Vida Urbana

Manuscritos do Mar Morto agora estão disponíveis em um site criado por professor pernambucano

Os pergaminhos foram encontrados em 1947 dentro de potes de argila em cavernas a cerca de dois quilômetros do Mar Morto

Manuscritos podem ser vistos no Museu de Israel. Foto: Ohayon Avi/Governo de Israel/Divulgação.

O doutor em história, pesquisador e professor do campus Petrolina da Universidade de Pernambuco (UPE)  Fernando Mattiolli lançou, em junho, o site Manuscritos do Mar Morto (www.manuscritosdomarmorto.com). O trabalho para colocar os documentos no ar começou há mais de 10 anos, ainda na graduação. Em 2016, começou a elaborar os textos finais e os tópicos que entraram na página. “Procurei tornar o assunto acessível ao público geral”, ressaltou.

O projeto de divulgação dos documentos é parte da contribuição do Brasil aos 70 anos da descoberta dos manuscritos. Também haverá o lançamento de um livro que reúne os maiores pesquisadores em temas dos manuscritos. A obra será lançada em setembro, em São Paulo. No mês seguinte, o livro será lançado em Pernambuco, no campus de Petrolina da UPE. “As próximas metas são a tradução do conteúdo para inglês, já que tem havido um número muito grande de acessos em outros países, a disponibilização de textos acadêmicos e a produção de vídeos sobre os manuscritos.”

Os manuscritos do Mar Morto foram encontrados em 1947 dentro de potes de argila em cavernas a cerca de dois quilômetros do Mar Morto e a 420 metros abaixo do nível do mar. Os primeiros jarros foram revelados em 1947, depois que um beduíno encontrou os documentos ao procurar por um animal perdido. A descoberta foi feita por acaso pelo pastor de ovelhas Muhammad Edh-Dhib. Na época, a região era controlada pelo Reino Unido. Atualmente, faz parte da Cisjordânia, disputada entre palestinos e israelenses.

Os 972 textos localizados no deserto datam de 400 anos antes de Cristo a 300 depois de Cristo. A maioria dos textos foi escrita em hebraico, mas há registros também em aramaico, grego e em uma escrita críptica ininteligível. Os textos foram divididos por pesquisadores entre manuscritos bíblicos (40%); bíblicos apócrifos, isto é, que não foram incluídos na Bíblia (30%) e sectários (30%). Esses revelam a ideologia e dia a dia de judeus da época. Os textos revelam o passado da Judeia sob controle de gregos e romanos. Alguns foram escritos durante a vida de Jesus Cristo e revelam a história dos judeus nos primórdios do cristianismo. Entre 225 textos bíblicos está o mais antigo exemplo dos Dez Mandamentos.

Em fevereiro deste ano, pesquisadores da Universidade Hebraica de Jerusalém anunciaram a descoberta de uma 12ª cova que guardou os pergaminhos. Até então, os arqueólogos acreditavam que os manuscritos haviam sido guardados em 11 cavernas. A 12ª gruta, situada a oeste de Qumran, não tinha manuscritos, mas, segundo os especialistas, há provas de que estiveram lá, como fragmentos de cerâmica onde eram colocados os pergaminhos. A caverna 8 também não continha pergaminhos, só indícios.

Entrevista // Fernando Mattiolli, professor de história da UPE e criador do site Manuscritos do Mar Morto

O que o site oferece aos internautas e demais interessados?

Do ponto de vista acadêmico, o site tem servido para aproximar os pesquisadores da área para desenvolver projetos em conjunto, o que já está ocorrendo, e tem se apresentado também como uma fonte para pesquisadores de áreas correlatas que querem utilizar os manuscritos do Mar Morto em suas pesquisas. O que considero ainda mais importante, porém, é que este site pode servir como um espaço mais “ajustado” para a busca de informações para alunos e iniciantes em pesquisas relacionadas aos estudos bíblicos e sociedade judaica dos séculos II antes de Cristo a I depois de Cristo. Isso tem a ver com o ponto de vista não acadêmico que atribuo ao site, que é o de apresentar os manuscritos ao público comum de modo mais realista. O enfoque dado aos manuscritos em alguns meios de comunicação não especializados é, em minha opinião, contraproducente. Eles são tratados muitas vezes com pouca profundidade.

Todos os manuscritos encontrados já foram traduzidos e publicados? E em português, quantos foram traduzidos?

A tradução dos manuscritos se estendeu por décadas. A demora ocorreu graças a uma somatória de problemas. Na década de 1990 houve o que alguns pesquisadores chamam de “revolução” na publicação dos manuscritos do Mar Morto, que fez com que os manuscritos ainda restantes (principalmente aqueles que estavam fragmentados) fossem publicados para a comunidade acadêmica (o que terminou definitivamente na década de 2000). Os textos foram publicados na edição oficial dos manuscritos do Mar Morto, conhecida como Discoveries in the Judaean Desert. No Brasil, temos vários textos incompletos traduzidos desde 1957 – mas todos eles ficaram demasiadamente restritos ao público acadêmico e, mais restritos ainda, aos teólogos. Apenas em 1987, tivemos a primeira tradução “completa” do texto inglês do falecido erudito bíblico Geza Vermes, conhecida como Os manuscritos do Mar Morto. Ela foi ampliada e atualizada até sua última reedição, de 2008. Contudo, a melhor edição em português (mas também não isenta de erros) é a de Florentino García Martínez, chamada Textos de Qumran, lançada em 1995. No site, os principais manuscritos estão disponibilizados para download.

Os manuscritos provam ou negam a existência de Cristo?

Até a descoberta dos manuscritos do mar Morto, há 70 anos, o número de fontes que ajudavam os pesquisadores a recriar o quadro social dos dias de Jesus de Nazaré era limitado. Atualmente, é muito difícil fazer um estudo aprofundado daquela sociedade sem que se faça menção aos manuscritos. Eles refletem o pensamento social e religioso dos séculos 2 antes de Cristo a 1 depois de Cristo, período em que foram escritos. Portanto, os documentos são contemporâneos a Jesus de Nazaré. Posso citar um exemplo bastante conhecido dos pesquisadores da área que mostra como entender Jesus. Em seus dias, diante das dificuldades políticas e sociais pelas quais passava a Judeia, havia uma expectativa muito grande da vinda de um “libertador”, um “Messias”. Jesus foi considerado como tal por um grupo. Os manuscritos também apresentam um indivíduo histórico, chamado de “Mestre da Justiça”, que exerceu uma função similar à de Jesus mais de um século antes de seu nascimento. O que isso mostra para nós? Que as expectativas messiânicas não eram exclusivas de um grupo religioso, mas eram compartilhadas por grupos diversos do período. Contudo, os manuscritos não tratam em nenhum momento de Jesus de Nazaré.

Linha do tempo:

1947 - Os primeiros manuscritos são descobertos em Qumran, na Cisjordânia, por um pastor que achou a primeira caverna com jarros cerâmicos com os rolos de papiro

1948 - A autenticidade dos documentos é atestada após serem vendidos para um bispo do mosteiro ortodoxo sírio São Marcos em Jerusalém, e para Eleazar Sukenik, da Universidade Hebraica

1967 - Israel apropria-se do acervo que estava no Museu Arqueológico da Palestina, em posse do governo da Jordânia, que então controlava o território de Qumran

1975 - Descoberta dos últimos textos dos manuscritos do Mar Morto, na Fortaleza de Massada, pelo arqueólogo israelense Yigael Yadin

1991 - A Biblioteca Huntington quebra sigilo em relação a microfilmes que Israel havia enviado para algumas instituições

2015 - Pesquisadores da Universidade de Kentucky decifraram versículos do Livro de Levítico a partir de um rolo de pergaminho encontrado carbonizado na Arca Sagrada da sinagoga de Ein Gedi

2016 - Em fevereiro, Israel anuncia a descoberta de mais uma cova dos manuscritos. O local não contém documentos, mas há provas de que estiveram lá

2016 - Em maio, o Museu de Israel começa a postar os manuscritos na internet. Detalhes invisíveis a olho nu podem ser ampliados para até 1,2 mil megapixels

2017 - O pesquisador e professor da UPE Fernando Mattiolli lança o site Manuscritos do Mar Morto, com documentos traduzidos para o português

Fontes: Site Manuscritos do Mar Morto e Museu de Israel

Leia a notícia no Diario de Pernambuco
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