Vida Urbana

O grito de misericórdia: após desocupação, Holiday espera por dias felizes

Vidros estilhaçados, mato crescente, destroços de paredes e ferros espalhados pelo chão e sinais de arrombamento. Quase dois anos após sua desocupação, o edifício Holiday, em Boa Viagem, tornou-se símbolo de melancolia, resistência, indefinição e angústia para os antigos residentes. Sem os tapumes erguidos no local na época da evacuação determinada pela Justiça, em março de 2019, o imóvelfoi ocupado parcialmente por pessoas em vulnerabilidade, que vivem nele sem segurança e não tem projetos de restauração.

A decisão de retirar os moradores foi baseada em um pedido de interdição pela Prefeitura do Recife, que apontou altos riscos de incêndio e desabamento devido aos problemas na parte elétrica. Um ano e nove meses depois, já não se veem as estruturas metálicas que antes impediam as pessoas de transitarem no prédio modernista de 17 andares.

Na manhã em que o Diario esteve no local, dois homens que dormiam na calçada do prédio foram socorridos pelo Samu após outros companheiros informarem que eles tiveram convulsões. Há tensão no local: antigos moradores, que procuram respostas, e os atuais ocupantes, chegaram a pedir moradia a esta repórter, achando que representava um órgão público.


“O descaso que está acontecendo aqui todo mundo está vendo. Vim morar no Holiday quando eu tinha 19 anos e estava saindo do interior do estado. Trabalhei todo esse tempo na casa de uma família que mora aqui perto. Eu trabalhei tanto para comprar meus apartamentos. Eu tinha quatro [apartamentos] aqui. Em um eu morava, o outro era da minha filha e outros dois eu alugava para completar a minha renda. Agora, eu divido uma casa com ela e pagamos R$ 1,3 mil de aluguel. Com o dinheiro que eu estou pagando, nessa pandemia eu poderia estar comendo”, contou, com a voz embargada, a empregada doméstica aposentada Darci Santos, 63.

Junto de Darci estavam Josiane Miranda, presidente da Associação dos Barraqueiros de Coco de Boa Viagem e subsíndica do Holiday e Fernando Leão, vice-presidente da Associação dos Ambulantes de Boa Viagem e representante da comissão de moradores do condomínio. Josiane e Fernando também são ex- -moradores.

“O que me incomoda é que tiraram os moradores, não recebemos nenhum apoio, e agora a área virou um ponto de compra e venda de drogas. O espaço foi invadido. Da última vez que eu vim aqui tentaram me atingir arremessando uma pedra. Eu venho ver como as coisas estão e fico irritado com tudo o que acontece por aqui”, contou Fernando.

Os três passaram o período da manhã observando a movimentação na área e mostraram, de longe, onde ficavam os seus apartamentos e como estão agora. “Roubaram a grade do meu apartamento e só não levaram a janela porque não é do tipo que eles conseguem vender. Querem dizer que nós somos culpados, mas nós que perdemos tudo. Hoje nós temos medo de sermos assaltados quando chegamos aqui, já tentaram roubar o celular de Josiane”, acrescentou.

“Existem dois Holidays, o de antes e o de agora. Éramos uma comunidade, nós nos ajudávamos em tudo; agora estamos pela misericórdia. É muito triste ver que

os moradores vivem hoje espalhados pelas favelas do Recife. Esse prédio era uma bênção”, desabafa, com lágrimas nos olhos, Josiane. Darci Santos também revelou que entrou em depressão após a determinação de ocupação do local.

“É muito duro trabalhar tantos anos para ter um lugar para morar e depois viver essa situação. Tem dias que não como, perco a vontade. Eu pagava minhas contas, saí daqui com tudo quitado. Meu luxo era o meu café, meu cigarro, meu trabalho e a vista para o mar. Tantos outros moradores saíram daqui e morreram logo em seguida de tristeza e desgosto com tudo o que aconteceu”, confessou.

Os três projetos de recuperação para retomar a habitabilidade -recuperação estrutural, reforma elétrica e adequação às normas de segurança, prevenção ecombate a incêndio - ainda não estão prontos. A expectativa, em março, quando começou a pandemia, era que fossem concluí dos em 30 dias. A reportagem procurou o síndico do prédio, mas não obteve retorno.

Polícia diz fazer ronda no entorno

Em nota, a Secretaria de Defesa Social(SDS) informou que as polícias atuam no entorno do Holiday e ao longo da Avenida Conselheiro Aguiar e que após a Operação Desocupação do Holiday, conforme decisão judicial, as chaves foram entregues ao síndico, como fiel depositário. Ainda de acordo com SDS, a Justiça determinou que a vigilância e a guarda do condomínio cabem ao síndico.

A reportagem questionou ao Conselho Regional de Engenharia eAgronomiade Pernambuco sobre o risco de de desabamento. O órgão informou que a fiscalização vai ao Holiday verificar se há obra irregular em andamento, conforme atribuição legal.

 

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