INSPEÇÃO

Entidade denuncia violações de direitos em unidade socioeducativa do Recife

Publicado em: 24/05/2021 10:13 | Atualizado em: 24/05/2021 10:31

 (GAJOP/Divulgação)
GAJOP/Divulgação
Infestação de rato, vazamento nas redes de água e esgoto, falta de eletricidade, internos sem colchão e lençol. Essas foram as condições encontradas pelo Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), numa inspeção surpresa realizada no Centro de Internação Provisória (CENIP), localizado na Zona Oeste do Recife. A ação ocorreu em parceria com o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) e a Defensoria Pública de Pernambuco (DPPE), na última quinta-feira (20). A Fundação de Atendimento Socioeducativo (Funase), responsável pelo centro, emitiu nota afirmando que as denúncias não procedem e que é feita a higienização dos espaços.

“O que nós vimos lá é um total divórcio com aquilo que a legislação aponta enquanto comprimento e garantia de direitos e procedimentos socioeducativo, enquanto exigência legal e o que a Funase tem implementado em sua prática(...). Nós reafirmamos enquanto centro de defesa, enquanto organização de direitos humanos, que nós defendemos que cada adolescente cumpra a medida socioeducativa enquanto resposta ao ato infracional cometido”, explicou o técnico do Gajop, Romero Silva, que participou da inspeção, ao Diario.

De acordo com o Gajop, o local encontrava-se com lixos espalhados por todos os lados e acúmulo de água nos alojamentos. Além da questão estrutural, segundo a entidade, vários internos estavam sem colchão e lençol, tendo que dormir no chão. A inspeção ocorreu das 16h até as 18h30.

“Nós encontramos na unidade infestação de rato, muita sujeira e lixo espalhado por todo lugar, bastante infiltração em toda a estrutura física, seja da água encanada normal quanto de esgoto, e essas infiltrações se alastravam por dentro dos alojamentos e causava umidade e acúmulo de água tanto nos corredores do alojamento quanto dentro do alojamento dos meninos. Nesses locais, identificamos que boa parte dos adolescentes estão sem colchões. Isso significa dizer que os adolescentes estão dormindo literalmente no chão”, relatou. “Há relatos de que ratos sobem nos alojamentos também. Os meninos relataram ausência de atendimento médico e falta de medicação, que foi confirmada por profissionais de lá dentro no momento que nós estávamos”, descreveu Romero.

“O que me chama atenção também, que para além de todas essas coisas, é que os alojamentos do Bloco B nenhum deles tem luz elétrica. Então, enquanto estávamos durante o dia, nós chegamos às 16h, no local a ventilação péssima, e a iluminação muito pouca, que contava com a luz do sol. Porém, quando a gente saiu às 18h30 todas os meninos ficaram no escuro. Nenhum dos alojamentos tem luz elétrica. Nos deixou muito espantados essa situação que para além de todas as coisas que os meninos vivenciam, estão nessas condições”, acrescentou o técnico.

Para o técnico, a situação fere os direitos humanos dos adolescentes garantidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescentes (ECA) e da própria lei - n° 12.318/2010 - do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). “É importante ressaltar que a legislação aponta que o comprimento dessa medida socioeducativa deve ser em caráter restaurativo, numa perspectiva socioeducativa que consiga trazer a reflexão deste adolescente enquanto resposta da sociedade a mão do estado ao ato infracional cometido. O que vimos não produz qualquer efeito de socioeducação, muito pelo contrário, é o estado assumindo a responsabilidade pelo ato infracional cometido, porém, sendo mais danoso do que a própria medida de privação de liberdade”.

Em nota, a Funase informou que não procede a denúncia acerca da falta de profissionais de saúde e de medicamentos no Centro. “O ambulatório da unidade dispõe de uma médica, uma dentista, duas enfermeiras e 14 técnicos de enfermagem distribuídos por plantões, que seguem realizando atendimentos normalmente. Já a retirada de remédios ocorre no distrito sanitário que atende a região sempre que há necessidade. A Funase está em articulação com a Prefeitura do Recife para reforçar esses atendimentos, conforme responsabilidades previstas pela Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Adolescente em Conflito com a Lei (PNAISARI), do Ministério da Saúde”.

Sobre a falta de iluminação e limpeza nos alojamentos, o órgão responsável pelo atendimento do adolescente explicou que é feita a troca de lâmpadas e a higienização dos espaços. "O local dispõe de rede elétrica normalmente. A Funase ressalta ainda que desratizações ocorrem de forma mensal, conforme contrato em vigor com uma prestadora de serviço, tendo a mais recente sido realizada na segunda-feira (17). Entretanto, a existência de dois imóveis abandonados ao lado do Cenip Recife tem dificultado esse trabalho. A fundação já acionou a Vigilância Sanitária e está em contato com o órgão proprietário desses locais para que sejam reforçadas as ações de zeladoria. Por fim, sobre o fornecimento de colchões, a Funase esclarece que tem buscado suprir a falta desses materiais e já concluiu uma licitação para comprar exemplares".

O Ministério Público de Pernambuco (MPPE), por meio da 6ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital, que participou da inspeção na unidade CENIP/RECIFE, junto com o Gajop e a Defensoria Pública, constatou as condições insalubres.

O MPPE explicou que já existe uma ação civil pública (NPU 0013815-86.2018.8.17.0001), ajuizada pelo Ministério Público de Pernambuco, em 2018, requerendo melhorias na estruturação do CENIP, com pedido de antecipação de tutela. "A liminar foi indeferida pelo Juízo da Capital, contudo, com o material recolhido na inspeção de ontem, a 6ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital vai protocolar o relatório da inspeção, para requerer reconsideração do indeferimento da liminar a fim de que haja avanço dentro desse processo".

Também em nota, o MPPE esclareceu que, extrajudicialmente, a 6ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital está programando junto com o Gajop e a Defensoria Pública, uma reunião com o secretário de Políticas Sociais e com o próprio Governo do Estado, "em virtude de a situação ser muito grave e antiga, mas que piorou muito e não se pode admitir as condições atuais".

O Gajop informou que, nesta segunda-feira (24), será enviado um Relatório de Inspeção à Fundação de Atendimento Socioeducativo (FUNASE) e aos demais órgão competentes. "No intuito de cobrar as devidas providências e responsabilizar quem está por trás desta violação de direitos humanos".
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