu em 1960. Tinha apenas 30 anos.

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