Urbanismo

Linha do tempo: terreno do Cais José Estelita é alvo de disputas há sete anos

Publicado em: 25/03/2019 10:17 | Atualizado em: 27/03/2019 12:27

Vista aérea do Cais José Estelita, em 2010. Foto: Helder Tavares/Arquivo DP.
O terreno do Cais José Estelita, área central do Recife, que voltou a ser notícia nesta segunda-feira (25) com a retomada da demolição dos galpões, é alvo de impasses há sete anos. Mobilizações do Movimento Ocupe Estelita começaram em 2012, quatro anos depois de o consórcio Novo Recife, formado pelas construtoras Moura Dubeux, Queiroz Galvão, GL Empreendimentos e Ara Empreendimentos, comprar em leilão a área da antiga Rede Ferroviária Federal (RFFSA). Quando foi lançado, o projeto imobiliário pretendia construir 12 torres residenciais e comerciais de alto padrão, com até 40 andares. O metro quadrado das unidades do empreendimento custaria de R$ 5,5 mil a R$ 7,5 mil, o que tornaria a área uma das mais caras da cidade. Além disso, o plano previa estacionamentos para cerca de cinco mil veículos.

No dia 29 de fevereiro de 2012, o consórcio Novo Recife anunciou o início das obras no Cais José Estelita. Contrários à construção dos prédios por entender que o projeto seria danoso à cidade por não apresentar relatórios de impacto ambiental e de vizinhança e por ser desproporcional à massa edificada do bairro de São José, estudantes, arquitetos, professores e movimentos sociais começaram a se organizar para protestar contra o Novo Recife.

Apesar dos protestos, o projeto imobiliário foi aprovado pelo Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU) da Prefeitura de Recife em 28 de dezembro de 2012, a três dias do fim da gestão do ex-prefeito do Recife João da Costa (PT). A sessão foi realizada a portas fechadas. O ano que seguiu a aprovação, 2013, foi marcado pela intensificação da batalha judicial sobre o andamento do projeto. Os eventos promovidos pelo movimento Ocupe Estelita na área também se tornaram mais frequentes.

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Nos primeiros meses de 2013, a então promotora de Defesa do Meio Ambiente do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), Belize Câmara, participou de debates sobre o projeto Novo Recife em audiências públicas e entrou com uma ação civil pública em que solicitou a suspensão do plano imobiliário. Entre outros pontos, a promotora argumentava que o projeto não obedeceu a critérios básicos para a construção, como o parcelamento do terreno (divisão em lotes) antes de sua aprovação.

No dia 1º de março de 2013, uma semana após a Justiça suspender o processo de aprovação do projeto na Prefeitura do Recife, em resposta à ação civil pública movida pela promotora, ela foi afastada da Promotoria de Defesa do Meio Ambiente do Recife. Aos gritos de “Volta, Belize!”, cerca de 100 pessoas realizaram uma manifestação, no dia 6 de março de 2013, em frente à sede do MPPE, no bairro de Santo Antônio.

Em abril de 2013, integrantes do movimento Ocupe Estelita ocuparam o cais para o evento Ocupe Estelita +1, definida por eles como “um momento de encontro, um espaço para discussão dos rumos e impactos do processo de desenvolvimento urbano em curso no município do Recife”. O encontro aconteceu na tarde do dia 28 e promoveu exposição fotográfica, shows, apresentações teatrais e de dança, plantio de árvores e palestra.

Depois de a aprovação do projeto Novo Recife pelo Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU) da Prefeitura de Recife ter sido anulada pela Justiça após a ação movida pela promotora Belize Câmara, em agosto de 2013, a Câmara dos Vereadores do Recife aprovou o projeto de lei 23/2013, de autoria do prefeito Geraldo Julio (PSB), transferindo o CDU da Secretaria de Planejamento para a Secretaria de Mobilidade e Controle Urbano. A decisão foi alvo de protesto de entidades, como o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU-PE) e a Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Pernambuco (OAB-PE), e do grupo Direitos Urbanos, contrários à mudança.

Após as mudanças, no dia 21 de maio de 2014, o grupo imobiliário responsável pelo Novo Recife conseguiu autorização da Prefeitura de Recife para demolir os antigos armazéns de açúcar, mesmo após a Justiça ter proibido qualquer etapa da obra em função da ausência de estudos de impacto obrigatórios. Apesar da mobilização social, que durava mais de dois anos, o Consórcio Novo Recife deu início à demolição do cais.

A operação começou por volta da meia noite e chamou a atenção de um dos ativistas do movimento Ocupe Estelita, que passou pelo local no momento e enviou imagens da destruição por celular para outros ativistas. A notícia se espalhou pelas redes sociais. Um grupo foi até o cais e decidiu passar a noite no local vigiando para que as máquinas não voltassem a derrubar os armazéns. A ocupação, inicialmente programada para acontecer de um dia para o outro, acabou durando 58 dias.

No dia seguinte ao início da ocupação, 22 de maio de 2014, a demolição dos antigos armazéns foi embargada por uma liminar do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que alegou que o consórcio descumpriu um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), firmado entre as empreiteiras e o órgão de proteção ao patrimônio. O documento visava garantir a proteção dos registros relacionados à produção de conhecimento sobre a área. Um dia depois, em 23 de maio de 2014, aconteceu a primeira audiência pública sobre o projeto Novo Recife. A população teve acesso ao plano imobiliário e apontou os problemas que as construções poderiam causar no cais e na cidade, entre eles a perda de parte da história e da identidade do Recife.

Em 3 de junho daquele ano, a Prefeitura do Recife suspendeu a licença que autorizava a demolição dos galpões do cais. Dois dias depois, a construtora Moura Dubeux declarou que o consórcio Novo Recife seria favorável à criação de um novo projeto para a área. No dia 16 de junho, houve uma reunião entre o consórcio Novo Recife, a Prefeitura do Recife, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Pernambuco (CAU-PE), o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA-PE), o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Na reunião, foi estabelecido um prazo de 30 dias para que fossem modificadas as diretrizes urbanísticas do projeto Novo Recife.

O acordo também previa que se fosse ocorrer uma ação de reintegração de posse da área, ela precisaria ser comunicada com 48 horas de antecedência e deveria contar com a presença do Ministério Público. Um dia depois de a concordata ser firmada, porém, em 17 de junho de 2014, com autorização do então governador do estado João Lyra (PSB) – que ocupava o cargo após o afastamento do ex-governador Eduardo Campos para campanha presidencial – o Batalhão de Choque da Polícia Militar de Pernambuco (PMPE) foi enviado ao Cais José Estelita para retirar os manifestantes que ocupavam o local.

Quatro pessoas foram detidas durante a operação, entre elas dois estrangeiros – um peruano e um argentino. De acordo com o capitão da Polícia Militar de Pernambuco Júlio Aragão, então chefe da Comunicação Social da corporação, as prisões aconteceram por “desobediência, ameaça e incitação de violência”. Pela conta do governo de Pernambuco, três pessoas ficaram feridas: uma mulher que desmaiou, um rapaz de 18 anos que foi atingido por estilhaços de bomba de efeito moral e uma manifestante inalou muito gás lacrimogêneo. Integrantes do Ocupe Estelita informaram, no entanto, que o número de feridos foi de 35 pessoas.

Em 2015, votação de projeto na Câmara Municipal do Recife foi marcada por protestos. Foto: Gulherme Veríssimo/Arquivo DP.
Em março de 2015, o Iphan incluiu a área operacional do Pátio Ferroviário das Cinco Pontas – no terreno do Cais José Estelita, vizinho ao local previsto para o projeto Novo Recife – na Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário Brasileiro. Menos de um ano depois da desocupação do cais, em 4 de maio de 2015, a Câmara de Vereadores do Recife aprovou por unanimidade, em primeira e segunda votações, o projeto de lei número 08/2015, o Plano Específico do Cais José Estelita, Santa Rita e Cabanga. A região contemplada pelo projeto fica no centro histórico da cidade, incluindo a área de interesse do Novo Recife.

A sessão na casa do legislativo municipal aconteceu no mesmo dia em que o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) encaminhou à presidência da Câmara um ofício informando sobre ação civil pública que pede a devolução do projeto de lei para o Conselho da Cidade da Prefeitura do Recife. A votação do projeto não estava na pauta do dia da Câmara do Recife. A matéria foi incluída para sessão extraordinária. Houve confusão, com discussão entre vereadores e o então presidente da Casa, Vicente André Gomes (PSB); proibição de entrada do público nas galerias e gritaria entre os ativistas contrários à medida e que conseguiram ficar no plenário. Por causa do tumulto, a bancada de oposição se retirou na hora da votação.

No dia seguinte à votação, pessoas contrárias à aprovação do Plano Específico do Cais José Estelita, Santa Rita e Cabanga fizeram um protesto de aproximadamente cinco horas pelas ruas do Recife. Eles saíram da frente da Câmara de Vereadores. A passeata seguiu pela Rua do Hospício, Avenida Conde da Boa Vista, Ponte Duarte Coelho, Avenida Guararapes, Avenida Dantas Barreto, Nossa Senhora do Carmo, Cais de Santa Rita, Cais José Estelita e Pina. O protesto foi encerrado dentro do RioMar Shopping, na Zona Sul da cidade.

Os integrantes do movimento Ocupe Estelita voltaram a protestar contra o plano no dia 7 de maio de 2015. Reuniram-se na Praça do Derby, na área central do Recife, e fizeram uma passeata pela Avenida Agamenon Magalhães, principal corredor viário do Recife. A troça carnavalesca Empatando Tua Vista, criada pelo movimento e que critica a verticalização excessiva da cidade, tomou a frente do protesto. Antes da caminhada, os ativistas leram um texto explicando os motivos da manifestação. “Ocupamos a cidade e manteremos ocupada pelo tempo que for necessário para sua real transformação. Democratizar nossa cidade é nosso dever e desejo”, dizia o texto.

Ocupação em frente ao prédio do prefeito Geraldo Julio aconteceu em 2015. Foto: Larissa Lins/Arquivo DP.
A caminhada chegou à rua onde morava o prefeito Geraldo Julio (PSB-PE). Um acampamento foi montado em frente ao prédio onde o chefe do executivo municipal vivia. A Rua Neto Campelo, no bairro da Torre, Zona Oeste da cidade, ficou fechada por faixas pedindo que fosse reaberto o diálogo com a Prefeitura do Recife. O evento “Praia do GeJu (referência ao nome do prefeito Geraldo Julio)”, foi divulgado pelo Ocupe Estelita pelas redes sociais. Atividades, como projeções de vídeos e aulas, aconteceram na rua. Dois dias depois de o acampamento ter início, o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), em decisão assinada pelo juiz Djalma Andrelino Nogueira Júnior, determinou a desocupação da Rua Neto Campelo. Moradores do prédio chegaram a instalar uma faixa com a frase “Respeitem nossas famílias” na fachada do edifício. O acampamento foi encerrado. 

Em 30 de setembro de 2015, a Polícia Federal em Pernambuco (PF-PE) informou, em entrevista coletiva à imprensa, que houve fraude no leilão do terreno do Cais José Estelita, que ocorreu em 2008. No mesmo dia, a Câmara Municipal do Recife, em parecer assinado pelo vereador Aerto de Brito Luna (PRP), havia se posicionado favoravelmente ao projeto. “Considerando a viabilidade técnica do Empreendimento e que os projetos atendem às recomendações e aos índices urbanísticos determinados na legislação vigente, opino favoravelmente à aprovação dos projetos”, informava o documento elaborado em resposta ao ofício número 22/2015 da Câmara. 

No dia 28 de novembro de 2015, a Justiça Federal anulou o leilão de venda da área onde seriam construídas as torres. A decisão judicial levou em conta a investigação da Polícia Federal, que apontou que a compra do terreno foi fraudulenta. A decisão do processo número 0001291-34.2013.4.05.8300 determinou que o Consórcio Novo Recife restabelecesse o estado anterior em que o local estava. A sentença atendeu a um pedido do Ministério Público Federal (MPF) e condenou o Consórcio Novo Recife a devolver o patrimônio público em até trinta dias e determinou que a Prefeitura do Recife, a União Federal e o Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan) “se abstenham a autorizar todo e qualquer projeto que controverta ao ambiente histórico, paisagístico, arquitetônico e cultural das áreas do entorno do Forte das Cinco Pontas, incluindo o Cais José Estelita, sob as penas da lei”.

Obra foi retomada nesta segunda-feira (25). Foto: Gabriel Melo/Esp.DP.
Em junho de 2016, a Justiça Federal emitiu uma reafirmação de sentença e manteve a anulação do leilão do Pátio Ferroviário no Cais José Estelita. Para marcar os cinco anos do movimento, ativistas do Ocupe Estelita ocuparam a área do cais no dia 21 de maio de 2017 para promover atividades, como debates e rodas de poesia, música, arte e cinema. Em 25 de março de 2019, o Consórcio Novo Recife informou que "cumprindo as diretrizes definidas pelo poder público junto às expectativas de desenvolvimento para a região do Cais José Estelita, o Consórcio Novo Recife inicia nesta segunda-feira, pela área dos armazéns localizados próximo ao Cabanga, a requalificação do terreno do Cais José Estelita. A ação está amparada no alvará de demolição expedido pela Prefeitura do Recife de nº 710005014".

De acordo com a construtora Moura Dubeux, o projeto inicial foi modificado. O Mirante do Cais será composto por dois edifícios residenciais. O andar térreo das duas torres contemplarão lojas de comércio e serviços. As plantas serão de quatro tipos: 226, 232, 262, 268 metros quadrados, com o preço do metro quadrado a R$ 8 mil. Com dois apartamentos por andar, cada unidade terá quatro suítes e quatro vagas na garagem. “Esse empreendimento cumpre as diretrizes definidas pelo poder público junto às expectativas de desenvolvimento para a região do Cais José Estelita, com 65% do terreno total do Cais José Estelita destinado a uso público”, afirmou um dos diretores da MD, Eduardo Moura, em novembro de 2018. 


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