Livros: para muitos, mas infelizmente não tantos no Brasil, uma fonte de deleite, lazer. Para todos, uma necessidade. Nas escolas públicas então, algo indispensável. Apesar disso, atualmente apenas em torno de 40% destas instituições brasileiras possuem uma biblioteca, a despeito da lei de universalização das mesmas, sancionada em 2010, que determina sua presença, bem como de um bibliotecário, em cada uma delas. Cerca de 150 a 200 dos quase 5.600 municípios brasileiros não possuem estes equipamentos e apenas 12% dos 212 milhões da nossa população são leitores plenos, completos, segundo dados do Instituto Nacional de Analfabetismo Funcional (INAF), Paulo Montenegro. Visando minimizar este déficit, foi sancionada, em junho de 2018, a Lei 13.696/18, conhecida como Lei Castilho, que aguarda por regulamentação no governo federal. Ela institui a Política Nacional de Leitura e Escrita (PNLL), que estabelece estratégias para contribuir com a universalização do direito ao acesso ao livro, à leitura, à escrita, à literatura e às bibliotecas. Determina, por exemplo, o comprometimento do estado brasileiro, para, a cada 10 anos, criar um plano que trace e estabeleça metas e ações para o segmento. O professor, bacharel e doutor em Filosofia pela USP, José Castilho Neto, que dá nome à lei, conversou com a reportagem do Diario de Pernambuco sobre a nova lei e a respeito do público leitor no Brasil.
Qual a diferença entre a Lei da universalização das bibliotecas, de 2010, e esta nova que institui a Política Nacional de Leitura e Escrita, a Lei Castilho, de 2018?
A primeira determinava que cada instituição de ensino, incluindo supletivos, por exemplo, tivesse uma biblioteca e um bibliotecário no prazo máximo de 10 anos, que termina em 2020. Exigia ainda que seja um profissional formado em biblioteconomia, o que é mais difícil. Sem dados precisos, fazendo uma sugestão de aposta pelo ritmo em que andam as coisas, acredito que chegaremos em 2020 com, no máximo, 50 a 60% desta estimativa atingida.
Qual o perfil deste profissional que atua nas bibliotecas atualmente e o que a nova lei determina a respeito da sua atuação?
Tanto no nosso país, como na América Latina, os responsáveis pelas bibliotecas costumam ser professores ou funcionários com stress em sala de aula ou problemas de ordem física que são deslocados para estes locais. Quando falamos de políticas públicas, entretanto, estamos falando de um padrão. E este que temos fica a desejar pois podemos dizer que seja de adaptação, não um modelo profissional. A lei que institui a Política Nacional de Leitura e Escrita procura atingir justamente isto: a necessidade de se ter uma biblioteca mínima que possa atender aquela comunidade de alunos, professores, e tenha atividades. Ela também cria, pela primeira vez no Brasil, uma determinação legal de que o estado brasileiro, o Ministério da Educação, Cultura e seus sucedâneos devem manter as diretrizes de implantação de uma política de estado de longo prazo para formar leitores. É óbvio que biblioteca escolar é fundamental para formar leitores dentro de uma escola, mas trata-se apenas de uma peça deste grande quebra-cabeça que é esta missão no país. A lei dá as diretrizes para que programas e ações sejam realizados. Estabelece que todas estas iniciativas devam ser voltadas para a democratização do acesso à leitura.
E a respeito da exigência de formação e incentivo à formação de mediadores de leitura?
Não basta ter livro, biblioteca com porta aberta, bom atendimento e títulos na prateleira se não tem ninguém que faça essa mediação entre o não-leitor e o livro. É preciso ter alguém que incentive. Por isso precisamos ter cada vez mais bibliotecários, agentes culturais, mediadores. A biblioteconomia no Brasil tem uma tradição muito forte do ponto de vista técnico, é muito avançada na classificação dos livros, organização do acervo, constituição de coleções, mas não oferece curso de mediação de leitura. Então, muitas vezes, este profissional é altamente qualificado nas suas funções de conservação, preservação, mas não sabe pegar um livro da estante e contar a história para uma criança, para uma pessoa de idade ou alguém que não saiba ler, fazer uma indicação com entendimento das necessidades daquela pessoa, além de não conseguir organizar na biblioteca uma roda de conversa, um clube de leitura. São essas coisas que formam leitores e estão previstas na lei.
O quanto a formação de leitores e de espaços como bibliotecas públicas pode minimizar, por exemplo, o problema da evasão escolar?
Dados apresentados há seis anos demonstraram que em torno de 70 milhões de jovens deixariam a escola em algum momento e não voltariam para ela. Se o jovem para de estudar aos 15 ou 17 anos e nunca mais retornar, vai alcançar educação para sua vida ou trabalho onde? Em outras ações fora da escola. Há bibliotecas em quase toda cidade deste país. Se reavivá-las com atividades culturais é uma maneira não apenas de minimizar a falta da escola, mas de dar chances deste cidadão voltar à escola na educação formal, seja Educação à Distância ou alguma atividade profissionalizante.
Quais os cenários de ontem e hoje das bibliotecas públicas no Brasil?
Nosso país tem aproximadamente 5.600 cidades e em torno de 6.700 bibliotecas. Acredito que deva haver 150 a 200 delas sem estas instituições. E não porque nunca houvesse tido. Muitas foram fechadas pela próprias prefeituras. Houve esforços no caso do Plano Nacional do Livro e Leitura, do Ministério da Cultura, neste sentido. Entre 2003 e 2010, no primeiro e segundo governo Lula, foram criadas quase 1.800 bibliotecas em cidades que nunca tinha havido nenhuma. Um aumento de 58% depois de 2007. Em 2010, apenas cerca de 30 cidades não a tinham. Agora, este número aumentou bastante. . Por isso digo, o principal problema é o descaso com o tema, mais do que a questão econômica.
Como analisa a situação de Pernambuco neste panorama?
Pernambuco tem uma sociedade muito ligada à questão das letras. Tem autores diversos, tradição intelectual, bibliotecas, movimentos, saraus, contadores de histórias, uma grande riqueza na área das letras e literatura. O que precisaria ser feito? Dar uma organicidade em tudo isso, criar uma sistemática e dinâmicas de longo prazo. Se fazemos ações isoladas, mas não conversarmos, achamos que fazemos pouco. É isso que está acontecendo.