Vida Urbana

Os desafios das vidas raras

Em Pernambuco, estima-se que 530 mil pessoas sofrem de alguma doença rara. Nessa quarta-feira, 28 de fevereiro, se lembra o Dia Mundial da Doença Rara

João Pedro e a mãe ressignificam a cada dia o valor da vida. Foto: Arquivo de Família

João Pedro tem um sorriso lindo. Mergulhado em seu universo mágico, o menino de sete anos ensina - sem palavras - a mãe, Elaine Cristina, a perseverar. Todo dia é um recomeço. A cada nova descoberta, uma nova série de desafios. No desespero, ele também chora. Chora junto à mãe. No braço. Ainda não tem controle do próprio corpo. Talvez não entenda a aflição dela. Talvez traga em si essa mesma aflição. O menino sofre de uma doença de nome estranho, a hemimegalencefalia. Provavelmente, você nunca ouviu falar dela. Doença rara. Rara como a vida de João.

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Muitas interrogações crescem à sombra do desconhecido. Quando meu filho vai falar? Quando minha filha vai andar? Eles vão ser crianças normais? Quando o diagnóstico de uma doença rara chega, tudo muda. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, uma doença é considerada rara quando acomete até 65 pessoas em um grupo de 100 mil, aproximadamente, uma para cada duas mil. Nessa conta, o Brasil já soma 13 milhões de pacientes de doenças raras. Em Pernambuco, a estimativa é de que 530 mil pessoas tenham alguma dessas enfermidades, como o João.

Na literatura médica, a relação de doenças raras atinge números expressivos e preocupantes. São cerca de oito mil elencadas e, em 95% dos casos, não há tratamento específico para essas doenças. As enfermidades são caracterizadas por uma ampla diversidade de sinais e sintomas e variam não só de doença para doença, como também de paciente para paciente. Falar sobre cura ainda é prematuro. 

"O que é raro é difícil de ser encontrado. Até mesmo os médicos têm pouco contato com as enfermidades raras. Há quem termine a faculdade sem nunca ter ouvido falar em determinadas doenças. Aqui no estado, por exemplo, não temos um mapeamento dos pacientes. Nosso banco de dados é formado pelos casos de notificação obrigatória, como a Síndrome Congênita do Zika Vírus, considerada também uma doença rara", explicou a neurologista infantil do Hospital Barão de Lucena, Vanessa Van Der Linden, uma das mentes por trás da criação do Centro de Referência de Doenças Raras de Pernambuco, que deverá ser inaugurado até maio.

"No mundo, temos centros médicos que se especializam em doenças específicas. O problema é que a gente se interessa pelo que conhece. No Nordeste, não há nenhum espaço de atendimento e pesquisa voltado para doenças raras. É preciso entender que o diagnóstico é importante independente do tratamento ser para os sintomas ou para a enfermidade. Pode ser que não tenhamos as respostas para a cura, mas conhecendo a doença, podemos prevenir as consequências e até mesmo evitar que uma herança genética se propague", advertiu.

A doença de João Pedro causa uma má-formação congênita e atinge um dos hemisférios cerebrais. No caso dele, o lado direito. Ao longo de sete anos, ele sofreu crises convulsivas e atraso no desenvolvimento psicomotor. Em meio à ausência de diagnóstico, desenvolveu também o espectro autista. "Era uma média de 25 crises diárias, mais os espasmos constantes, os surtos e revirar de olhos", desabafou a mãe. "Eu vivia de neuro em neuro com ele, foi parar numa sonda gástrica. Ficou sem medicação por um mês, porque o estado não oferecia e não tinha em farmácia particular. Saí do Recife com meu filho quase morto nos braços. Procurei ajuda no Instituto do Cérebro (Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer), no Rio de Janeiro. O estado dele era tão grave que, em menos de uma semana, ele foi submetido a primeira cirurgia. Em um mês, foram três", lembrou Elaine. "Se não fosse por isso, hoje ele não estaria aqui".

João Pedro fez a primeira cirurgia, de urgência, no dia 7 de junho de 2017. "Pelo que o médico falou, era para ter sido feita com dez meses de vida, quando as crises começaram. Eu vivi sete anos sem saber o que meu filho tinha. Os médicos daqui são muito desinteressados. Eles mandam dar tal remédio, se não funciona, passam outro e outro. Nunca se aprofundam", desabafou a mãe. "Hoje, a nossa vida é outra. A luta diária continua, mas, com o controle das crises, ele vai reaprender a viver. Virou bebê de novo. É como se acabasse de nascer e vai aprender a falar, andar, sentar. Nunca foi à praia. Vive no mundinho dele, mas, depois da cirurgia, existe expectativa. Quem é mãe de um paciente de doença rara sabe. A gente faz tudo por eles. Brigamos, lutamos, choramos, mas não desistimos. Quando meu filho vai fazer tudo isso? Não sei. Só o tempo vai dizer. E o tempo é dele".

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