Vida Urbana

Atrofia muscular espinhal: a corrida milionária pela vida

Famílias com crianças que sofrem de Atrofia Muscular Espinhal (AME) buscam ajuda para custear tratamentos caríssimos

Casal tenta, através da internet, arrecadar R$ 3 milhões, em três meses, para o filho que sofre de AME. Nos primeiros 15 dias saldo chegou a R$ 440 mil. Crédito: Marlon Diego/Esp.DP

Em Pernambuco, mães e pais contam com a solidariedade alheia, por meio de campanhas online de doação financeira, para custear a importação da substância. O movimento aquece o debate sobre as barreiras na obtenção de medicamentos para doenças raras no país, alvo de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) e de consulta pública recém-lançada no site do Senado Federal.

A AME é uma doença genética progressiva, que ocorre quando caracteres autossômicos recessivos são transmitidos pelos pais, provocando uma mutação no gene SNM1. Com isso, há uma alteração na produção de proteínas e a consequente degeneração de neurônios motores localizados na medula espinhal. Os sintomas podem se manifestar intraútero, para o tipo mais grave, ou até na vida adulta. Em geral, a doença leva à progressiva perda do tono muscular de todo o corpo.

“Os indivíduos afetados apresentam comprometimento das funções motoras dos braços e das pernas e da capacidade respiratória. É importante ressaltar que a doença não afeta a capacidade de aprendizado das crianças, e muitos frequentam escola e faculdades normalmente. O diagnóstico é baseado nas manifestações clínicas dos pacientes e confirmado por estudo genético que demonstra mutação no gene SMN1”, esclarece o membro do departamento científico de moléstias neuromusculares da Academia Brasileira de Neurologia Edmar Zanoteli.

Descoberta há 124 anos, a atrofia muscular espinhal ainda não tem cura. No Brasil, são 10 mil pessoas convivendo com a enfermidade. A incidência em todo o mundo é de um em cada 10 mil nascidos vivos. Os pacientes com a doença dependiam, até o fim do ano passado, de tratamentos paliativos e terapias multidisciplinares para tentar amenizar os efeitos do avanço da doença. Existem 19 pesquisas, em todo o mundo, para encontrar soluções para a doença. Em 23 de dezembro de 2016, uma delas cruzou primeiro a linha de chegada da corrida medicamentosa. Um novo fôlego de esperança chegou às famílias, com a liberação do registro do medicamento Spinraza (Nusinersena) junto ao Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos.

O Spinraza (Nusinersena) é o primeiro tratamento que promete frear a progressão da doença e estabilizar a condição do paciente, independentemente da idade. Em todo o mundo, familiares de pessoas com AME acompanharam ansiosos os 16 anos de pesquisas e testes. A liberação do registro veio condicionada a uma surpresa: o custo de cada dose nos EUA é de US$ 125 mil (R$ 393 mil). No primeiro ano de tratamento, o paciente precisa tomar seis doses. A estimativa é de que nos anos subsequentes o custo seja de US$ 375 mil (R$ 1,1 milhão) anuais. Ame enquanto puder, as finanças deixarem e a indústria farmacêutica permitir. O tratamento é para o resto da vida. A corrida milionária é também contra o tempo.

Em 15 dias, campanha de Daniel passou dos R$ 440 mil. A mobilização envolve anônimos, amigos, parentes, lojas e atletas olímpicos. Crédito: Marlon Diego/Esp.DP

Para a família de Daniel, o impossível não existe

Os servidores públicos Gabriel Fernandes, 35 anos, e Taciana Spinelli, 34, falam com propriedade sobre a AME. Há pouco mais de um ano, eles sequer sabiam da existência dela. Foram obrigados a aprender pela necessidade. O segundo filho do casal, Daniel, nasceu com AME tipo 1, considerado o mais grave de todos. Desde então, já foram várias desconstruções. Entender a dinâmica própria do menino, aceitar intervenções médicas em um bebê e a mais recente: acreditar com toda a força ser possível arrecadar R$ 3 milhões em três meses.

A família lançou a coleta por meio de uma plataforma online. A meta é custear o primeiro ano de tratamento de Daniel. A campanha divide espaço entre as mais procuradas do website Vakinha. A maioria das ações mais visualizadas é de crianças com AME. O menino Joaquim, de Ribeirão Preto, virou símbolo depois de atingir a meta dos R$ 3 milhões. Em Pernambuco, são cinco famílias encabeçando pedidos. Em 15 dias, a Vakinha de Daniel mobilizou de desconhecidos a atletas olímpicos. A arrecadação chega a mais de R$ 380 mil.

O diagnóstico do garoto chegou por volta dos três primeiros meses de vida. Os pais levaram-no ao médico depois de comparar o movimento de cabeça da criança com o comportamento do filho mais velho, em uma fotografia da mesma época de vida. “Vejo aqui uma hipotonia global importante”, disse a médica. De imediato, Gabriel desabou em choro. Todos os dias, durante dois meses, as lágrimas acompanharam a rotina da família.

A primeira pesquisa na internet trouxe um prognóstico trágico e falacioso: o menino não passaria do primeiro ano de vida. No último dia 5 deste mês, Daniel quebrou essa barreira. “A gente não conhece a realidade das pessoas com deficiência, não sabe o que as pessoas passam. Quando começamos a peregrinação, passamos a ver como é difícil”, afirma Gabriel.

De tanto pesquisar, a família tomou conhecimento das pesquisas sobre o Spinraza (Nusinersena). Todos os parentes ficaram esperançosos, mas ao sair o valor da medicação houve um momento de receio. “Muitas pessoas ajudaram a gente ao longo desse tempo, mas de forma espontânea. Não havíamos precisado pedir nada”, lembra Taciana. O casal precisou lidar com as dúvidas internas, mas decidiu apostar na campanha depois de sentir na alma a força da solidariedade. Em dezembro, amigos do casal bancaram de surpresa a compra de uma cadeira especial para o bebê. “A gente viu que era possível. Não tínhamos nada a perder”, complementa Gabriel.

Além de lidar com a rotina de terapias de Daniel, agora a família incorporou às atividades responder mensagens agradecendo as doações e acompanhar o contador girando. Evitam a expectativa, ainda que seja inevitável sonhar com um Daniel forte o suficiente para sentar. “Não estamos preparados para perder um filho, por mais grave que seja a situação. A energia positiva é o mais importante”, diz Taciana. Tatuado na parede branca da sala da família, o excerto do livro O pequeno príncipe (Antoine de Saint-Exupéry) usado na decoração da festa de um ano do menino lembra, como um mantra, que o essencial é invisível aos olhos.

Ame Daniel

Santander (033)

Daniel Spinelli Fernandes

Agência 4001 / Poupança 60057244-9 / CPF 136.816.324-64

Banco do Brasil (001)

Daniel Spinelli Fernandes

Agência 8634-7 / Poupança 291-7 / variação 51 / CPF 136.816.324-64

Bradesco (237)

Daniel Spinelli Fernandes

Agência 3453-3 / Poupança 1006718-9 / CPF 136.816.324-64

Miguel iria participar de testes com Spinraza nos Estados Unidos, em 2015, mas o quadro agravou e a criança não teve a viagem liberada pelos médicos. Crédito: Nando Chiappetta/DP

Financiamento coletivo em vez de briga na Justiça

Junho de 2015. Miguel Cunha estava com seis meses de vida quando a família, depois de muito procurar na internet sobre Atrofia Muscular Espinhal, encontrou uma promessa de qualidade de vida. Era um tratamento inovador, com Spinraza (Nusinersena), em fase de testes na Universidade de Columbia, em Nova York, que recrutava pacientes. Miguel foi aceito e os pais iniciaram uma campanha para arrecadar R$ 100 mil. O valor bancaria os exames, passagens e hospedagem durante o tempo de internação. A família estava esperançosa quando nos encontramos. Miguel viajaria naquela semana. O quadro agravou-se e, mesmo com o dinheiro em conta, a viagem foi vetada pelos médicos.

A campanha de Miguel foi veiculada em matéria do Diario. Na época, o menino estava internado, depois de realizar uma gastrostomia. Tinha anemia e quadro de infecção. “O tratamento oferece uma solução à traqueostomia, única possibilidade oferecida no Brasil. Queremos o melhor para Miguel”, contou-me na época a mãe do menino, Laís Ribeiro, aos 27 anos.

Passados um ano e meio daquele dia, em um quarto de um hospital particular do Recife, o Spinraza (Nusinersena) cruza novamente o caminho de Miguel. A expectativa volta a cercar a família. Ao longo dos últimos meses, as reviravoltas aconteceram também na mente de Laís. “Para mim, era como se eu tivesse desistindo de um sonho. Mas percebi que meu filho estava sofrendo e eu estava sendo um pouco egoísta”, esclarece.

Miguel completou dois anos vencendo o prognóstico da primeira consulta sob o qual estava fadado a viver apenas alguns meses. Conseguir R$ 3 milhões, na escala das coisas intangíveis, talvez não seja a mais difícil das vitórias na vida dele. Com os R$ 100 mil da primeira campanha, a família comprou um aspirador portátil e uma cadeira de rodas, adaptou o quarto, colocou ar condicionado no cômodo e também criou um espaço para a fisioterapia.

Miguel vive hoje com home care e depende 24 horas de um respirador. Felicidade para os pais seria conseguir estacionar o progresso da doença a essas circunstâncias. “Pensamos em entrar na Justiça, mas é uma medicação ainda não liberada. Não temos como brigar por algo que ‘não existe’. A gente não sabe o dia de amanhã, temos que correr contra o tempo. Ele tomando o remédio agora não vai ser a mesma coisa de tomar daqui há um ano. E quem sabe se, daqui há um ano, ainda estarei com meu filho”, raciocina a mãe.

Guilherme

A AME também é um drama para famílias do interior. Nesta semana, o arcebispo de Olinda e Recife, dom Fernando Saburido, visitou o menino Guilherme de Moraes, 11 meses, em Vitória de Santo Antão, para fortalecer a campanha AMEGUIGUI - Todos por Guilherme, que reúne fundos para compra do Spiranza.

Guilherme precisa de seis injeções durante um ano. O custo completo chega a US$ 750 mil (cerca de R$ 3 milhões). “Fiquei comovido com o esforço da família em buscar um valor que, à primeira vista, parece inacessível, mas que, com fé e muita luta, pode ser conseguido com a ajuda da população”, disse o arcebispo.

[SAIBAMAIS]

Ajude Miguel

Banco Itaú

Miguel Alves Moura da Cunha

Agência 8323 /  Conta Poupança 22248-2/500 / CPF 710.965.434-60

Banco Caixa Econômica Federal

Samuel Christiano Moura da Cunha

Agência 1028 / Variação 013 / Conta poupança 00049700-0 / CPF 039.174.684-76

Ajude Guilherme

Caixa Econômica Federal

Agência 0626 / Conta Poupança 60315-0 / Operação 013

Guilherme de Lima Gomes

CPF 137.583.274-31

Banco do Brasil

Agência 0233-X / Conta Poupança 61946-9 / VAR: 51

Guilherme de Lima Gomes

CPF 137.583.274-31


Tempo de análise chega a três anos e meio

O medicamento Spinraza (Nusinersena) ainda não foi apresentado oficialmente à Agência Brasileira de Vigilância Sanitária (Anvisa). O laboratório responsável pela substância, Biogen/Ionis, requisitou registro na União Europeia e entrará com pedido junto ao órgão brasileiro. O tempo de análise da Anvisa varia entre 490 e 1.286 dias, a depender do tipo de medicação. Temerosas ante a morosidade e a burocracia do país, as famílias correlacionam a espera com a progressão da doença e por isso decidem iniciar as campanhas de doação de dinheiro. Em todo o Brasil, associações reforçam o pedido de cautela e correm por fora para tentar pressionar os órgãos a se comprometer com a celeridade no processo de inclusão da substância na lista de registros.

A Anvisa solicita dados de segurança, eficácia, qualidade e manufatura dos produtos para autorizar a circulação de novos medicamentos. Em comunicado enviado às associações, no último dia 23 de março, o laboratório Biogen esclareceu que está trabalhando “para que o dossiê de registro seja apresentado com os dados mais abrangentes e completos”. Isso inclui a tradução para o português.

Representantes do laboratório e da Associação Brasileira de Amiotrofia Espinhal (AME) dialogaram com a Anvisa. “Pedimos agilidade quando o laboratório der entrada no pedido. O órgão afirmou que, mesmo já trabalhando em caráter de urgência para medicamentos órfãos (únicos), irá agir de forma rápida”, explicou a presidente da Abrame, Fátima Braga.

Em carta publicada na página do Facebook, a Abrame se posiciona contra possíveis casos de judicialização para requisitar o Spinraza. “A judicialização é reflexo da desorganização do sistema de saúde, representa muitas vezes a violação do princípio da igualdade, atende a interesses corporativos e contribui para a segmentação do setor”, explica o comunicado.

Regras da Anvisa para importação de produtos de interesse à saúde

Em Pernambuco, a Associação de Amigos e Portadores de Doenças Neuromusculares (Donem) também versa por uma investida coletiva. “Respeitamos as famílias, mas precisamos da medicação de forma coletiva. Por outro lado, as campanhas trazem como ponto positivo a visibilidade. Antes não se falava tanto da doença”, defende a presidente da Donem e mãe de uma criança de 4,5 anos com AME tipo 1, Suhellen Oliveira.

A defesa das entidades é para a incorporação da substância na lista de medicamentos de alto custo do Sistema Único de Saúde (SUS). A empresa Biogen teria se comprometido a fixar um valor diferenciado do medicamento no Brasil, segundo as associações. O laboratório estimaria baixar entre 40% a 60% o valor atual do produto, em caso de compra coletiva via sistema único. A reportagem tentou contato com o laboratório, mas não obteve retorno até o fechamento da matéria.

O Spinraza (Nusinersena) força o gene SMN2 a produzir a proteína SMN estável e funcional. É como se ele criasse um velcro, evitando que o Exon 7 do cromossomo 5, onde fica o neurônio motor, caia. Ao longo do tempo, esse “velcro” perde força e por isso as doses precisam ser contínuas. A administração da medicação é por meio de injeções no canal raquidiano (canal ósseo da coluna vertebral), para que o medicamento atue diretamente no sistema nervoso. As primeiras aplicações ocorreram, nos Estados Unidos, em 14 de janeiro deste ano.

“O medicamento atua no DNA dos pacientes promovendo aumento da produção da proteína deficiente. Os testes realizados até o momento mostraram que parte das crianças que usaram tem desenvolvido melhora das funções motoras, ou mesmo estabilização da doença. Tem se mostrado bastante promissor em testes clínicos”, detalhou Edmar Zanoteli.

Os primeiros testes foram realizados com crianças menores de sete meses. A pesquisa segue, nos Estados Unidos e na União Europeia, com pessoas de outras faixas etárias. Dois brasileiros, com dupla nacionalidade, participam dos testes em Amsterdã (Holanda) e em Roma (Itália). Como os estudos são recentes, ainda não é possível determinar o quanto as crianças podem melhorar usando a medicação. Em maio, a Biogen e neurologistas brasileiros se reúnem para discutir os impactos da chegada do medicamento ao Brasil, além de detalhes técnicos e diretrizes de aplicação das doses e manejo.

“Mas é sem dúvida uma grande esperança para os indivíduos que apresentam esta grave doença. Novos estudos poderão determinar inclusive se o uso da medicação poderá ajudar estas crianças a voltar a andar. A maior limitação no momento para o uso desta medicação é o seu alto custo”, finaliza Edmar Zanoteli.

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Drama comum a 13 milhões de brasileiros

O furor em torno da nova medicação para Atrofia Muscular Espinhal é apenas a ponta do iceberg de um problema maior. Em todo o Brasil, a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma) estima a existência de 13 milhões de pessoas com doenças raras - que segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) afetam em média 65 pessoas para cada 100 mil. Há cerca de seis a oito mil doenças raras registradas. O tratamento medicamentoso para essa população é inexistente ou de altíssimo custo. Opera sempre na casa do milhar, transformando os pacientes em reféns da própria condição e superlotando a Justiça de casos de judicialização de pedidos de custeio.

A pauta é tema de recursos em apreciação no Supremo Tribunal Federal (STF). O órgão julga se é de competência do poder público bancar o fornecimento de remédios de alto custo não incluídos na lista do SUS e também se é obrigação financiar aquelas substâncias ainda sem autorização da Anvisa. O julgamento foi reaberto em setembro do ano passado, mas interrompido a pedido do então ministro Teori Zavascki, falecido em janeiro deste ano. O movimento Minha Vida Não Tem Preço tenta pressionar e sensibilizar o STF para agilizar a decisão.

Confira a fila de análises de petições na Anvisa

“O Brasil engatinha no sentido de pesquisar remédios e desenvolver novas drogas para pessoas com doenças raras. Quando se faz um medicamento, ele é caro, pois é feito em outro país, ainda está em pesquisa ou não têm autorização da Anvisa”, comenta a presidente da Aliança das Mães e Familias Raras (Amar), Pollyana Dias. Para ela, o governo não tem poder para fornecer todos os medicamentos. “A indústria farmacêutica movimenta essa máquina. É como se a gente vivesse invisível. É um atestado de óbito”, reclama. Pollyana exemplifica com o canabidiol. “Se a família faz a plantação e extrai o óleo, o custo é médio de R$ 400 por ano. Se for exportar, é R$ 5 mil por mês.”


No site do Senado Federal, uma consulta pública convida a população a opinar sobre projeto que altera a lei 6.360/76, para liberar e autorizar o registro de medicamentos estrangeiros para doenças raras em caso de não haver produto similar no país. A ementa determina que a liberação ocorrerá mediante prescrição por profissional de saúde e se a substância for legalizada no país de origem.

Rogério Hoefler, do Centro Brasileiro de Informação sobre Medicamentos do Conselho Federal de Farmácia (Cebrim/CFF) classifica como “caixa preta” a composição do preço de um novo medicamento. Em tese, o valor final seria decorrente dos recursos investidos em pesquisa, desenvolvimento e procedimentos regulatórios, lucro, marketing e reinvestimento. “Outros fatores podem afetar o preço, como o volume de vendas, o monopólio do mercado por força de uma patente, bem como o nível e a transparência das negociações entre o Estado e o fabricante”, detalhou.

No Brasil, os preços dos medicamentos novos registrados na Anvisa são definidos pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed). A incorporação de novos medicamentos ao SUS é tarefa da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec). Somadas, as 20 maiores empresas farmacêuticas lucraram US$ 100 bilhões anuais entre 2013 e 2015, aponta a ONG americana Public Citizen.

A Biogen esclareceu, na nota enviada às associações, que “a estruturação do preço de qualquer medicamento consiste em uma minuciosa análise, que leva em consideração diversos fatores que incluem seu valor clínico, o impacto no sistema de saúde e seu compromisso em financiar pesquisas para o desenvolvimento de novas terapias”. Nos Estados Unidos, o valor do Spinraza (Nusinersena) corresponderia ao custo anual de outras terapias para doenças raras no país.

Yoko viajou para a China em 2010, com a esperança de reverter o quadro de tetraplegia. Hoje, segue precisando de ajuda financeira. Crédito: Julio Jacobina/DP

Dois exemplos de uma luta contínua

As fotos das crianças com AME se multiplicam na internet e tornam públicos dramas particulares. As redes sociais amplificaram o poder de conexão da solidariedade alheia, mas o lançamento de campanhas para fomentar tratamentos médicos não é de hoje. Em Pernambuco, os casos de Yoko Farias Sugimoto e Clarinha tornaram-se emblemáticos. As duas arrecadaram cerca de R$ 100 mil e realizaram, na China, um tratamento com células-tronco.

Yoko ficou tretraplégica em julho de 2004, depois de sofrer um acidente na cama elástica de um shopping, onde trabalhava. Em 2010, ela iniciou uma campanha incentivada pelos amigos para juntar dinheiro e realizar um procedimento proibido no Brasil. Foram oito meses de mobilização, com realização de bingos, venda de objetos e divulgação no ainda incipiente mundo digital social. Yoko viajou para a cidade de Shijiazhuang, onde realizou o tratamento na Beiki Biotech.

“Tive melhoras na sensibilidade do meu braço esquerdo, no meu tronco, mas não consegui reverter a tetraplegia. Apesar disso, não me arrependo. Era uma pontinha de esperança que eu tinha. Faria de novo quantas vezes fosse preciso”, diz ela, que deixou de trabalhar pela dificuldade de mobilidade no Recife. Há um ano, com a morte dos parentes mais próximos, a vida de Yoko tornou-se mais difícil. São os amigos que pagam o plano de saúde dela e outras despesas pessoais. Neste ano, ela descobriu um derrame pleural, depois de cair da cama, e está internada no Hospital Santa Joana Recife. Ela nunca foi indenizada pelo acidente. As ajudas seguem sendo bem-vindas.

Carlos Pereira, pai de Clarinha, foi premiado na ONU por desenvolver ferramenta para facilitar a comunicação com a filha. Crédito: Ricardo Fernandes/DP/D.A Press

Yoko decidiu tentar a campanha inspirada pelo movimento “Um real por um sonho”, lançado em 2008 pelos pais da menina Clarinha. A criança diagnosticada com paralisia cerebral do tipo atetóide mobilizou números expressivos até conseguir viajar para Guangzhou, no sul chinês. Mais de 130 mil visitas ao site montado para a campanha, duas mil camisas vendidas e doações anônimas de R$ 12 mil. Com o tratamento, Clarinha apresentou melhoras no quadro.

Aquele foi o primeiro passo de uma história surpreendente. Carlos Pereira, pai da Clarinha, desenvolveu um software para se comunicar com a menina. O Livox (Liberdade em voz) utiliza imagens para facilitar a comunicação de pessoas com dificuldade ou ausência da fala. O sistema é usado por mais de 5 mil pessoas e foi vencedor do prêmio World Summit Mobile Award (WSA Mobile), na categoria melhor aplicativo de inclusão social do mundo. Clarinha tem hoje 9 anos. A família vive nos Estados Unidos.

Entrevista


Publicizar a causa pode aumentar a esperança para essas famílias?

Publicizar pode trazer a mais pessoas conhecimento da doença, das dificuldades que os pacientes vivem e suas famílias e assim sensibilizar para um maior engajamento e investimento. Cada pessoa nova que tomar conhecimento da causa poderá trazer novos recursos, seja com dinheiro, ideias, estímulos, conhecimentos, novas pesquisas, entre outras possibilidades. Há ainda a questão de possibilitar a troca de experiências, dos tratamento já realizado, ajudar outras pessoas que não sabem ainda sobre a doença, pois não é tão simples de ser diagnosticada, entre outros fatores que podem gerar apoio.  Contudo, estar ciente dos ganhos e perdas da exposição também é importante.

Como as famílias podem lidar com expectativa de conseguir o dinheiro?

Lidar com qualquer tipo de expectativa é algo muito difícil para nós seres humanos, pois nos coloca diretamente em contato com nossas limitações. Dessa forma, precisamos fortalecer nossos desejos e esperança para lutar e saber que, mesmo sem garantias, há uma chance maior, do que se permanecer parado, esperando a vida acontecer. As famílias estão lutando, dando o seu melhor, o seu possível, e isso deve ser encarado como algo muito positivo. Contudo, é importante se preparar tanto para as vitórias, quanto para os reveses que a vida nos dá.

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