Aniversário O Recife em cinco sentidos No dia do aniversário de 478 anos da capital, traduzimos sua identidade em cinco sensações que marcam recifenses e visitantes

Publicado em: 12/03/2015 07:48 Atualizado em: 16/03/2015 15:36



A paulista Daniele Corcioli desfruta do aroma, da brisa e do visual de Boa Viagem. Foto: Heitor Cunha/ DP/ DA Press (Heitor Cunha/ DP/ DA Press)
A paulista Daniele Corcioli desfruta do aroma, da brisa e do visual de Boa Viagem. Foto: Heitor Cunha/ DP/ DA Press
Carros provocando ruídos, prédios altos impedindo a circulação do ar e murando a vista, canais entupidos de lixo e esgoto. Nas grandes cidades, a experiência disponível aos cinco sentidos dos moradores são, com frequência, pautadas por esses atores. São cheiros, vistas e sons que desagradam os moradores e os levam a se isolarem em espaços fechados. No Recife não é diferente, mas como oásis de estímulos sensoriais originais, sabores característicos da cidade resistem ao seu crescimento desordenado.

Esses estímulos se destacam na percepção de moradores e turistas. Frente ao domínio do fast food, o bolo de rolo apaixona quem o experimenta pela primeira vez. Já o aroma da fábrica da Pilar é um bálsamo para quem foge do mau cheiro dos canais e esgotos.

As sensações são capazes de transportar alguém para momentos já vividos. Foi isso que a vista do Rio Capibaribe a partir do Bairro do Recife fez com tantos poetas, como Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto e até o paraibano Augusto dos Anjos.

Quem sai do Recife também leva os sentidos na memória e os associa à cidade pela qual passou. A recifense Marja Calafange, por exemplo, mora em Curitiba há sete anos e não consegue esquecer os sabores tipicamente pernambucanos. “Aqui não se encontra queijo manteiga, por exemplo. Então quem vem passar uns dias aqui na minha casa é ‘obrigado’ a trazer 1kg!”

Os estímulos nativos ainda estão pela cidade. Alguns atropelam os passantes e arrebatam os seus sentidos. Não deixam mais nada ser notado. Outros são sutis e passam despercebidos caso não sejam procurados. Assim, mais do que um retrato da cidade, o Diario faz um convite ao leitor para perceber o Recife.

Rua da União...
Como eram lindos os montes das ruas da minha infância
Rua do Sol
(Tenho medo que hoje se chame de dr. Fulano de Tal)

-Evocação do Recife, Manoel Bandeira-



Tato
Durante o carnaval, as pessoas dão um valor diferente às experiências táteis que normalmente não apreciam. Helder Tavares/DP/D.A Press (Helder Tavares/DP/D.A Press)
Durante o carnaval, as pessoas dão um valor diferente às experiências táteis que normalmente não apreciam. Helder Tavares/DP/D.A Press

A experiência tátil mais associada ao Recife é o contato humano nas ruas do Centro durante o carnaval. “Cerveja, orquestra, energia positiva, felicidade e a descontração das fantasias fazem com que a gente adore o contato e o calor. E mais: ficamos querendo voltar de novo. Sem aperto não teria graça”, explicou o estudante Igor Mattos, 21.

Uma sensação de tato que chama a atenção, principalmente dos Turistas em Recife, é a temperatura do mar local. Normalmente, o mar é gelado durante o dia por ter um calor específico baixo, ou seja, ele demora para trocar calor com o ambiente. Contudo, como o Recife é muito quente, o mar não esfria muito durante a noite.


Audição
Os clarins do Galo da Madrugada trouxeram notas medievais à cultura recifense. Charles Johnson/divulgação (Charles Johnson/divulgação)
Os clarins do Galo da Madrugada trouxeram notas medievais à cultura recifense. Charles Johnson/divulgação

Os sons mais característicos do Recife são reflexos de sua cultura musical. Quem anda pelo Recife Antigo nas sextas-feiras à noite, por exemplo, pode sentir o coração se afinando com o compasso do maracatu que ecoa por todo o bairro. “Os sons vêm principalmente de alfaias, caixas e gonguês, que são os instrumentos originais do ritmo. Mas também há o agbê e as timbas”, explica Bruno Uchôa, idealizador do Traga a Vasilha, encontro de vários maracatus.

As notas usadas para anunciação de reis e rainhas na Idade Média também se tornaram um som presente no imaginário pernambucano. Desde 1981, o desfile do Galo da Madrugada é aberto com clarins tocando essas notas. Em qualquer lugar, o recifense que ouvir a “clarinada”, lembrará do carnaval.

Sons normalmente negligenciados pelos recifenses são os dos pássaros com quem dividem o espaço urbano. Segundo o mestre em biologia animal pela UFPE Amaro Fernandes, um dos melhores locais para apreciar os pássaros é o Parque da Jaqueira, mas há espécies  diferentes por toda a cidade. À noite, em Boa Viagem, é possível ouvir o pio da coruja de igreja ou “rasga mortalha”. “Ela faz um som repetido como se estivesse costurando uma mortalha, e depois, um rasgado, como se a rasgasse. É muito comum encontrá-la caçando ratos na praia”, explica.

Os pássaros mais comuns são o sibito e o bem-te-vi. Estão por toda a cidade. O sibito compete com o beija-flor, porque gosta de flores. Ele canta o dia todo. “Qualquer varanda de prédio mais baixa que o oitavo andar vai se deparar com um, caso tenha vasos de flores ou aqueles potinhos de água com açúcar”. Já o bem-te-vi aparece em qualquer área que tenha uma massa d'água, porque gosta de comer peixes de pequeno porte. "É o terror dos criadores de peixes ornamentais." Praças com fontes são ótimos locais para observá-los porque são diurnos.   


Paladar

Bolo de rolo, iguaria famosa da culinária do Recife. Foto:Annaclarice Almeida/DP/D.A.Press (Annaclarice Almeida/DP/D.A.Press)
Bolo de rolo, iguaria famosa da culinária do Recife. Foto:Annaclarice Almeida/DP/D.A.Press


Chefs locais renomados como Marcílio de Pádua, do restaurante Mocó, são categóricos quanto aos sabores do Recife: a cozinha da cidade é compartilhada com todo o estado. E os sabores são o resultado da mistura singular de receitas africanas, portuguesas e indígenas. Contudo, nada mais característico que os bolos e doces criados nos engenhos. Os bolos de rolo e Souza Leão são exemplos.

A cartola, patrimônio imaterial de Pernambuco, também. A maquiadora paulista Andréa Tristão, 39 nunca veio ao Recife, mas provou algumas vezes através da receita de uma amiga pernambucana. “Morro de vontade de comer uma cartola no Recife. Sinto saudade daquele sabor.”

Visão

A Ponte da Boa Vista é um dos colírios do Recife. Foto: Heitor Cunha/DP/D.A.Press (Heitor Cunha/DP/D.A.Press)
A Ponte da Boa Vista é um dos colírios do Recife. Foto: Heitor Cunha/DP/D.A.Press


As imagens mais conhecidas da capital pernambucana são encontradas no Centro e em Boa Viagem. Nos sites de pesquisa da internet, a vista das pontes recifenses a partir do prédio do Tribunal de Contas do Estado, na Rua da Aurora, no bairro de Santo Antônio, inunda as telas de quem digita a palavra “Recife”. Ainda na área central, o Marco Zero, com seu conjunto arquitetônico ao redor e o Parque das Esculturas, em frente a ele, também estão entre as visões mais características da cidade. Altos como os da Bela Vista e o da Conceição oferecem panoramas menos lembrados, mas tão bonitos quanto as vistas mais famosas.

Olfato

Mariana Queiroz gosta de apreciar os estímulos que a cidade oferece, entre eles, o cheiro do mar na praia de Boa Viagem. Heitor Cunha/ DP/ DA Press (Heitor Cunha/ DP/ DA Press)
Mariana Queiroz gosta de apreciar os estímulos que a cidade oferece, entre eles, o cheiro do mar na praia de Boa Viagem. Heitor Cunha/ DP/ DA Press
 

No Recife, fábricas marcam há décadas os bairros em que são localizadas pelo cheiro que exalam. Em Afogados, um aroma de café pode ser sentido na Avenida 21 de Abril. No Bairro do Recife, a fábrica de biscoitos, bolachas e massas exala um dos cheiros mais lembrados da cidade desde 1870.
Outro dos cheiros mais conhecidos do Recife é o que vem do mar. Esse é o aroma da matéria orgânica do oceano quando entra em contato com o ar. Segundo o Doutor em Oceanografia Fernando Feitosa, o cheiro mais forte é o dos sargaços se deteriorando. "Essas macroalgas morrem algumas horas depois que chegam à praia e é esse processo que exala o odor mais forte do mar. Mas quando as ondas quebram, borrifam pelo vento cheiro da matéria viva de dentro da água."


A experiência sensorial de quem trabalha com os sentidos:

Rivandro França, chef: Todo mundo lá fora pensa em bolo de rolo quando falo do Recife. Mas isso me chateia porque nossa culinária é muito rica e vai além dele. Para mim, por exemplo, o gosto do Recife é o de um bom guisado!

Gorete Moura, aromaterapeuta: O cheiro me chama à atenção no Recife é o da brisa do mar, mesmo não estando na praia. Já em épocas específicas do ano, os cheiros de jaca e de manga sempre se apresentam.

Renata Victor, fotógrafa: As pontes cruzando os rios são a vista mais característica do Recife. Mas para mim, que gosto muito do mar, o a vista do Recife é aquele momento em que a água bate nos arrecifes.

Cláudia Sena, massagista: Como sou deficiente visual, sinto muito a pele. A mudança da sensação na pele quando se sai do centro em direção ao subúrbio. Porque o sol escaldante vai dando lugar a um vento mais fresco embaixo das árvores. Também tem o contato com as pessoas no ônibus lotado! (Risos).

Chico Piano, afinador de instumentos: Eu viajo muito e, em todo lugar, vejo o Frevo levando o Recife nas costas. Para mim, não há outra sonoridade que represente melhor nossa cidade.