Bira e Leão Aposentado e cão atropelados não vivem longe um do outro

Por: Júlia Schiaffarino

Publicado em: 31/05/2015 08:45 Atualizado em: 04/06/2015 11:12

 (Foto: Paulo Paiva / D.A.Press )

 

Pés, patas e muletas de homem e cão se confundem no andar lento às margens da movimentada PE-15 em Cidade Tabajara, Olinda. Seres que mais parecem extraídos da literatura. Ambos deficientes físicos, portadores de fidelidade mútua, capazes de surpreender até os mais apressados que por ali passarem. Ubiratan Tavares de Alcântara teve oito mulheres. A última tinha oito cachorros. Na divisão dos escassos bens durante a separação, o oitavo, Leão, ficou com seu Bira. “Vão-se os anéis, ficam os dedos. Ela foi, ele ficou. Esse cachorro é a minha vida.”

Aposentado, Bira tem 72 anos. Há 25 anda com apoios. Foi atropelado na PE-15, a poucos metros de onde vive. Teve a perna quebrada em três partes, o braço e a coluna sequelados. Vinte e dois anos depois, no mesmo lugar, viu o cão passar por dor igual. “Ele fraturou a coluna. Fez uma operação para colocar parafusos. Eu jamais teria coragem de sacrificar ele, porque sei que o mesmo problema é o meu”. As patas traseiras ficaram paralisadas e, hoje, Leão anda com o auxílio da carrocinha de rodinhas feita por Bira.

Às margens da rodovia que não ousam mais atravessar, veem os carros que passam acima da velocidade máxima de 60 km/h. Não há estatística de animais atropelados em Pernambuco. Dados do Comitê Estadual de Prevenção aos Acidentes de Moto contabilizaram 1.330 atropelamentos de pessoas no ano passado. Este ano já foram 312. O coordenador João Veiga comenta que essa é a segunda maior causa de morte no trânsito. “Os números são muito altos. O estado é lento e as prefeituras também deveriam assumir responsabilidade.”

Seu Bira enfrenta um câncer e tem dificuldades em falar devido a uma operação na garganta, que diz ter sido erro médico. A voz quase não sai, mas Leão a reconhece. “Você vai ver como ele fica quando ouve minha voz”, disse, orgulhoso, antes de começar a entrevista no velho box de dois andares que serve de casa. A rotina raramente muda. De manhã, ele coloca o cão em uma caixa que segura deixando as muletas de lado. Desce escadas de costas para se apoiar nos degraus, posiciona o amigo na carrocinha e retoma as muletas.

Saem para uma caminhada que se repete à tarde. “Ele toma banho duas vezes por dia”, completa, mostrando o secador que usa para enxugar o amigo. De tarde ficam juntos, na rede ou sentados, cabeças à mesma altura, o cão na mesa, o homem na cadeira. “Esse cachorro é a minha vida”, repete Ubiratan, encerrando a conversa.