DESAFIOS
Entre o alívio e a dor: as várias lutas das crianças com microcefalia na pandemia
Por: Júlia Rodrigues
Publicado em: 30/01/2021 17:03 | Atualizado em: 31/01/2021 17:27
Germana segurando Guilherme nos braços no aniversário de 5 anos do pequeno (Foto: Paloma Aquino ) |
“Quando tem-se um filho sem deficiência, é esperado só a evolução natural deles. Com as nossas crianças não é desse jeito. Tem criança que começa a sustentar o pescoço com cinco anos, e para nós isso é melhor que Copa do Mundo”. Germana Soares, 29, define assim o sentimento de ver o filho crescer. Empreendedora de responsabilidade social, como se autodenomina, ela é mãe do pequeno Guilherme, de cinco anos. Ele faz parte de uma geração de crianças afetadas pela síndrome congênita do zika vírus, que tem a microcefalia entre suas manifestações. Mesmo imersa em uma vida reinventada pelo afeto e resiliência construída em família, a luta de cada dia pela garantia de direitos básicos do filho segue uma constante no ano que se inicia, em meio às incertezas ainda provocadas pela pandemia da Covid-19.
A guardiã de Guilherme, como costuma dizer, é fundadora da União de Mães de Anjos (UMA), criada com o objetivo de reunir mães de crianças com deficiência e microcefalia, além de também servir para a prestação de assistência a essas famílias.
“O grupo representa a união de mulheres mães que resolveram se unir em prol da luta do segmento da pessoa com deficiência e pelo fortalecimento das mulheres. A UMA é sempre um portal para a inclusão e para essa mãe ter voz. É um lugar onde elas são escutadas e representadas, e se sentem pertencentes à sociedade através da força do coletivo, diferentemente se fosse cada uma por si, tendo que enfrentar os preconceitos e a violação de direitos sozinhas”, diz Germana.
Hoje, a organização tem 431 associados no Recife e nos 14 pontos de apoio distribuídos em Pernambuco. Ao longo da pandemia, a UMA continuou com a distribuição de cestas básicas e materiais básicos de higiene para as famílias associadas da Região Metropolitana e interior do estado, mas no momento enfrenta dificuldades financeiras para seguir com os trabalhos.
Em uma dessas viagens ao interior, em agosto de 2020, Germana foi infectada com o coronavírus pela segunda vez (a primeira foi em maio ) e acabou transmitindo o vírus para boa parte da família, inclusive, para o pequeno Guilherme, além de Geovanna, a filha de três anos, e os pais, de 64.
“Contaminei as pessoas que eu mais temia, que era meu filho, que tem deficiência e asma crônica, e meus pais que já são idosos", lamenta. No pico da contaminação da família, Guilherme apresentou sintomas mais severos. “Meu filho estava vermelho e com 41 graus de febre e sequer falava, só gemia de dor. Ele estava muito cansado. Eu peguei a bombinha, o corticóide e apliquei nele. Fiz todo o procedimento de urgência. Se ele não melhorasse, eu seria obrigada a levá-lo para o hospital", explica.
Os contratempos causados pelo novo coronavírus fazem parte do cenário de um ano repleto de dificuldades para a continuidade do tratamento de Guilherme e de várias outras crianças com microcefalia no estado. O filho de Germana está há cerca de um ano sem acesso à totalidade das atividades de terapia - parte de sua rotina desde os 20 primeiros dias de vida -, como fisioterapia, natação, Terapia Ocupacional e psicologia, essenciais para manter o corpo em movimento constante, assim como para minimizar os riscos de atrofia.
Dificuldades aumentaram sem os tratamentos
Atualmente, as sessões de Guilherme são realizadas em um hospital particular, na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) e em uma clínica privada, onde é bolsista. No último local, a atividade de equoterapia para o garoto retornou na sexta (22). Após oito meses parado em casa, o menino chegou a fazer uma sessão de fisioterapia em dezembro, que é realizada apenas uma vez por semana.
“A falta de terapia foi o que mais atrasou a vida dos meninos. Eles ficaram integralmente parados em casa. A gente faz alongamento com eles, os coloca para ficar em pé no parapódio, mas não é a mesma coisa que uma intervenção de um profissional. Muitas dessas crianças regrediram muito. Estamos em janeiro e muitas unidades não retornaram ainda”, comenta Germana.
As consequências da falta de exercícios logo foram percebidas pela mãe. “Identifiquei que Guilherme estava regredindo na parte óssea do pé esquerdo, que estava atrofiando”. Guilherme participou do programa de teleconsultas, criado pela Secretaria Estadual de Saúde, que viabilizou o atendimento por meio virtual, sem que as famílias precisassem sair de casa. Em uma das consultas, o pequeno foi encaminhado a uma unidade hospitalar e passou cerca de três meses com o pé engessado até recuperar a forma apropriada.
Com as aulas da rede municipal e estadual suspensas desde o início da pandemia, a educação do menino, hoje no grupo 4, também passou a ser uma preocupação. “Ele está sem nenhuma atividade pedagógica. Nesses meses todos, a Prefeitura do Recife não adaptou as atividades feitas pelo professor de sala. Isso dificultou muito. Mais uma vez, os alunos com deficiência foram excluídos”, enfatizou Germana, que também relatou os contratempos para o garoto assistir às aulas em casa. “Por mais que eu me esforce para tentar transmitir algo para ele, existe um cordão umbilical. Não é interessante atribuir também essa função à mãe”, lamenta.
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Educação do Recife afirmou que "o Atendimento Educacional Especializado (AEE) tem dado o suporte necessário" para que as crianças com microcefalia "não fiquem desassistidas", e que "ao longo dos últimos meses, esses estudantes foram acompanhados pelos professores especializados do AEE através de plataformas como a UniRec, da prefeitura, e WhatsApp - por videochamadas".
Já para os alunos com dificuldade de acesso à internet, a secretaria disse que "o AEE produziu atividades impressas que foram entregues aos pais ou responsáveis, como a distribuição de cestas básicas. Além disso, os pais participaram de encontros online sobre as atividades com os estudantes".
Apesar dos contrastes da realidade narrada por Germana e a resposta do município, a empreendedora diz reconhecer os trilhos já alcançados na busca incessante por direitos básicos, mas mantém em mente o árduo caminho de luta que ainda precisa ser percorrido.
“É algo que nunca vai acabar. É preciso admitir que a luta pelo segmento já avançou muito, mas para atender as necessidades básicas das crianças, está muito longe. É uma constante. A gente acorda e já tem que lutar”. Em meio a essa montanha-russa, ela cita os momentos de respiro, que incluem o gosto de Guilherme pela música, tendo o microfone como símbolo mais poderoso de vida, junto ao amor irreparável da mãe.
“É tanta inocência, transborda amor. O mundo está se acabando em maldade e eu sou guardiã de um anjo que veio direto do céu, e isso não é para qualquer pessoa. Guilherme é só amor. Se as pessoas não sabem lidar com um ser tão desprendido de maldade, o erro não está no meu filho, está nas pessoas. É através dele que eu vejo Deus agir, que eu vejo as coisas boas fluírem nos detalhes”, finaliza.
A guardiã de Guilherme, como costuma dizer, é fundadora da União de Mães de Anjos (UMA), criada com o objetivo de reunir mães de crianças com deficiência e microcefalia, além de também servir para a prestação de assistência a essas famílias.
“O grupo representa a união de mulheres mães que resolveram se unir em prol da luta do segmento da pessoa com deficiência e pelo fortalecimento das mulheres. A UMA é sempre um portal para a inclusão e para essa mãe ter voz. É um lugar onde elas são escutadas e representadas, e se sentem pertencentes à sociedade através da força do coletivo, diferentemente se fosse cada uma por si, tendo que enfrentar os preconceitos e a violação de direitos sozinhas”, diz Germana.
Hoje, a organização tem 431 associados no Recife e nos 14 pontos de apoio distribuídos em Pernambuco. Ao longo da pandemia, a UMA continuou com a distribuição de cestas básicas e materiais básicos de higiene para as famílias associadas da Região Metropolitana e interior do estado, mas no momento enfrenta dificuldades financeiras para seguir com os trabalhos.
Em uma dessas viagens ao interior, em agosto de 2020, Germana foi infectada com o coronavírus pela segunda vez (a primeira foi em maio ) e acabou transmitindo o vírus para boa parte da família, inclusive, para o pequeno Guilherme, além de Geovanna, a filha de três anos, e os pais, de 64.
“Contaminei as pessoas que eu mais temia, que era meu filho, que tem deficiência e asma crônica, e meus pais que já são idosos", lamenta. No pico da contaminação da família, Guilherme apresentou sintomas mais severos. “Meu filho estava vermelho e com 41 graus de febre e sequer falava, só gemia de dor. Ele estava muito cansado. Eu peguei a bombinha, o corticóide e apliquei nele. Fiz todo o procedimento de urgência. Se ele não melhorasse, eu seria obrigada a levá-lo para o hospital", explica.
Os contratempos causados pelo novo coronavírus fazem parte do cenário de um ano repleto de dificuldades para a continuidade do tratamento de Guilherme e de várias outras crianças com microcefalia no estado. O filho de Germana está há cerca de um ano sem acesso à totalidade das atividades de terapia - parte de sua rotina desde os 20 primeiros dias de vida -, como fisioterapia, natação, Terapia Ocupacional e psicologia, essenciais para manter o corpo em movimento constante, assim como para minimizar os riscos de atrofia.
Dificuldades aumentaram sem os tratamentos
Atualmente, as sessões de Guilherme são realizadas em um hospital particular, na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) e em uma clínica privada, onde é bolsista. No último local, a atividade de equoterapia para o garoto retornou na sexta (22). Após oito meses parado em casa, o menino chegou a fazer uma sessão de fisioterapia em dezembro, que é realizada apenas uma vez por semana.
“A falta de terapia foi o que mais atrasou a vida dos meninos. Eles ficaram integralmente parados em casa. A gente faz alongamento com eles, os coloca para ficar em pé no parapódio, mas não é a mesma coisa que uma intervenção de um profissional. Muitas dessas crianças regrediram muito. Estamos em janeiro e muitas unidades não retornaram ainda”, comenta Germana.
As consequências da falta de exercícios logo foram percebidas pela mãe. “Identifiquei que Guilherme estava regredindo na parte óssea do pé esquerdo, que estava atrofiando”. Guilherme participou do programa de teleconsultas, criado pela Secretaria Estadual de Saúde, que viabilizou o atendimento por meio virtual, sem que as famílias precisassem sair de casa. Em uma das consultas, o pequeno foi encaminhado a uma unidade hospitalar e passou cerca de três meses com o pé engessado até recuperar a forma apropriada.
Com as aulas da rede municipal e estadual suspensas desde o início da pandemia, a educação do menino, hoje no grupo 4, também passou a ser uma preocupação. “Ele está sem nenhuma atividade pedagógica. Nesses meses todos, a Prefeitura do Recife não adaptou as atividades feitas pelo professor de sala. Isso dificultou muito. Mais uma vez, os alunos com deficiência foram excluídos”, enfatizou Germana, que também relatou os contratempos para o garoto assistir às aulas em casa. “Por mais que eu me esforce para tentar transmitir algo para ele, existe um cordão umbilical. Não é interessante atribuir também essa função à mãe”, lamenta.
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Educação do Recife afirmou que "o Atendimento Educacional Especializado (AEE) tem dado o suporte necessário" para que as crianças com microcefalia "não fiquem desassistidas", e que "ao longo dos últimos meses, esses estudantes foram acompanhados pelos professores especializados do AEE através de plataformas como a UniRec, da prefeitura, e WhatsApp - por videochamadas".
Já para os alunos com dificuldade de acesso à internet, a secretaria disse que "o AEE produziu atividades impressas que foram entregues aos pais ou responsáveis, como a distribuição de cestas básicas. Além disso, os pais participaram de encontros online sobre as atividades com os estudantes".
Apesar dos contrastes da realidade narrada por Germana e a resposta do município, a empreendedora diz reconhecer os trilhos já alcançados na busca incessante por direitos básicos, mas mantém em mente o árduo caminho de luta que ainda precisa ser percorrido.
“É algo que nunca vai acabar. É preciso admitir que a luta pelo segmento já avançou muito, mas para atender as necessidades básicas das crianças, está muito longe. É uma constante. A gente acorda e já tem que lutar”. Em meio a essa montanha-russa, ela cita os momentos de respiro, que incluem o gosto de Guilherme pela música, tendo o microfone como símbolo mais poderoso de vida, junto ao amor irreparável da mãe.
Família reunida celebrando mais um ano de vida de Guilherme (Foto: Paloma Aquino ) |
“É tanta inocência, transborda amor. O mundo está se acabando em maldade e eu sou guardiã de um anjo que veio direto do céu, e isso não é para qualquer pessoa. Guilherme é só amor. Se as pessoas não sabem lidar com um ser tão desprendido de maldade, o erro não está no meu filho, está nas pessoas. É através dele que eu vejo Deus agir, que eu vejo as coisas boas fluírem nos detalhes”, finaliza.
Um "ano de vitórias", apesar da pandemia
“Assim que eu entrei na sala de parto, o médico disse que meu filho não chegaria nem a uma semana de vida, e ele fez cinco anos, no ano mais complicado das nossas vidas, sem precisar se internar um dia sequer. 2020 foi um ano de vitória". Contrariando quase todos os ditos possíveis de um ano repleto de dor, Jaqueline Vieira, 30, teve motivo para comemorar. A dona de casa, também integrante da UMA, é mãe de Daniel. O menino de cinco anos também faz parte do primeiro quadro de crianças registradas com microcefalia no estado. Diferente de anos anteriores, em 2020 o pequeno não adoeceu.
“Todos os anos, ele era internado de duas a três vezes com infecção urinária ou com uma gripe muito forte que acabava desencadeando uma crise convulsiva. Com a pandemia, ficamos desesperadas. Achávamos que se os nossos filhos pegassem o vírus, não iriam resistir pelo fato de serem debilitados. Eu comecei a ficar muito neurótica, ia no mercado passando mal, com medo de contrair a doença e levar para dentro de casa. Isso deixou muitas famílias aterrorizadas. Mas graças a Deus, 2020 passou e Daniel não teve nada”, agradeceu.
Por outro lado, Jaqueline, que é mãe solo, viu seu filho ser afetado de outra forma pela pandemia. Ele faz terapia praticamente desde que nasceu, e passou aproximadamente 10 meses sem as sessões - paralisação iniciada em dezembro de 2019 com o recesso dos profissionais, e emendada após a instalação do coronavírus no estado. Ele faz tratamento de fonoaudiologia no Hospital Oswaldo Cruz, de fisioterapia e Terapia Ocupacional no Centro de Reabilitação de Olinda.
“Daniel ficou sem fisioterapia, sem fono. Os trabalhos que eu fazia com ele não eram iguais ao que uma fisioterapeuta faz. Com o tempo, eu fui percebendo que ele não conseguia mais abrir os braços, e quando abre os joelhos, ele começa a chorar. Ficou com encurtamento nos cotovelos, nas mãos e nos dois joelhos. A coluna dele está começando a ficar toda deformada”, descreve.
Através de orientações médicas em uma consulta online, a mãe do menino diz que conseguiu realizar algumas atividades em casa com Daniel, na tentativa de amenizar os efeitos da falta de terapia para o filho. Ela, inclusive, chegou a lançar uma vaquinha para comprar um parapódio para estimular os exercícios da criança em casa, mas a campanha não teve a visibilidade necessária. Ainda assim, quem quiser contribuir com a família basta entrar em contato com Jaqueline, através do 81 99805-7287.
Somente em outubro, no entanto, ele voltou a frequentar a sessão de fisioterapia, que funciona apenas uma vez por semana no Centro de Reabilitação de Olinda, e de fono, no Oswaldo Cruz. “Hoje está sendo bem doloroso para ele por conta dos exercícios para o braço voltar ao normal”. Além da preocupação com a mobilidade de Daniel, a aquisição de parte dos medicamentos também é motivo de dor de cabeça para a mãe do menino.
Ela relata que tem acesso de forma gratuita ao Carbamazepina - serve para conter crise convulsiva -, mas custeia do próprio bolso os demais remédios, como Ezolometazol (para o estômago), que custa cerca de R$ 60 uma caixa com 28 comprimidos, o Sonebon (anticonvulsivante e relaxante muscular), além dos medicamentos para nebulização, uma vez que Daniel também tem asma crônica.
Na pré-alfabetização de uma escola municipal de Olinda, a continuação dos estudos do menino se transformou numa grande incógnita para o ano que se inicia. “Estou vendo como vou fazer. As outras crianças querem estar perto, beijando, abraçando, então temos que ver como vai ser”, cita, se referindo à necessidade de haver uma readaptação nas escolas para receber as crianças com deficiência. A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Educação de Olinda, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.
Ainda gestante de Daniel, em 2015, Jaqueline foi diagnosticada com um câncer de útero, e depois recebeu a notícia de um médico que seu filho dificilmente viveria por mais de sete dias. A vida, então, tratou de contrariar as estatísticas. Hoje, Jaqueline, que também é mãe de João Pedro, de 9 anos, diz não imaginar a vida sem Daniel.
“Às vezes tem tristeza, quando as coisas não dão certo, por não ter toda qualidade de vida, mas Daniel, hoje, na minha vida, é só gratidão. A gente não vive mais sem ele”.
O que diz a SES-PE?
Questionada sobre as alternativas tomadas na prestação de assistência às crianças com microcefalia no decorrer da pandemia no estado, a Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE) disse que implementou adequações no acompanhamento dos pacientes e que as equipes de saúde foram mobilizadas para atender o público. De acordo com a SES, as crianças com microcefalia e outras deficiências foram as primeiras contempladas com teleconsultas no SUS.
“Por meio do Núcleo Estadual de Telessaúde da SES-PE, foram ofertadas mais de 9 mil teleconsultas entre os meses de março e setembro de 2020. Também foram realizados o telemonitoramento de 53 crianças e familiares com síndrome gripal para encaminhamento via teleconsulta com infectologista de referência”.
Segundo a secretaria, também foi ofertado material online para auxiliar os profissionais de saúde e as famílias no cuidado com as crianças, além de “vídeoaulas sobre o cuidado terapêutico” com o grupo, disponíveis em www.youtube.com/esppe.
Apesar de os serviços ambulatoriais já terem retornado, a SES explica que "assistência à parte destas crianças continua acontecendo de forma híbrida, e outras estão sendo acompanhadas no formato presencial ou somente online. Estas definições ocorrem considerando o contexto local e desejo dos familiares". A secretaria também disse que "cerca de 96% das crianças confirmadas com a Síndrome da Zika Congênita no Estado são acompanhadas por equipe de reabilitação e outros profissionais especializados. Lembrando que há pacientes em acompanhamento na rede privada e outros que as famílias não desejaram dar continuidade à assistência".
Por outro lado, é importante ressaltar que muitas famílias, inclusive aquelas que não têm acesso à internet, ainda não se sentem seguras em levar as crianças às sessões terapêuticas, uma vez que o número de casos de pessoas contaminadas com o novo coronavírus vem aumentando semanalmente.
Quanto aos medicamentos que ainda não estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS) para a retirada gratuita das famílias, a Secretaria Estadual de Saúde afirmou que a incorporação de novos medicamentos ao sistema é realizada pelo Ministério da Saúde (MS), e que "atualmente, o programa de medicamentos excepcionais do Governo do Estado já conta com fármacos para tratar epilepsia, convulsão, hiperatividade e refluxo, algumas das consequências da microcefalia nessas crianças".
“Assim que eu entrei na sala de parto, o médico disse que meu filho não chegaria nem a uma semana de vida, e ele fez cinco anos, no ano mais complicado das nossas vidas, sem precisar se internar um dia sequer. 2020 foi um ano de vitória". Contrariando quase todos os ditos possíveis de um ano repleto de dor, Jaqueline Vieira, 30, teve motivo para comemorar. A dona de casa, também integrante da UMA, é mãe de Daniel. O menino de cinco anos também faz parte do primeiro quadro de crianças registradas com microcefalia no estado. Diferente de anos anteriores, em 2020 o pequeno não adoeceu.
“Todos os anos, ele era internado de duas a três vezes com infecção urinária ou com uma gripe muito forte que acabava desencadeando uma crise convulsiva. Com a pandemia, ficamos desesperadas. Achávamos que se os nossos filhos pegassem o vírus, não iriam resistir pelo fato de serem debilitados. Eu comecei a ficar muito neurótica, ia no mercado passando mal, com medo de contrair a doença e levar para dentro de casa. Isso deixou muitas famílias aterrorizadas. Mas graças a Deus, 2020 passou e Daniel não teve nada”, agradeceu.
Jaqueline Vieira, Daniel (no centro) e João Pedro (Foto: Arquivo Pessoal) |
Por outro lado, Jaqueline, que é mãe solo, viu seu filho ser afetado de outra forma pela pandemia. Ele faz terapia praticamente desde que nasceu, e passou aproximadamente 10 meses sem as sessões - paralisação iniciada em dezembro de 2019 com o recesso dos profissionais, e emendada após a instalação do coronavírus no estado. Ele faz tratamento de fonoaudiologia no Hospital Oswaldo Cruz, de fisioterapia e Terapia Ocupacional no Centro de Reabilitação de Olinda.
“Daniel ficou sem fisioterapia, sem fono. Os trabalhos que eu fazia com ele não eram iguais ao que uma fisioterapeuta faz. Com o tempo, eu fui percebendo que ele não conseguia mais abrir os braços, e quando abre os joelhos, ele começa a chorar. Ficou com encurtamento nos cotovelos, nas mãos e nos dois joelhos. A coluna dele está começando a ficar toda deformada”, descreve.
Através de orientações médicas em uma consulta online, a mãe do menino diz que conseguiu realizar algumas atividades em casa com Daniel, na tentativa de amenizar os efeitos da falta de terapia para o filho. Ela, inclusive, chegou a lançar uma vaquinha para comprar um parapódio para estimular os exercícios da criança em casa, mas a campanha não teve a visibilidade necessária. Ainda assim, quem quiser contribuir com a família basta entrar em contato com Jaqueline, através do 81 99805-7287.
Somente em outubro, no entanto, ele voltou a frequentar a sessão de fisioterapia, que funciona apenas uma vez por semana no Centro de Reabilitação de Olinda, e de fono, no Oswaldo Cruz. “Hoje está sendo bem doloroso para ele por conta dos exercícios para o braço voltar ao normal”. Além da preocupação com a mobilidade de Daniel, a aquisição de parte dos medicamentos também é motivo de dor de cabeça para a mãe do menino.
Ela relata que tem acesso de forma gratuita ao Carbamazepina - serve para conter crise convulsiva -, mas custeia do próprio bolso os demais remédios, como Ezolometazol (para o estômago), que custa cerca de R$ 60 uma caixa com 28 comprimidos, o Sonebon (anticonvulsivante e relaxante muscular), além dos medicamentos para nebulização, uma vez que Daniel também tem asma crônica.
Na pré-alfabetização de uma escola municipal de Olinda, a continuação dos estudos do menino se transformou numa grande incógnita para o ano que se inicia. “Estou vendo como vou fazer. As outras crianças querem estar perto, beijando, abraçando, então temos que ver como vai ser”, cita, se referindo à necessidade de haver uma readaptação nas escolas para receber as crianças com deficiência. A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Educação de Olinda, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.
Ainda gestante de Daniel, em 2015, Jaqueline foi diagnosticada com um câncer de útero, e depois recebeu a notícia de um médico que seu filho dificilmente viveria por mais de sete dias. A vida, então, tratou de contrariar as estatísticas. Hoje, Jaqueline, que também é mãe de João Pedro, de 9 anos, diz não imaginar a vida sem Daniel.
“Às vezes tem tristeza, quando as coisas não dão certo, por não ter toda qualidade de vida, mas Daniel, hoje, na minha vida, é só gratidão. A gente não vive mais sem ele”.
O que diz a SES-PE?
Questionada sobre as alternativas tomadas na prestação de assistência às crianças com microcefalia no decorrer da pandemia no estado, a Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE) disse que implementou adequações no acompanhamento dos pacientes e que as equipes de saúde foram mobilizadas para atender o público. De acordo com a SES, as crianças com microcefalia e outras deficiências foram as primeiras contempladas com teleconsultas no SUS.
“Por meio do Núcleo Estadual de Telessaúde da SES-PE, foram ofertadas mais de 9 mil teleconsultas entre os meses de março e setembro de 2020. Também foram realizados o telemonitoramento de 53 crianças e familiares com síndrome gripal para encaminhamento via teleconsulta com infectologista de referência”.
Segundo a secretaria, também foi ofertado material online para auxiliar os profissionais de saúde e as famílias no cuidado com as crianças, além de “vídeoaulas sobre o cuidado terapêutico” com o grupo, disponíveis em www.youtube.com/esppe.
Apesar de os serviços ambulatoriais já terem retornado, a SES explica que "assistência à parte destas crianças continua acontecendo de forma híbrida, e outras estão sendo acompanhadas no formato presencial ou somente online. Estas definições ocorrem considerando o contexto local e desejo dos familiares". A secretaria também disse que "cerca de 96% das crianças confirmadas com a Síndrome da Zika Congênita no Estado são acompanhadas por equipe de reabilitação e outros profissionais especializados. Lembrando que há pacientes em acompanhamento na rede privada e outros que as famílias não desejaram dar continuidade à assistência".
Por outro lado, é importante ressaltar que muitas famílias, inclusive aquelas que não têm acesso à internet, ainda não se sentem seguras em levar as crianças às sessões terapêuticas, uma vez que o número de casos de pessoas contaminadas com o novo coronavírus vem aumentando semanalmente.
Quanto aos medicamentos que ainda não estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS) para a retirada gratuita das famílias, a Secretaria Estadual de Saúde afirmou que a incorporação de novos medicamentos ao sistema é realizada pelo Ministério da Saúde (MS), e que "atualmente, o programa de medicamentos excepcionais do Governo do Estado já conta com fármacos para tratar epilepsia, convulsão, hiperatividade e refluxo, algumas das consequências da microcefalia nessas crianças".
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