Com a popularização de sites, blogs e páginas nas redes sociais que alegam oferecer conteúdo informativo, fica fácil o eleitor cair numa armadilha. O problema das “notícias falsas” não é exclusividade da internet, nem é uma novidade. No entanto, o que mudou foi o alcance e a velocidade que esses assuntos se espalham. Levantamento realizado pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai), da Universidade de São Paulo (USP) revela que essa ameaça é bem maior do que se imaginava. Somente nas redes sociais, 12 milhões de pessoas compartilham informações inverídicas, as chamadas fake news. O mundo entrou em alerta após o FBI apontar que as eleições para presidente dos Estados Unidos foram intensamente influenciadas por ataques que teriam partido de hackers da Rússia.
No Brasil já existem exemplos claros de como isso pode influenciar a política. Um boato que surgiu em 2015 que ganhou força em 2016 e permanece até hoje sendo compartilhado na rede é uma suposta tentativa de suicídio da ex-presidente Dilma Rousseff. Em junho de 2015, o assunto foi tão compartilhado pela internet que a petista, que ainda ocupava a presidência da República, teve que ir a público desmentir a informação.
Na campanha de 2014, circulou na internet a informação de que o PT trouxe ao país 50 mil cidadãos do Haiti para votar. De acordo com o texto da falsa notícia, os haitianos receberam dupla cidadania para engrossar o saldo de votos de candidatos petistas. Uma pesquisa da USP revelou que 42% dos eleitores contrários à candidatura de Dilma acreditaram nesta afirmação. Mesmo após as eleições, as fake news continuaram se disseminando no campo da política.
Um texto compartilhado em sites e nas redes sociais em 2015 afirmava que o deputado Jean Wyllys (Psol-RJ) apresentou um projeto de lei para alterar versículos da Bíblia. A intenção do político, de acordo com a mensagem, seria alterar partes do livro que tratavam sobre relações homoafetivas.
A especialista Helena Martins, diretora da ONG Intervozes — voltada para o direito à comunicação — destaca que atualmente existe um modelo de negócios em torno das notícias falsas. “É uma questão muito complexa. A maioria dos boatos se espalham com interesses financeiros, por meio de sites caçadores de cliques. Mas também temos os que se espalham por ideologia e outros que querem silenciar minorias, atacando homossexuais e mulheres, por exemplo”, destaca.
Helena afirma ainda que a solução envolve mudanças no acesso a informação, mas o problema não pode ser usado para pregar a censura. “Não penso que a criação de leis vai resolver. Pois é difícil avaliar o que é fake news e o que é informação verdadeira. O ideal seria que empresas como o Facebook, por exemplo, deixem claro quando uma publicação é patrocinada. As páginas fazem isso para alcançar mais pessoas e ter maior retorno financeiro ou ideológico”, completa.
Boatos
De acordo com o estudo da USP, informações inverídicas jogadas na rede mundial de computadores podem chegar a todos os brasileiros que têm acesso à internet. A estrutura de campanha criada por um candidato pode não ser suficiente para desmentir as acusações, o que pode causar uma reviravolta no cenário das eleições.
O advogado Aylan Estrela, especialista em direito digital, destaca que quem cria esse tipo de boato pode ser punido com leis já existentes. “Esses crimes contra a honra são previstos pelo Código Penal. A grande questão é a identificação dos autores. Hoje existem mecanismos para identificar, como o armazenamento dos dados dos criminosos. Mas, em relação a leis específicas para o período eleitoral, não temos nada em vigor nem tempo para aprovar”, afirma.
O TSE aprovou uma série de resoluções que serão válidas para as próximas eleições. Durante sessão no plenário da corte, os ministros destacaram a importância de combater a propagação de notícias falsas. As novas regras podem ser alteradas até o mês de março. O ministro Luiz Fux, relator das resoluções e vice-presidente do tribunal eleitoral, destacou que o assunto é alvo de preocupação da Justiça Eleitoral. “Abordamos a necessidade de coibir comportamentos deletérios, ilegítimos, de players que se valem da ambiência da internet e de suas principais plataformas de acesso e de conteúdo para violentar a legitimidade das eleições e a higidez do prélio eleitoral, mediante a utilização de fake news, junkie news. Poderemos dar maior robustez com a análise concreta de perfis falsos”, disse o ministro Luiz Fux.
Exército de robôs
O cenário virtual das eleições de 2018 pode, em determinado momento, parecer-se com algum dos episódios da série Black Mirror. Assim como na produção britânica de ficção científica, a tecnologia pode dar rumos imprevisíveis para o comportamento humano. Isso por conta de milhares de robôs espalhados pela rede com a finalidade de influenciar no comportamento dos eleitores. De acordo com um estudo da Universidade da Flórida, nos EUA, 15% dos perfis do Twitter são mantidos por programas de automação. Esse fato se repete nas demais redes sociais.
Pode parecer algo distante da realidade dos brasileiros. Mas esses programas, também chamados de “bots”, estão presentes e atuando na internet neste exato momento, enquanto você lê esta reportagem. Um estudo da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV) apontou que esses perfis pré-programados, foram responsáveis por 10% das discussões no Twitter sobre as eleições de 2014. Em abril deste ano, mais de 20% das interações no Twitter relacionadas à greve geral que ocorreu no país foram motivadas por “bots”.
Usando inteligência artificial ou não, esses perfis procuram imitar o comportamento humano. Entre mensagens comuns, de bom dia, comentários sobre festas e eventos aleatórios, essas contas publicam mensagens tendenciosas e de apoio a candidatos ou suas ideologias. A diferença entre os seres humanos e as máquinas é a agilidade. Alguns robôs postam mais de uma mensagem por segundo. Eles também são capazes de seguir perfis reais e marcá-los em publicações, para dar uma identidade real aparente.
Uma nova modalidade de influência na web, que deve ser usada no Brasil a partir de agora, são programas de varredura das redes sociais. Esses softwares monitoram os internautas, seus perfis, opiniões e desejos. A finalidade é entregar relatórios aos candidatos, ressaltando com quais tipos de ideias e propostas ele pode se alinhar ao eleitor. Desta forma, um político pode mudar seu discurso para obter aceitação da população e conquistar o eleitor. Esse recurso foi usado em grande escala na eleição dos Estados Unidos e agora chega ao Brasil, prometendo impactar de maneira significativa os rumos políticos do país.
Fake news no Brasil
Como as notícias falsas povoaram os recentes embates políticos nacionais
Setembro de 2014 — O fim do Bolsa-Família
Estimulados por discursos oficiais de representantes do PT, sites e blogs sem qualquer credibilidade começaram a espalhar os boatos sobre o fim do Bolsa-Família com eventual eleição de candidatos da oposição.
Outubro de 2014 — Haitianos e o PT
Informações falsas que tiveram origem nas redes sociais afirmaram que o PT trouxe 50 mil haitianos para votar no Brasil durante o pleito de 2014. De acordo com a USP, 42% dos eleitores contrários à ex-presidente Dilma Rousseff acreditaram.
Outubro de 2014 — A morte de Eduardo Campos
Uma publicação feita pelo jornalista norte-americano Wayne Madsen afirmava que a CIA tinha derrubado o avião do candidato à Presidência Eduardo Campos para favorecer Marina Silva. Muita gente até hoje acredita na teoria da conspiração.
Outubro de 2014 — Dia da eleição
O dia do segundo turno das eleições no Brasil foi marcado por boatos nas redes sociais. Os eleitores acordaram com a falsa notícia, divulgada na internet, sobre a suposta morte do doleiro Alberto Youssef, que teria sido assassinado pelo PT.
Abril de 2015 — A doação de sangue
Um boato dizia que Bolsonaro havia apresentado projeto para separar o sangue doado por homossexuais. A intenção seria para que o receptor pudesse escolher se receberia ou não sangue de determinado doador. Tudo não passou de invenção.
Junho de 2015 — Dilma e a internação
Uma fake news afirmou que a então presidente Dilma tentou suicídio por não suportar a pressão política. Dilma precisou ir a público dizer que estava bem e que não tinha sido internada. A informação surgiu a partir de alguns blogs sem credibilidade.
Junho de 2015 — Jean Wyllys e a Bíblia
Uma publicação de um site de humor acabou se espalhando como se fosse verdade. No texto, Jean Wyllys era acusado de propor projeto para alterar textos da Bíblia que falam sobre relações homoafetivas. Links foram compartilhados até 2016.
Leia a notícia no Diario de Pernambuco
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